Especial "First Cow", parte 2: como John Magaro e Orion Lee converteram uma amizade em questão de química • B9
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Especial “First Cow”, parte 2: como John Magaro e Orion Lee converteram uma amizade em questão de química

Protagonistas revelam ao B9 como deram autenticidade à amizade central do filme a partir de movimentos muitos calculados (e alguns incidentes bem vindos)

por Pedro Strazza

Ser o protagonista de um filme de Kelly Reichardt definitivamente não é lá uma das melhores dádivas que um personagem pode vir a ter. Desde sua estreia na direção em 1994, a diretora mostra interesse particular por histórias de pessoas solitárias, de certa forma isoladas dentro da sociedade que convivem, e se virando em busca de sobrevivência – emocional ou física – em pequenos sistemas de opressão. 

O mais interessante é perceber como esses contos nutridos pela cineasta não conhecem época ou espaço para acontecer, compondo-se como jornadas diminutas que trafegam caminho próprio dentro do mundo maior em que se inserem. Do pequeno grupo de colonos que viajam pela Oregon de 1845 em “O Atalho” às diferentes crises de vida das mulheres de “Certas Mulheres”, o cinema de Reichardt se concentra sobretudo em um microcosmo – de intenções, de gestos e mais importante, de relações. E “First Cow”, com sua trama de dois estranhos unidos pelo acaso e o desejo de uma vida melhor, é apenas mais um elo desta corrente.

Aos olhos de John Magaro, essa percepção sob a diretora pode ser resumida a um termo: outsiders, palavra do inglês que engloba os estranhos e forasteiros. “Há algo nela que a atrai a essas pessoas, acho que ela e Jon Raymond tem curiosidade de contar essas histórias” diz o ator ao B9, ao qual também é ágil para situar o “First Cow” que protagoniza dentro dessa linha de raciocínio: “Ele se enquadra naquele mundo. Cookie é um estranho, ele procura por conexões assim como King-Lu, e eles por acaso se encontram. Daí as coisas acontecem”.

Esse sentimento de peixe fora d’água, no caso específico de Cookie e “First Cow”, se dá também pela forma como o personagem cozinheiro se insere nas tradições do faroeste. “O herói do western no geral é este tipo ultra macho, ultra masculino e cheio de testosterona, um ser invencível que pode fazer qualquer coisa. Cookie não é isso, ele é gentil, bondoso e uma pessoa que não luta, ele não pertence àquele mundo” define Magaro logo no início da conversa, ao qual expande alguns minutos depois: “Ele é o tipo de pessoa que quer deixar o mundo melhor do que quando ele veio. Outras pessoas muitas vezes não pensam sobre isso e são mais destrutivas, tirando e tirando enquanto deixam o mundo pior. Cookie não é esse tipo de pessoa”.

A pequena sorte do cozinheiro nesse cenário hostil é que ele não está sozinho, conforme o filme se situa na inesperada amizade que o protagonista nutre com King-Lu, um imigrante chinês que certo dia cruza com sua vida fugindo de um russo. Como Cookie, sabemos ainda menos sobre de onde King-Lu vem e como ele foi parar naquela história, nu e entre os pertences de um grupo de trapeiros na Oregon do começo do século 19; sua relação com o amigo é o único componente crucial para os fins daquele conto, bem como a compreensão por trás do significado dos dois esqueletos descobertos por acaso no tempo presente.

Isso não impediu Orion Lee, intérprete do personagem, a conceber sozinho uma história pregressa aos eventos do filme – uma resolução justa, considerando que o King-Lu de “First Cow” é resultado da combinação de duas pessoas distintas do livro escrito por Jon Raymond. “Uma das coisas que me ajuda muito a conhecer o personagem é saber de seu passado”, brinca o ator; “Então eu criei toda esta história sobre como ele veio da China durante a época das guerras do ópio, e a incluí mentalmente no roteiro. No filme, Cookie conta sobre como ele perdeu os pais, sua família, e o que eu fiz foi construir essa conexão”.

