Em "The White Lotus", as narrativas de redenção pertencem aos mais ricos • B9
Capa - Em “The White Lotus”, as narrativas de redenção pertencem aos mais ricos
Imagem: Divulgação

Em “The White Lotus”, as narrativas de redenção pertencem aos mais ricos

Minissérie da HBO faz o caminho da sátira da elite pelo jogo de atração, mas não nega a crueldade sutil e maior que a envolve

por Pedro Strazza

AVISO: Este texto contém SPOILERS da minissérie, inclusive de seu último episódio.

Em tempos que centibilionários se enviam pro espaço e acordos multibilionários são feitos enquanto a miséria volta a crescer no planeta, faz muito sentido que as narrativas em torno de abismos sociais e o dito 1% mais rico se proliferem no cinema e na televisão. Mais interessante que a reação ao cenário em si, porém, é a recorrência da sátira como recurso predominante do retrato, e de “Parasita” a “Succession” não é difícil perceber como essa aplicação se dá sobretudo pela lógica do absurdo. Se as picuinhas de poucos definem os caminhos da maioria, por que não rir dessas figuras tão minúsculas e ao mesmo tempo tão poderosas?

“The White Lotus” não deixa de ser mais um desses casos que justifica a regra, e a minissérie é rápida em se estabelecer dessa maneira aos olhos do público – é na chegada ao hotel que o gerente Armond (Murray Bartlett) comenta que o “truque” para se dar bem no trabalho é se introduzir aos hóspedes como mais um dos ajudantes sorridentes e intercambiáveis. “Eles precisam se sentir vistos” verbaliza algum tempo depois, em um movimento que não apenas escancara a dinâmica dos personagens, mas o próprio propósito de servidão daquele mundo.

Ainda que essas declarações antecipem bastante do que o espectador vai presenciar nos próximos seis episódios e a série não hesite em seguir pelos meandros esperados dessa narrativa em torno de elites e explorados, o desenrolar dos eventos é muito mais dúbio que o sugerido. O segredo, de novo, está na aplicação da sátira, e mais precisamente em como o criador, roteirista e diretor Mike White encena os momentos de desconforto e tensão internos e externos dos três grupos de hóspedes e o corpo de funcionários do resort havaiano.

Desconforto é um termo que define com alguma precisão os méritos da produção, vale acrescentar. Em meio aos cenários deslumbrantes e a promessa implícita de férias paradisíacas do hotel, os conflitos (e a comédia) entre os personagens ocorrem e refletem questões sociais, desde a crise matrimonial dos recém-casados Shane (Jake Lacy) e Rachel (Alexandra Daddario) à relação (nada) amigável da milionária Tanya (Jennifer Coolidge) com a massagista do hotel Belinda (Natasha Rothwell). O raciocínio aqui é sobretudo de degradação, sem nunca se render à humilhação mesmo quando se chega a situações extremas ou chocantes aos tabus sociais (como o beijo grego ou a cagada): independente do tema, a narrativa leva ao limite a deterioração de relações e abusos de olho nos padrões de comportamento a sua disposição.

Bom exemplo desta dinâmica está na relação das jovens Olivia (Sydney Sweeney) e Paula (Brittany O’Grady), que chegam ao White Lotus como parte do grupo da família Mossbach. Apresentadas como adolescentes em seu estado mais puro de desprezo por tudo e todos, as amigas começam a viagem interessadas apenas nas drogas que consomem, mas conforme os dias passam a parceria é atormentada gradativamente pelo interesse de Paula por um dos funcionários, descendente dos povos explorados na região e que busca um futuro melhor que a mera atração turística. A situação avança a um cenário crítico quando Paula arma um assalto do cofre do apartamento para o garoto e a situação dá errado, e daí White se encarrega de expor hipocrisias de todos os lados.

Chama a atenção nessa hora o grau de comprometimento de “The White Lotus” com a própria fórmula, o qual pode ter a ver com o fato da série ter sido pensada do início como algo possível dentro dos limites impostos pela pandemia. Apesar de um ou outro personagem serem adicionados ao andamento da trama, a produção se mantém firme no propósito de botar em parafuso a lógica daqueles hóspedes e do lento inferno que promovem ao seu redor, recusando convites maiores de embarcar pelo mistério do assassinato que ronda sua narrativa ou qualquer chance de reviravolta que reorganiza a história e seus elementos. Em outras palavras – e aproveitando os exemplos à disposição – seria o mesmo que assistir uma versão de “Parasita” sem a descoberta do subsolo ou de “Succession” no qual Logan Roy aceita feliz o golpe contra sua pessoa.

