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Macacadas Hollywoodianas: Reboots e derrapadas

por Fábio M. Barreto

Clássico é um negócio complicado. Alguns são importantes pela qualidade, outros pela coragem, alguns pelas duas coisas, mas, discussões sobre relevância à parte, eles existem e precisam ser respeitados. Certo? Idealmente, sim. Na prática, não. Especialmente quando falamos em cinema.

Quando o termo “homenagem” foi institucionalizado para acobertar as agressões hollywoodianas a grandes filmes do passado, a festa do caqui começou com a temida onda de remakes – que de onda não tem mais nada, afinal, já dura, pelo menos, 15 anos – e as seqüências e prequels. Vale tudo para explorar franquias de sucesso e cujo nome, em tese, garantiria boas bilheterias. É Hollywood se mostrando covarde ao extremo e, literalmente, quem paga pelas macacadas deles somos nós.

No caso mais recente, “Planeta dos Macacos: A Origem” retoma o clássico de Pierre Boulle depois da repelida adaptação de Tim Burton, entre na onda as “reimaginações” e levanta mais perguntas do que, de fato, responde. As duas principais envolvem um tema fundamental para o Brainstorm9: criatividade!

Se há perguntas, vamos a elas: até que ponto uma franquia resiste a tantos reboots; e o que vale mais, sucesso comercial ou integridade intelectual? Pelo conceito dos filmes clássicos, o levante dos símios como raça dominante foi possível pelo nascimento de César, o grande líder e modelo para incontáveis gerações de primatas sapientes. Porém, ele só nasceu graças à viagem no tempo empreendida por seus pais, Cornelius e Zira, e pode liderar sua raça num mundo humano acometido por pestes envolvendo animais domésticos e outras raças. Ou seja, uma montagem complexa e desenvolvida ao longo de muitos anos, num processo de constante, e inevitável, crescimento.

Aproveitar a fama de uma franquia histórica, distorcer seus conceitos e ceifa-la de sua originalidade justifica o sucesso comercial?

“Planeta dos Macacos: A Origem” ignora tudo isso, o contar uma história até mais paralela que a tentada por Tim Burton. Para tal, curiosamente, precisou de algumas ideias de outro filme com “macaco” no nome, afinal, ao pegar emprestado uma série de conceitos de “Os 12 Macacos”, de Terry Gilliam, o diretor Rupert Wyatt altera a essência da franquia e torna impossível a linha narrativa estabelecida pelos filmes de Charlton Heston.

Tudo isso por cansaço do estúdio com os conceitos relativamente datados da década de 70 ou alguma tendência maluca na Fox de achar que o público não se envolveria em algo mais social do que tecnológico? Impossível saber a resposta, entretanto o resultado do filme dá uma dica fundamental: só funciona por conta da tecnologia. Só funciona por causa da captura de performance. Só funciona por causa de Andy Serkis. Ele interpreta César, ele é a alma do filme, deixando James Franco de lado com facilidade absurda e nível de realismo impressionante.

A transformação de Andy Serkis no macaco César

Um dos elementos de mais orgulho para a equipe original de “Planeta dos Macacos” foi a criação das máscaras sintéticas para os atores, capazes de transmitir suas expressões através do látex. Trabalho hercúleo e bastante efetivo, permitindo maior conexão entre personagem e público. Tim Burton seguiu a mesma linha e transformou Tim Roth, Helena Bohan-Carter e Michael Clarke Duncan em símios aceitáveis, mas sofreu por ter aberto mão do elemento social e optado pela complicada rota dos mundos alternativos e da viagem no tempo. Exceto pela persona de César e sua jornada messiânica, “Planeta dos Macacos: A Origem” abandona os demais elementos e, inevitavelmente, é fruto de seu tempo, ao permitir que a tecnologia seja sua maior conquista.

Nessa história sobre pais e filhos, confiança e limites, e, acima de tudo, amadurecimento, a inversão de valores acontece rapidamente, afinal, é inevitável não torcer por César mesmo sabendo que, no fim das contas, ele vai causar a ruína da Humanidade. Pensando bem, não, pois quem leva a culpa somos nós em mais um ataque aos males da genética e da ganância corporativa. Aliás, esses elementos em si são bastante datados e já foram usados ao extremo. Bem, é aí que devemos pensar na primeira pergunta. Se tanta coisa mudou, por que buscar ligação com os filmes anteriores se eles serão, efetivamente, substituídos?

De fato, “Planeta dos Macacos: A Origem” poderia, ainda que de forma inconsciente, ser uma tentativa de se encaixar na nova tendência hollywoodiana de se fazer filmes dentro de um mesmo universo, mas sem tocar nos originais, assim como Ridley Scott vai fazer com “Prometheus” (no universo de “Alien”) e o novo “Blade Runner” (uma prequel do original concebido a partir de uma fala do Replicante de Hutger Hauer). Mas seu roteiro revisionista impede qualquer conexão e propõe um novo “Planeta dos Macacos”, em sua terceira encarnação.

E talvez isso não seja o suficiente, afinal, há perigos muito maiores apresentados pelo cinema do que uma eventual queda da Humanidade perante o levante símio. Nossa realidade foi questionada, nossos sonhos foram invadidos, nossos desejos manipulados e nosso futuro já foi assolado por zumbis, vampiros, alienígenas e catástrofes climáticas. Perante esse cenário, uma sociedade dominada por macacos fruto do medo nuclear não parece tão assustadora e, essencialmente, não é nada inovadora.

O filme em si é bem trabalhado em seus dois primeiros atos, constrói uma boa relação entre o núcleo familiar composto pelo novamente apático James Franco, John Lithgow subaproveitado, mas efetivo, e Andy Serkis, um cometa qualitativo na frente e atrás das câmeras (ele é diretor de segunda unidade em “O Hobbit”). E se perde totalmente no desfecho, ao acelerar a trama de forma desnecessária, enchendo a história de furos e clichês que havia evitado até então.

O que nos leva à segunda questão. Aproveitar a fama de uma franquia histórica, distorcer seus conceitos e ceifa-la de sua originalidade justifica o sucesso comercial? Numa Hollywood cada vez mais acovardada e desesperada por títulos certeiros em se tratando de grandes filmes, essa tem se mostrado a regra entre as aquisições e também responde pelo maior desserviço da última década do cinema, que pouco agregou à cultura e à discussão social. Se os filmes originais já destoavam da obra de Pierre Boulle por conta de impossibilidades tecnológicas da época, a descaracterização se faz completa agora e a integridade intelectual entra pelo cano ao ponto de se ponderar se o “inspirado na obra de…” deveria permanecer ali.

De certa forma, “Planeta dos Macacos: A Origem” é fruto de nossos tempos, de nossas dúvidas, nossos medos e da latente incompetência na maioria dos reboots recentes, especialmente os da Fox – que acertou em cheio com “X-Men: Primeira Classe”, mas errou grosseiramente com “Wolverine”. E, acima de tudo, a comprovação da crise criativa, capaz de transformar a grande vantagem de se poder conceitos pré-definidos e consagrados numa pedra no sapato de roteiristas incapazes de reinventar ou simplesmente atualizar sem recorrer ao clichê óbvio ou a conceitos alienígenas ao universo em questão.

Como diria Taylor:

“Damn you, damn you all to hell!”

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