Porque o legado cultural da BBC não tem nada a ver com Elton John vestindo um paletó cheio de borboletas • B9

Porque o legado cultural da BBC não tem nada a ver com Elton John vestindo um paletó cheio de borboletas

Um pouco mais sobre o clipe com a versão de “God Only Knows”

por Alexandre Matias
Capa - Porque o legado cultural da BBC não tem nada a ver com Elton John vestindo um paletó cheio de borboletas
Imagem: Gordon Bell / Shutterstock.com

Na minha coluna passada muita gente bateu de frente comigo porque eu desanquei o clipe com a versão de “God Only Knows” dos Beach Boys que a BBC fez para lançar seu novo portal de música, BBC Music. Uns me acusaram de saudosista por comparar com outro clipe, um pouco menos brega, que a emissora estatal britânica fez há 17 anos. Outros simplesmente discordaram porque gostaram do clipe e acharam que eu não podia achar o clipe brega. Uns poucos partiram pro ataque pessoal, essa arrogância agressiva é o que move as ondas das redes sociais.

Vou explicar: o clipe não é ruim. Ele é todo bem produzido, direção de arte caprichada, boa escolha de música e um bom elenco de intérpretes. Mas imagine se a Apple fosse a empresa que lançasse esse comercial? Todo esse panteão rococó destoaria drasticamente da imagem cool e minimalista que é a alma da imagem da empresa de Steve Jobs. Consegue imaginar o Spotify ou o próprio YouTube se vendendo dessa forma, com essa estética? É uma estética que tem mais a ver com a imagem que as grandes gravadoras gostam de passar, essa sensação de que todos os artistas estão juntos cantando uma mesma canção, com efeitos especiais sofisticados e que demonstrem uma certa sensibilidade.

A British Broadcasting Corporation, fundada em 1922, é um ícone britânico tão importante quanto a família real, o ônibus, os policiais, a cabine telefônica, o Big Ben, os Beatles e Harry Potter

O problema do clipe, na minha opinião, é seu excesso visual. É um apuro visual caro à Hollywood, à direção de arte exagerada dos filmes de Tim Burton, dos filmes que George Lucas fez de Guerra nas Estrelas na virada do milênio, da Asgard dos estúdios Marvel. Reunir vários artistas para cantar um clássico dos Beach Boys não é nada risível quanto ver um tigre saltando sobre o piano de cauda tocado por Brian Wilson, que se apresenta num palco de frente à orquestra que toca entre abajures que piscam. Sério que você não achou brega aqueles diamantes voando ao redor de Stevie Wonder?

Não é essa a imagem que a BBC nos passa. A British Broadcasting Corporation, fundada em 1922, é um ícone britânico tão importante quanto a família real, o ônibus de dois andares, os policiais, a cabine telefônica, o Big Ben, os Beatles e Harry Potter. A estatal é um poço de conhecimento, uma biblioteca multimídia do século 20, que produz jornalismo e entretenimento com uma qualidade tão célebre quanto seu nome. Pouquíssimas empresas têm um nível de exigência tão alto quanto a BBC – e não estou falando apenas de empresas de comunicação.

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Toda uma fleuma, polidez e austeridade típicas do que se reconhece como essências da cultura britânica também são qualidades da emissora

Essa excelência se traduz esteticamente. Toda uma fleuma, polidez e austeridade típicas do que se reconhece como essências da cultura britânica também são qualidades da emissora, que reforça essa imagem que o Reino Unido quer passar para o resto do mundo. Na BBC isso se traduz com uma paleta de cores contida, um minimalismo nas fontes, a sobriedade e a clareza nas expressões, tudo mínimo e comedido mesmo em seus espasmos de loucura (que não são poucos).

É vasto o legado cultural da emissora, que reúne as célebres BBC Sessions com os maiores nomes da história do pop mundial, os documentários de Adam Curtis e David Attenborough, comédias impagáveis como “Absolutely Fabulous”, “The Young Ones”, “Little Britain”, “Fawlty Towers”, “Coupling”, “Monty Python”, “Spaced”, “The Office” e “The IT Crowd”, programas musicais como o “Old Grey Whistle Test”, “Top of the Pops” e “Later with Jools Holland”, séries clássicas como “Life on Mars”, “The Hour”, “Black Mirror”, “Torchwood”, “Doctor Who”, “Skins” e “Sherlock”. Você não precisa ter visto todos esses programas para saber de sua relevância – e também para ter uma idéia do alto padrão estabelecido pela emissora britânica.

