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Imperfeição das personagens de “Aves de Rapina” busca renovação ao filme de super-herói

Aventura solo da Arlequina escapa das convenções atuais do gênero ao repercutir história de emancipação em narrativa de escapismo

por Pedro Strazza

Como quase todos os outros gêneros que o precederam, os filmes de super-heróis encontram-se em um momento dentro do mercado que, embora confortável no caráter dominante de sua posição na indústria, oferece desafios muito relacionados ao desgaste, cujo item da discórdia parece mesmo estar conectado no esgotamento do escapismo inerente a estas produções. Prova maior disso é que não apenas os longas mais adeptos desta lógica não são mais capazes de se firmar sozinhos entre o público (como “Homem-Formiga e a Vespa”), mas a lógica do espetáculo grandiloquente se mostra enfim uma alternativa impossível de ser superada – ainda mais depois de “Vingadores: Ultimato” ultrapassar a barreira final e se consolidar como maior arrecadação da história do cinema.

É dentro deste cenário tão fadado a transformações que “Aves de Rapina” soa como um projeto tão diferente mesmo quando seguindo em parte todas as “normas” do gênero, pois ainda que seja fruto assumido de tendências atuais em Hollywood sua configuração sugere (ou prenuncia) novas flexões deste tipo de produção na indústria. Embora seja derivado de outra grande produção recente de sucesso – o malfadado mas hit financeiro “Esquadrão Suicida” – e seja adepto claro da formatação pop que o estúdio já testou com “Shazam” e o seu próprio antecessor, a aventura “solo” de Arlequina (Margot Robbie) em alguns vários momentos parece escapar desta identidade pré-assimilada para construir outra, mais ousada e até distante das convenções estabelecidas para o formato.

Cathy Yan (à direita) conversa com Margot Robbie e Rosie Perez no set

A chave para compreender este deslocamento está na relação que o filme de Cathy Yan tem com Gotham City, a cidade onde todas as histórias relacionadas ao universo do Batman ocorrem e a qual mais uma vez ensaia ser de novo aqui um grande protótipo de Nova York. Despido do olhar grandiloquente característico das aventuras do homem-morcego (e até de “Coringa”), a metrópole aqui emerge no que é talvez seu retrato mais cotidiano, numa despretensão urbana que é reflexo direto dos clubes e estabelecimentos deteriorados em sua ostentação, onde grande parte da trama escrita por Christina Hodson se passa.

Esta ambientação também sintetiza o enquadramento buscado pela produção em seu grupo de protagonistas, mulheres que são ou foram oprimidas pelo sistema e nem de perto ecoam valores ou ideais de heroísmo ao qual o gênero tantas vezes trabalha em cima. A própria Arlequina é introduzida numa premissa do que é na base a superação de um término de namoro, surgindo na tela literalmente pelo chute que recebe de seu namorado (o Coringa) e partindo em busca de uma “emancipação” que é a restauração de sua independência individual, mas as outras personagens também encontram-se em situações capazes de ecoar o abuso – seja no ambiente profissional (a Renée Montoya de Rosie Perez) ou domiciliar (a Cassandra Cain de Ella Jay Basco), seja no enclausuramento pessoal (a Dinah Lance de Jurnee Smollett-Bell) ou emocional (a Helena Bertinelli de Mary Elizabeth Winstead).

Gotham City emerge no que é seu retrato mais cotidiano, numa despretensão urbana que é reflexo direto dos estabelecimentos deteriorados

Será a partir destes arcos dramáticos que o longa vai buscar chegar a uma mensagem de sororidade e exaltação da imperfeição como um valor em si mesmo, mas ainda que esta motivação seja muito bem intencionada “Aves de Rapina” é muito mais curioso de se observar pelas consequências de trazer o real imperfeito a este escapismo do gênero que pela lógica simples do objetivo final com ele. Isso acontece em parte porque a meta final de Yan e Hodson com o projeto afeta todas as estruturas da narrativa, incluindo a eliminação de qualquer pretensão a gestos grandiosos que habitualmente cercam os filmes do gênero – e neste quesito talvez a maior vitória do derivado seja mesmo o fato dele ser a primeira produção da DC Films a evitar por completo as questões maternais e paternais.

Das heroínas aos vilões (cujo perfis pitorescos não deixam de ser um tanto controlados, a ver pela atuação de Ewan McGregor como Máscara Negra), passando pelos policiais e bandidos, a ambientação do filme repercute na medida do possível uma realidade palpável dentro de seu formato pop e das piscadelas ocasionais ao público, nas cores saturadas e figurinos ostentosos que trazem mesmo assim um caráter mundano. Para o momento atual do gênero, dominado por um senso de urgência e fatalismo em qualquer configuração (raio azul ou histeria do pop), isso soa de fato como algo inédito.

A questão, porém, é que a produção demonstra ser muito mais um sintoma do estado da indústria ao invés de estar no comando desta “nova” proposta de cinema, uma posição digna do produto de estúdio ao qual se propõe a ser desde seu início, no prólogo em forma de animação da Hannah-Barbera. São as referências tomadas por Yan e o filme, porém, que criam este leve rompimento entre o que se ambiciona e se atinge, e sob este ângulo nada denota melhor as forças em combate que as cenas de ação, cujo malabarismo dos dublês aspira a fisicalidade da série “John Wick” (e não à toa o diretor Chad Stahelski pelo visto participou da coordenação destas filmagens no set) mas se vê sabotado por uma montagem incapaz de privilegiar este interesse para além da picotagem típica.

O todo mostra-se derivativo de uma fórmula que é resultado da soma de fatores que se provaram sucesso em tempos recentes, incluindo a auto-consciência da protagonista sobre o filme que emula a cumplicidade de “Fleabag” e leva a narrativa a ser embaralhada sem muita convicção para atingir o pop. A decisão leva a alguns cacos de trama difíceis de se engolir, aliás, como a má inserção do macguffin da vez e a falta de localização temporal do arco dramático da personagem de Winstead – é divertido e ao mesmo tempo inevitável imaginar que a personagem cresceu em uma breve realidade paralela, pois nunca se sente na história o salto dos anos da infância traumatizada para a adulta a procura de vingança.

O filme é mais curioso de se observar pelas consequências de trazer o real imperfeito ao escapismo do gênero

“Aves de Rapina” no fundo não deixa de ser adepto da estrutura do videoclipe pop, menos frenético em relação ao desastre de “Esquadrão Suicida” mas ainda dependente deste jogo de piadas rápidas sem muito significado – veja a menção ao democrata Bernie Sanders entre os motivos para um dos capangas odiar a protagonista, por exemplo. Mas em meio a esta dinâmica de acenos e referências que proporciona (neste ponto vale acrescentar que a paródia da cena musical de “Os Homens Preferem as Loiras” é uma grande decepção), na busca pela repercussão de sua mensagem, a adesão da produção por este realismo despido de fetiches e disposto a se alinhar com parte de suas estruturas escapistas cria uma anomalia dentro do sistema.

A sensação real é de um filme muito mais interessante que se encontra preso dentro de outro bem mais comportado, e esta luta interna ajuda a definir o longa em seus melhores e piores momentos. A questão é: até que ponto a máquina é capaz de controlar estes impulsos por mudanças?

nota do crítico

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