“A Bruxa”: quando a embalagem é melhor que o presente • B9
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Imagem: Cena do filme “A Bruxa”, em que a família protagonista reza em volta da mesa

“A Bruxa”: quando a embalagem é melhor que o presente

O diretor e roteirista Robert Eggers mostra seu repertório, mas reduz sua obra às aparências ao não confiar no poder de sugestão

por Virgílio Souza

⚠ AVISO: Pode conter spoilers

Um dos principais fenômenos do universo dos festivais de cinema são os hits inesperados: filmes de realizadores iniciantes que, entre a primeira exibição mundial e a sonhada estreia no circuito comercial ou nos serviços de streaming, ganham o selo da antecipação, uma ansiedade coletiva que parte de promessas de qualidade e originalidade feitas por alguns poucos felizardos.

O terror é um dos gêneros mais permissivos a esse tipo de experiência de descoberta, e o Festival de Sundance se apresenta, ao lado do SxSW, como o palco ideal para manifestações dessa sorte, tendo revelado desde “Palhaço Assassino”, em 1989, passando por “A Bruxa de Blair”, dez anos depois, até o exemplar mais mais recente, “The Babadook”, de 2014. Recebido com entusiasmo pela crítica americana e distribuído como “o filme que aterrorizou Stephen King”, “A Bruxa” surge nesse contexto e carrega credenciais que ajudam a explicar tanto seu sucesso quanto suas fragilidades.

No que diz respeito aos aspectos básicos, o diretor-roteirista Robert Eggers faz escolhas bastante convencionais. A trama é simples (uma família isolada de sua comunidade é atormentada pelo sobrenatural), e a condução da narrativa não é diferente. Por mais original que seja a ambientação na New England dos 1630, no início da instalação dos ingleses na América, não se nota muito critério na escolha dos recursos empregados para produzir suspense e horror. A presença de mutilações, possessões animal e infantil, sacrifícios, rituais macabros, figuras distorcidas e sustos abafados pela tela preta são indícios de um filme mais interessado em mostrar o tamanho de seu repertório do que em empregá-lo com coerência, o que reduz a composição da atmosfera a apenas uma questão de aparências.

Diretor Robert Eggers no set

Diretor Robert Eggers no set

The Witch

Nesse sentido, “A Bruxa” é uma espécie de foguete molhado, que ameaça explodir, mas acaba em nossas mãos sem que saibamos o que fazer com ele. A condução da narrativa é batida, repete truques sonoros como os sussurros num idioma desconhecido ou a trilha absolutamente impositiva de Mark Korven, e preserva um pretenso formalismo que remete a Michael Haneke e outros cineastas compulsivos por controle. A família é vista como em um laboratório que segue um estilo de manual: só há lugar para cores secas, que dão palidez aos longos planos que administram expectativas em banho-maria.

É evidente a tentativa de elaborar apenas pequenos picos de tensão em direção ao ato final — esse, sim, um merecido banho de sangue. O ritmo arrastado, porém, se contenta a ser disfarce a partir do momento em que, ainda na primeira hora de duração, a monotonia toma conta. Temáticas importantes, como a sexualidade e a religiosidade, são limitadas por um roteiro que permanece sempre no campo da sugestão. O pai (Ralph Ineson) carrega uma arma que nunca atira, pega um machado, mas se limita a cortar lenha; a filha mais velha (Anya Taylor-Joy) insinua uma relação com o irmão, mas não leva os avanços dele adiante; a mãe (Kate Dickie), com formas que espelham a das bruxas, amamenta um corvo; o garoto (Harvey Scrimshaw) cospe uma maçã envenenada antes de morrer; e os gêmeos (Ellie Grainger e Lucas Dawson), uma das referências a King e Stanley Kubrick, transitam pela trama sem muita função que não a de acessórios.

“A Bruxa” é uma espécie de foguete molhado, que ameaça explodir, mas acaba em nossas mãos sem que saibamos o que fazer com ele

Eggers veste sua obra com uma sobriedade envergonhada, que não sabe se postula um lugar na experimentação com o tempo e a forma ou se assume como filme de gênero, e acaba deixando de fazer ambas as coisas. Como exceção temos os quinze minutos finais, quando a máscara cai e o realizador aceita o gore em vez de apenas esbarrar nele — embora pareça redentora, essa é uma virada que pode afastar parte da audiência.

A intenção, aqui, não é negar os méritos visíveis ou afirmar que eles só existem na embalagem. O elenco infantil entrega o olhar de curiosidade diante do desconhecido, ao passo que os adultos seguram os diálogos, em parte saídos diretamente dos relatos e escritos da época, atribuindo força dramática ao texto. Há algo de fascinante no pai e na filha, e algo de enigmático em todos os demais personagens.

Thomasin, interpretada por  Anya Taylor-Joy

Igualmente competente é a forma como o amadurecimento e a entrega ao sobrenatural caminham juntos. Por vezes abandonada pelo roteiro, a relação entre as duas coisas produz bons frutos, mas revela certo desequilíbrio: o despertar da protagonista (de menina para mulher), por exemplo, é mais eficiente do que sua ascensão pela feitiçaria, mesmo que um dependa do outro.

Eggers veste sua obra com uma sobriedade envergonhada, que não sabe se postula um lugar na experimentação ou se assume como filme de gênero

Também chama a atenção a maneira como o filme acena com os mitos de fundação americanos, trazendo à discussão a intensa paranoia de viver em um gueto dentro do gueto. A ilusão de liberdade é corrompida por regras muito próximas de uma ideia restritiva de moral: ir ao bosque é proibido, assim como estabelecer qualquer interação com a divindade que fuja às normas da igreja. Ao estabelecer personagens que creem no pecado como indissociável da existência, o longa abre uma série de possibilidades para fazê-los pecar novamente e aguardar, sem pressa, a inevitável punição.

O descompasso entre decisões boas e más, contudo, segue por toda parte. A família, por exemplo, é tão interessante como unidade que chega a ser incômodo que seu processo de destruição seja somente parte de um rito de transição mais abrangente, que diz respeito a entidades maiores do que aquele círculo específico. O mesmo pode ser dito sobre o tão comentado Black Phillip, uma criatura imensamente mais interessante quando é símbolo da ação do sobrenatural nos humanos do que nos momentos em que assume uma forma mais concreta e abandona o poder da sugestão — e, vendo em retrospectiva, talvez seja esse o principal problema de todo o filme.

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