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Em se tratando apenas de música, basta falar da importância de um único homem – John Peel. Morto há dez anos, Peel é praticamente um totem à importância da BBC como visionária musical. Por trinta anos DJ da emissora, ele ergueu as bandeiras da psicodelia, do rock progressivo, do rock de garagem, do punk rock, do reggae, do hardcore, da new wave, do pós-punk, da música eletrônica e do indie antes que todo mundo começasse a prestar atenção nos artistas destes gêneros, usando sua prestigiada posição de radialista de uma das principais emissoras de rádio do mundo não para impor regras ou determinar padrões musicais – ele era um farol que buscava o que a contemporaneidade parecia não ver, apontando saudáveis rupturas ao status quo musical.

Suas Peel Sessions reuniram os momentos clássicos de artistas vivendo seus respectivos auges – do Superchunk ao Supertramp, David Bowie e Pixies, Pink Floyd com Syd Barrett e Joy Division, Jimi Hendrix e Nirvana, Peel gravou com todo mundo. Foram 4 mil sessões com mais de dois mil artistas diferentes.

Sua importância é lembrada anualmente pela própria emissora desde 2011, quando a BBC resolveu estender sua participação no evento Radio Festival ao inaugurar a BBC Music John Peel Lecture, uma masterclass em que um nome importante da música lembre de aspectos relacionados à liberdade criativa que Peel tinha na emissora.

O evento acontece todo ano na University of Salford, em Manchester, na Inglaterra, e celebra a cultura do rádio e das transmissões de áudio. A primeira John Peel Lecture, em 2011, foi ministrada pelo fundador do The Who, o guitarrista e vocalista Pete Townshend. A deste ano foi dada por ninguém menos que Iggy Pop, no último dia 13 deste mês.

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Foi a primeira palestra que Iggy Pop deu na vida – e o mero convite à palestra é outra amostra do grau de risco que a BBC gosta de correr. Iggy Pop é uma lenda do rock por ter inventado o punk rock bem antes deste ter esse nome, quando numa cidadezinha no subúrbio de Detroit, juntou com uns malucos no final dos anos 60 para tentar imitar o Doors e pariu dois dos discos mais barulhentos da história do rock, The Stooges (nome que também batizava sua banda) e Funhouse.

A BBC é uma emissora que coloca o maior delinquente da história do rock para dar uma palestra sobre música de graça no sistema capitalista

Desde então seu nome esteve envolvido em bastidores clássicos do rock e situações de perigo extremo sempre envolvendo álcool, sexo, drogas, violência e barulho. Iggy Pop quebrava garrafas no palco e rolava no chão enquanto cantava, saía na porrada com fãs durante os shows, passou algumas décadas – os anos 60, 70 e 80 – sem estar sóbrio. Hoje, quase 50 anos depois daquele tempo, Iggy especializou-se em ser uma lenda viva do rock, fazendo coisas que nunca fez na vida a partir desse novo título. Não por acaso vem apresentando um programa semanal na própria BBC (BBC 6, todo domingo à tarde) e aceitou dar a palestra da semana passada.

Por uma hora Iggy Pop falou sobre o tema escolhido – “Música livre (ou gratuita) em uma sociedade capitalista”, numa palestra que pode ser resumida na importância de se fazer o que se gosta por gostar, nunca por dinheiro. “Se eu quiser fazer música, a esta altura da vida, prefiro fazer o que quero e de graça, que eu faço, ou pelo menos a um preço barato, que eu possa pagar. E banque isso através de outros meios, como um orçamento pra um filme ou um site de moda – já fiz os dois. Isso parece funcionar melhor para mim do que os discos corporativos de empresas de rock’n’roll que eu tenho feito. Desculpa. Se eu quisesse dinheiro, que tal vender seguros de carro?”

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Na palestra Iggy falou sobre pequenas gravadoras (citando-as nominalmente como onde encontrar música boa hoje em dia – “XL, Matador, Burger, Anti, Epitaph, Mute, Rough Trade, 4AD, Sub Pop”), sobre Jack Holzman da Elektra e Richard Branson da Virgin, sobre a Vice e o Guardian, critica o U2 e a Apple a aplaude Thom Yorke e o BitTorrent, além de falar sobre o porquê de ouvirmos tanta música ruim no rádio. A palestra dada no Quays Theatre da University of Salford pode ser ouvida em streaming por quatro semanas neste link, baixada neste outro link e a transcrição se encontra neste link (se alguém quiser se aventurar à tradução, basta postá-la nos comentários).

Resumo da ópera: a BBC é uma emissora que coloca o maior delinquente da história do rock para dar uma palestra sobre música de graça no sistema capitalista dentro de uma aula magna em homenagem a um ex-funcionário especialista em descobrir músicas que as pessoas iriam ouvir no futuro. E o que se ouve é uma hora de pensamento articulado, claro, bem humorado, mesmo quando quer chocar. Nada a ver com Elton John vestindo um paletó cheio de borboletas vivas.

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