Série do “Justiceiro” sofre para conciliar trauma e hiperviolência • B9
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Imagem: Marvel’s The Punisher

Série do “Justiceiro” sofre para conciliar trauma e hiperviolência

Nova produção da parceria Marvel/Netflix se perde na rigidez estrutural de sua própria fórmula

por Pedro Strazza

Ainda que seja a sexta série lançada pela Netflix em parceria com a Marvel em quase três anos, “O Justiceiro” começa sua trajetória um tanto quanto deslocado de suas produções irmãs. Se todos os outros seriados que foram fruto da parceria da gigante do streaming com a editora em quadrinhos comprada pela Disney estavam previstas desde o início do acordo feito em 2013, a produção televisiva centrada na história do ex-militar Frank Castle só foi pensada mais tarde, com o personagem sendo introduzido no ano passado durante a segundo temporada de “Demolidor” e ficando de fora de “Os Defensores”, a série “arrasa-quarteirão” que serviu de grande reunião a todos os heróis introduzidos no canal. A hesitação é compreensível: além de ter uma essência problemática, o anti-herói teve três incursões mal sucedidas no cinema, a primeira estrelada por Dolph Lungdren no fim dos anos 90 e a última em 2008 com Ray Stevenson no papel principal.

Se a princípio essa cautela dos estúdios pode parecer um tanto prejudicial, ela no fim é o que ajuda o seriado a encontrar algum respiro criativo dentro do que já é o modo de produção industrial das produções Marvel/Netflix. Pois mesmo que preserve o arranjo tradicional das outras séries, conservando a abordagem crua e “realista” ao nível das ruas de uma Nova York violenta e tomada pelo crime, a produção comandada por Steve Lightfoot se distancia narrativamente ao optar por abandonar o foco sob comunidades regionais dentro da cidade e investir em um grupo que é caracterizado justo pela ausência de um lar: o dos veteranos militares, de volta das múltiplas guerras empreendidas pelos Estados Unidos no Oriente Médio sem qualquer ideia de como continuar a vida.

Frank Castle (Jon Bernthal) se encontra com Karen Page (Deborah Ann Woll)

Esse ponto de vista, que sem surpresa traz à memória filmes sobre trauma pós-guerra como “O Franco Atirador” de Michael Cimino e o “Guerra ao Terror” de Kathryn Bigelow, funciona na série porque, ao mesmo tempo que se conecta o personagem ao mote “de rua” das produções televisivas Marvel/Netflix, ele também dá um contexto maior à eterna cruzada de Frank Castle (Jon Bernthal) contra os responsáveis pelo assassinato de sua família, preenchendo em teoria um vácuo que reduzia o anti-herói a uma problemática máquina de matança inconsequente. Neste sentido, a primeira temporada oferece um olhar incomum dentro das histórias contadas pela Marvel Studios, pois é das reminiscências dos conflitos e do destino desses homens envolvidos no combate que ela se alimenta tematicamente, seja no eterno drama de Castle para superar a morte da mulher e dos filhos ou nos vários soldados que surgem ao longo da trama como personagens despedaçados no físico ou no emocional.

No fundo, o grande tema de “O Justiceiro” não é o confronto entre vilões e mocinhos, mas sim o como prosseguir depois do fim desse conflito. Em um dos vários momentos que Frank e seu companheiro Micro (Ebon Moss-Bacharach) passam juntos, o vigilante diz ao bode expiatório que fuzileiros “sabem como lidar com decepção”, uma frase dita para justificar uma de suas ações mas que repercute quase como uma falsa verdade repetida por todos os personagens, ao qual insistem em uma condição de normalidade para fugir dos traumas vividos na guerra. Desses, o que mais desperta interesse é Lewis (Daniel Webber), veterano que frequenta as reuniões promovidas por Curtis (Jason R. Moore) e repercute em sua passagem na temporada algumas das frustrações com a administração Obama e o desencanto de parcelas da população responsável por levar Trump à presidência norte-americana.


Se “O Justiceiro” se constrói à partir das consequências dos atos de violência praticados por seus personagens, a solução para superar esse trauma é… mais violência?

São forças da série, porém, que parecem se esvaziar quando a trama precisa conciliar estes elementos com a história de mocinhos e vilões que estabelece ao longo de seus 13 episódios. Se Lightfoot e sua sala de roteiristas se esforçam para criar estofo na trama empregando uma lógica de trauma, essa mesma lógica soa completamente incompatível com a estrutura principal do seriado, que em seus clímax nutre-se da selvageria descomunal de Castle em abater seus múltiplos inimigos. É um ato paradoxal por essência: se “O Justiceiro” se constrói à partir das consequências dos atos de violência praticados por seus personagens, a solução para superar esse trauma é… uma violência ainda maior?

A produção de vez em quando mostra-se consciente dessa contradição fundamental que a rege, mas suas soluções para tentar resolver o problema são rasas. Bom exemplo disso está nos dois episódios dedicados aos atentados terroristas praticados por Lewis, capítulos que em teoria se aprofundam na importante questão das armas nos Estados Unidos: em um momento onde pode-se enfim resolver os problemas de lógica por trás do uso de violência na história e trabalhar um tema difícil, os roteiros escritos por Angela LaManna e Felicia D. Henderson preferem ocultar tudo sob uma bomba de fumaça, multiplicando as hipocrisias sistemáticas de seus personagens (o político antiarmamentista até a página 2, a jornalista com licença de arma, o terrorista sem ideal, o namorado que na verdade quer matar a amada, etc) em ordem de reduzir o debate ao mínimo possível. Tudo se restringe a princípios de debate, ocultados por uma explosão de bomba ou qualquer ferramenta necessária para desviar a atenção e preservar uma imparcialidade qualquer.

A série começa disposta a confrontar temas profundos, mas termina se rendendo a maniqueísmos e situações cartunescas recheadas de hiperviolência

Esse processo, de certa forma, aos poucos atinge todos os núcleos e arcos da série, que começando disposta a confrontar temas profundos termina se rendendo a maniqueísmos e situações cartunescas recheadas de uma hiperviolência executada da maneira mais brutal o possível. Não à toa, a produção parece em alguns momentos ser vítima do inchaço de tramas, graças ao jogo falso que realiza ao flertar com temáticas fortes para criar uma atmosfera mais densa que nunca se traduz em alguma coisa. Quem é pego no tiro cruzado e acaba muitas vezes sem função são os personagens e situações que estão fora do aparato militar, como a família de Micro (as várias cenas com Castle soam como um “Eu, a Patroa e as Crianças” involuntário, tamanha o ridículo) ou toda a trama de intrigas passada no departamento de Segurança Nacional.

A bem da verdade, o grande obstáculo que “O Justiceiro” é incapaz de superar aqui é a própria intransigência de sua estrutura. Enquanto Castle dá headshots sucessivos em tropas inimigas e elimina seus vilões em execuções de mais puro gore (uma ação que deve atender os fãs ardorosos do personagem), vai-se notando a rigidez implacável e o quão danoso a fórmula desenvolvida pela Marvel e a Netflix para esses seriados pode ser a essas obras, restringindo qualquer ambição temática a dinâmicas de confrontamento entre os mocinhos “do povo” e os vilões engravatados e corporativos. Dentro desta lógica pré-estabelecida não há espaço para uma mudança mínima de equilíbrio de tempo entre as duas partes, uma situação que termina por destituir o Justiceiro de qualquer salvação ou humanidade.

nota do crítico

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