A narrativa leva ao limite a deterioração de relações e abusos de olho nos padrões de comportamento

Além de contribuir pra narrativa maior de degração, White também se segura a esse jogo porque a sátira em execução é um pouco mais sutil em relação a seus movimentos de aproximação e afastamento. Enquanto o criador nesse momento de fim da primeira temporada não hesitou em deixar claro em entrevistas o seu grau de envolvimento com determinados personagens, a própria série revela esse viés no tom menos grave com o qual trata os hóspedes e seus atos cruéis. Como outras produções de prestígio, a opção de “The White Lotus” aqui é pela complexificação dos personagens ao invés da caricatura, uma jogada que se por um lado o separa dos equívocos de produções como “O Tigre Branco”, também torna mais difuso o exercício da sátira.

A partir daí é muito interessante perceber como o espectador se comporta perante a suscitação de temas em desfile no programa – há um bom artigo de Kyle Turner sobre como a série hesita em dar cabo das relações de poder que expõe, só para ficar no exemplo – mas ao meu ver parte da graça da produção está em justamente atestar a imobilidade dos processos. A premissa de férias nunca fez tanto sentido: embora a tendência a exposição das falas seja um problema no longo prazo (há uma cena de jantar com a família Mossbach cujo diálogo sobre capitalismo soa como um grande vômito de argumentação), a verbalização dos temas proferidos atua também para denotar como a “culpa branca” que permeia os hóspedes é falsa mesmo quando eles a reconhecem. São todos alienados em seus mundos, incapazes de perceber o outro para além dos próprios dramas que vivem – e coitado de quem se envolver minimamente com suas histórias.

Neste ponto, o fato da narrativa tomar o rumo agridoce e não negar a qualquer um dos hóspedes o seu final feliz apenas reforça a tragédia maior dos funcionários. Se o ponto final de “The White Lotus” é de que os verdadeiros protagonistas são os ricos capazes de reservar um quarto no resort, aqueles que os servem estão destinados a ser exatamente aquilo que Armond antecipa no primeiro episódio: rostos intercambiáveis, genéricos em seus desejos e vidas. Coitado do gerente, assassinado após uma série de infernizações da parte de seu hóspede mais desprezível, mas sua história evapora na mesma questão de segundos com que a estagiária grávida ou o funcionário ladrão desaparecem do quadro.

A “culpa branca” que permeia os hóspedes é falsa mesmo quando eles a reconhecem

Essa composição deve dificultar muito os trabalhos de uma nova temporada (imagino que só exista o caminho da paródia mais cruel ao tornar essa minissérie em antologia), mas por agora serve para inverter a miríade de signos do encerramento. A família se conserta, a solteirona encontra um grande amor que a ajuda a vencer o trauma da morte e o casal recém-casado supera uma grande adversidade, mas nenhum desses momentos soa vencido; seja na morte de Armond ou na prisão simbólica de Belinda, White deixa implícito a perversão das jornadas e dos atalhos tomados de maneira voluntária ou involuntária pelos hóspedes, e não há chiste de maldade maior que se perguntar se o menos sofrido para as casualidades é estar ou não presente de algum jeito nessa narrativa.

Nesse sentido, não há mesmo imagem melhor para encerrar a temporada que a de Quinn (Fred Hechinger) fugindo do controle dos pais e embarcando numa viagem de barco com os novos amigos. O paraíso pode ser uma forma de escapismo, mas só para aqueles que tem como pagar por ele.

“The White Lotus” está disponível no HBO Max.

nota do crítico

todo tipo
de conversa
para quem quer
sair do raso
Photo by Prince Akachi on Unsplash

transforme sua marca em conversa
conte com o b9

20 anos de pioneirismo digital

Aqui no B9, a gente adora uma conversa. Mais do que uma paixão, elas viraram o nosso negócio. O B9 já produziu milhares de episódios, canais temáticos, eventos, palestras e campanhas que contam histórias, expandem horizontes e criam conexões autênticas com a audiência. Buscando diferentes pontos de vista e com ideias que nos tiram do raso. Através de oportunidades de mídia, conteúdos originais em podcast e projetos multiplataformas, o B9 também coloca marcas e empresas nessas rodas de conversa. Pra conhecer nossos cases e tudo o que o B9 pode fazer pela sua marca acesse o site:

negocios.b9.com.br
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro
  • Logo de parceiro

Comentários

Sua voz importa aqui no B9! Convidamos você a compartilhar suas opiniões e experiências na seção de comentários abaixo. Antes de mergulhar na conversa, por favor, dê uma olhada nas nossas Regras de Conduta para garantir que nosso espaço continue sendo acolhedor e respeitoso para todos.