Para além das idas e vindas do processo de adaptação, a preocupação de Lee com King-Lu se valida também pela importância do personagem em sua carreira, o primeiro papel maior do ator e conquistado com alguma luta – enquanto a produção se decidiu rápido por Magaro para Cookie, Reichardt demorou a encontrar alguém para fazer o outro grande protagonista da história. “Quando eu consegui o trabalho, a primeira coisa que eu pensei foi ‘uau, consegui!’, mas em seguida foi ‘meu deus, isso é muito grande’”, ri o artista, que afirma na sequência ter desvencilhado da maior pressão interna com o papel retomando a base do seu trabalho: 

“Eu sabia que conseguia fazer algo desse tamanho, mas o que eu realmente sabia era como fazer uma cena, e todo ator na real sabe fazer uma cena. Então eu me concentrei na cena, e fui indo uma atrás da outra. A princípio eu fiquei um pouco preocupado que isso significaria deixar o personagem perdido, sem arco e sem conexão, mas eu lembrei do que a Kelly disse sobre como ela gosta de existir em um espaço onde ela não tem certeza do que a história está contando e de como o público é muito inteligente. Aí pensei ‘quer saber? Eu não vou me importar sobre isso’, me concentrei nas cenas e deixei o público decidir.”

Essa intimidade que os dois atores carregam quando se tratando dos personagens ocorre muito pela confiança que a direção de Reichardt deposita em seus trabalhos com os papéis. “Ela sabe exatamente o que quer do começo ao fim”, relembra Lee, que afirma que a maior conversa que teve com a diretora foi de uma hora e meia na época dos testes – mesmo os ensaios duraram menos de uma semana. “É uma combinação, há muito espaço e ela sempre delineia muito bem e mantém algum pulso para ajudar o ator quando necessário”, afirma.

Magaro divide do mesmo sentimento, e inclusive reitera de novo e de novo sobre como “nunca tocaria” em um roteiro da diretora mesmo se dizendo fã de improvisações. “O roteiro era muito claro, e nós não precisamos falar muito sobre ele”, diz o ator; “Havia apenas uma compreensão mútua de quem o Cookie era e o tipo de história que ela estava contando, e ela meio que deixa você trilhar a jornada de muitas maneiras, se mantendo fora de seu caminho. Mas porque ela cria uma fundação tão forte, você se sente seguro de seguir aquela jornada”.

Enquanto os dois artistas mostram confiança suficiente na direção para construírem cada um a seu jeito o personagem que retratam, há ainda a questão da própria relação entre Cookie e King-Lu, fundamental a todos os efeitos do filme. Mas por incrível que pareça, o pouco tempo de entrosamento antes do começo dos trabalhos no set acabou servindo como uma ferramenta importante na construção da dinâmica.

“É uma história de pessoas forjando uma amizade, um vínculo e uma relação com o tempo que se desenrola na página, e isso foi meio o que aconteceu nos bastidores”, rememora Magaro. Ele e Lee se conheceram apenas uma semana antes das filmagens, tendo esse tempo prévio à produção para realizar o que ele define como um “acampamento de fronteira” para aprender habilidades de sobrevivência da época – e, curiosamente, a se entrosar. “Nós meio que conhecemos um ao outro, começamos a entender o ritmo um do outro e como nós éramos apenas homens. Isso nos deu uma base”, afirma o intérprete de Cookie.

Já Lee é mais poético para definir como ele e Magaro construíram tal relação: “Eu não tenho certeza se foi a Kelly quem disse isso, mas o frame, sendo reduzido, torna a cena mais íntima, não é apenas sobre captar o panorama completo.”, lembra na conversa; “Então não é apenas sobre o panorama, mas sobre as pessoas. Isso meio que reflete o trabalho que fizemos, nós estávamos descobrindo mais sobre o outro, assim como os personagens estão constantemente se conhecendo. Eu acho que ambos se sentem solitários, se encontram e daí percebem que conheceram alguém com quem podem conviver, e a partir daí a confiança começa a ser construída”.

