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“Bright” é rocambole nada gostoso de fantasia e perseguição policial com comentário racial

Primeiro blockbuster da Netflix busca no desapego um refúgio para evitar as próprias questões

por Pedro Strazza

Logo no início de “Bright”, o policial vivido por Will Smith diz que “vidas de fadas não importam” a seus vizinhos gângster antes de matar na porrada uma que estava incomodando os arredores de sua casa. Dita em óbvio tom cômico, a frase – em inglês “fairy lives don’t matter” – busca a referência no movimento ativista “Black Lives Matter” para criar uma conexão imediata entre filme e realidade, estruturando em segundos uma das várias relações sociais em jogo no seu mundo fantástico.

Essas conotações entre fantástico e real a princípio dão o tom do filme, levado às telas da Netflix como a primeira superprodução do canal de streaming. A alegoria é até que simples: as questões raciais dos Estados Unidos (e todos os preconceitos reminiscentes da época da escravidão) são transportadas no longa para dentro de uma mitologia à la “O Senhor dos Anéis” de Tolkien que avançou no tempo até uma contemporaneidade similar à nossa, com os orcs se tornando vítimas de racismo similar ao encarado diariamente pela população negra e os elfos assumindo a posição de elite em um distrito próprio. O preconceito domina todos os níveis da sociedade, mas isso não impede que o orc Nick (Joel Edgerton) se forme como primeiro policial de sua raça e passe a patrulhar as ruas junto do colega Daryl (Will Smith), encarando todo tipo de preconceito vindo não apenas dos humanos e de outros policiais mas também dos próprios orcs, que veem sua formação como um ato de traição.

Colocado dessa forma, “Bright” soa exatamente como um filme de David Ayer, mas ainda que a direção seja assinada pelo cineasta responsável por “Esquadrão Suicida” e “Corações de Ferro” o longa é muito mais um trabalho de Max Landis, roteirista filho do cineasta John Landis que em anos recentes vem mantendo presença no cenário por obras que buscam proporcionar o contato de gêneros muito distintos, como “Poder Sem Limites” (que alinhou o found footage com super-heróis) e “American Ultra: Armados e Alucinados” (uma combinação dos thrillers de ação políticos à la Jason Bourne com as comédias de maconheiro). A Landis, essa mesclagem de elementos tão diferentes fundamenta e alimenta suas histórias, uma tendência de sua escrita mantida aqui ao colocar as estruturas dos épicos de hiperfantasia dentro de um thriller policial contemporâneo, um cenário movido na essência por dinâmicas “das ruas”.

Os joguetes do roteirista em teoria são interessantes e podem soar promissores a quem quer que assuma o leme de seus projetos, mas na execução soam quase que artificiais nos esforços de conciliação. Landis até chega a ambicionar uma articulação de gêneros na proposta de seus projetos, mas suas histórias sempre acabam presas a uma lógica de intercalação (onde um sucede ao outro sem qualquer comunicação mínima) ao invés de crescerem para uma mesclagem de arquétipos e estruturas, uma tendência que sem surpresa se repete em “Bright” sob razão quase canibalística das partes envolvidas.

Isso ocorre também porque existe um conflito de abordagens muito claro entre direção e roteiro, algo a ser traduzido na narrativa pelo visível desbalanço entre as esferas do fantástico e do thriller policial que ocupa grande parte das atenções da produção. Se Landis está com os olhos constantemente voltados às intersecções tipográficas de sua trama, a abordagem de Ayer com o material segue a cartilha dos gato-e-rato fascinados pela figura da lei que configura seus projetos anteriores, enquadrando o longa à força dentro de seu raciocínio de ação de violência crua. Assim, o que era pra ser uma combinação de gêneros se pulveriza em um filme de fuga e perseguição quase honesto em seus gestos elementares, com os dois protagonistas fugindo de todo tipo de grupo por conta de uma varinha mágica que pode realizar desejos ou liberar o apocalipse no planeta.

O problema dessa metodologia despreocupada assumida por Ayer é que ela subverte por completo toda a estrutura inchada de Landis, e o que se vê em cena à partir daí é uma produção mergulhada em uma espiral de extremos que ruma ao desastre. Se por um lado os comentários sociais do roteiro sobre preconceito e raça vão perdendo o sentido em meio à trama rocambolesca (é no mínimo curioso que o longa imponha com tanta firmeza o paralelo entre orcs e negros mas nunca faça o mesmo com os elfos da elite), a impulsividade da direção em manter a ação desenfreada torna a fantasia da coisa quase irrelevante ao todo, mantendo-a somente como apoio (ou tapa-buraco) nos poucos momentos de “respiro”. Se os inimigos a serem enfrentados por Daryl ou Nick são policiais, gangsters, orcs ou elfos isso não importa; o que de fato é relevante a Ayer é o frenesi da ação, independente dela fazer sentido ou ser incompreensível por completo – e, para o azar da obra, este frenesi aqui muitas vezes soa como o último.

Mas o ponto de crise central de “Bright” está mesmo nessa sua dificuldade intrínseca em trabalhar as próprias temáticas. Mesmo sob a chave do desapego , o filme visivelmente mostra-se indeciso entre levar adiante ou não as questões raciais da trama, vitais de início ao estabelecimento do cenário mas depois também importantes ao desenvolvimento dos arcos dos dois protagonistas, cuja relação se pauta justo nesta aceitação das diferenças, com Daryl passando a aceitar Nick por conta de toda a discriminação que aos poucos enxerga no sistema. Se a narrativa termina se enrolando em si mesma, é muito porque ela busca restringir o tema ao comentário pontual ao invés de permitir que ela contamine o gato-e-rato, o que por sua vez leva a produção a realizar gestos vazios de pequenas superações da crueldade do sistema, como a saudação da gangue de orcs ao policial no fim de toda a ação.

Ironicamente, esse momento climático da consagração do policial orc perante sua “raça” também serve para ilustrar o quão infantil são as percepções da obra sobre os gêneros e temas em que se inserem. Em tempos de amplificação do preconceito com o negro e outras minorias, o longa chega ao cúmulo de alinhar o arco de herói pautado por profecia do “escolhido” como forma de reconciliá-lo com suas “raízes”, num desses remendos inocentes de relação entre opressor e oprimido que só as grandes produções acreditam e um gesto tão descerebrado quanto a piada do “fairy lives don’t matter” no começo.

nota do crítico

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