A dinâmica de Cookie com King-Lu no filme ainda é pontuada pelo intérprete do último por uma constante de que ele e o colega de elenco nunca estão se vendo, mas se ouvindo:

“Eu tive essa ideia por conta de uma cena em que eles estão no rio, conversando sobre o plano de abrirem juntos uma padaria. Aí pensei como na verdade eles estão sentados juntos olhando o cenário, então nunca exatamente se olham, mas ao mesmo tempo estão tendo uma discussão. Nessa hora eu lembrei como quando estou com amigos, uma das melhores coisas é ir a um café, sentar e ler revistas; algumas vezes nós conversamos, outras não, mas não é como se estivéssemos olhando no olho. Não é como um namoro onde você fica olhando a pessoa e não consegue desviar a atenção dela – mas você está ouvindo a opinião do outro, as ideias que são verbalizadas são importantes.”

Talvez nós tivéssemos uma vantagem que é a gênese desse relacionamento, ao contrário de outros elencos que precisam interpretar amigos que se conhecem por anos e anos”, teoriza ainda Magaro; “Talvez isso tenha ajudado a gente a criar isso, porque estava acontecendo em tempo real”.

No decorrer das entrevistas, fica bastante claro o nível de detalhamento e de precisão empregados por Lee e Magaro para viver os protagonistas. Mesmo as ações mais imperfeitas são minimamente calculadas pelos atores, incluindo na confecção dos bolinhos que ajudam a dupla a sair de uma situação limite para começar a sonhar por uma vida melhor.

Sobre esses momentos, Magaro diz que “estava tentando fazer o mais correto possível da forma que poderia”, uma tarefa complexa considerando que ele nem sabia cozinhar tão bem assim – a diretora chegou a lhe dar alguns livros dos exploradores Meriwether Lewis e William Clark, no intuito de ajudá-lo a entender como a comida da época era feita. “Procurei aprender o melhor possível, de forma que soasse autêntico” afirma o ator; “Era também um jeito do público ter um vislumbre do Cookie como uma pessoa, isso me ajudou a sentir mais próximo dele”.

Essa busca por uma perfeição também fez parte do trabalho de Lee. “Como uma pessoa daquela época, você tem que fazer tudo, você tem que cozinhar, limpar, cuidar de plantas, atrair animais e costurar sua própria roupa” elenca; “Todo mundo sabe um monte de coisa, mas ninguém na verdade é bom em tudo. Tudo isso faz o personagem mais interessante e acho que o torna mais real”.

A parte mais engraçada desta lógica, porém, é que imprevistos acontecem. No caso de Lee, o aprendizado da língua indígena de negociação para fazer a cena em que ele garante um barco com os botões da camisa foi tão bem sucedido que obrigou a produção a reenquadrar sua experiência. “Eu aprendi a imitar bem até demais, então a primeira coisa que a Kelly me disse no set foi: você tem que fazer pior que isso”, ri o ator.

Já Magaro viu a relação com Evie, a adorável vaca que interpreta a primeira de sua espécie nos Estados Unidos, crescer o suficiente a ponto de interferir parcialmente nos rumos de uma cena construída com tanto cuidado por Reichardt e Raymond no roteiro. Quando Cookie e King-Lu visitam a casa do senhorio vivido por Toby Jones e são apresentados “oficialmente” à vaca que vem roubando o leite durante semanas, a reação de Evie à presença de Cookie em tese dá um sinal importante para os envolvidos perceberem (ou não) algo suspeito na dupla de protagonistas, mas não estava presente no texto e veio de surpresa do animal.

“Nós tivemos uma semana de filmagem com a vaca antes daquele momento, fizemos um monte das cenas noturnas em seguida e eu era a única pessoa no set além dos cuidadores que podia tocar e alimentar ela.”, se diverte Magaro ao relembrar o momento; “Depois de uma semana subornando ela com comida, ela passou a esperar que eu a alimentasse, então foi só isso. Ela sabia essa informação e ficou ‘ei, me dá minha comida’”.

“First Cow” está disponível para locação digital e no catálogo da MUBI.

Leia a crítica do filme

Leia a primeira parte do especial “First Cow”

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