Transcrição - Mamilos 112 - Três é demais? • B9
Mamilos (Transcrição)

Transcrição - Mamilos 112 - Três é demais?

Capa - Transcrição - Mamilos 112 - Três é demais?

Jornalismo de peito aberto

Esse programa foi transcrito pela Mamilândia, grupo de transcrição do Mamilos

Transcrição Programa 112

Episódio transcrito por: Carla Rossi de Vargas, Fernanda Cappellesso, Marina Feltran, Aline Bergamo, Bruna Azevedo, Larissa, Cecília Mozzer, Patrícia, Bárbara Vist, Bruno Ginciene e Simone. Revisado por: Carla Rossi de Vargas.

Início da transcrição:

(Bloco 1) 0’ – 4’59”

[Vinheta de abertura]

Este podcast é apresentado por B9.com.br

[Sobe trilha]

[Desce trilha]

Ju: Mamileiros e mamiletes, chegou aquela hora gostosa da gente se encontrar pra conversar e ampliar os nossos horizontes. Esse é o Mamilos, nossa dose semanal de empatia, pra manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo. Eu sou a Ju Wallauer.

Cris: Eu sou a Cris Bartis.

Ju: Passa um café, puxa uma mantinha, se aconchega e vamos conversar.

Cris: E tem beijo! Tem beijo pro Alan, pra Mi e pra pequena Helena, que acaba de nascer, nós amamos receber fotinho da pequena, brigada! Muito fofa!

Ju: Pra Pamela, de Campinas, que tá construindo muitas pontes com o Mamilos.

Cris: Pra Mariana Bordin, que nos mandou muito amor.

Ju: Pra Deb, que pediu um programa sobre direitos humanos – tá no forno!

Cris: Pro nosso romântico utópico Karl Mila.

Ju: E pro Rafael, de Ribeirão Preto.

Cris: Esse programa é feito pela equipe cheirosa do Mamilos. Na edição, Caio Corraini; nas redes sociais, Luanda Gurgel, Guilherme Yano, Luiza e Cleiton; no apoio à pauta, Jaqueline Costa e grande elenco; e na transcrição dos programas, Lu Machado e a Mamilândia.

Ju: Se você ama o Mamilos, contribua pra gente no Patreon pra que a gente continue fazendo programas cada vez melhores.

[Sobe trilha]

[Desce trilha]

Cris: Vamo então pro Fala que eu Discuto? Você pode conversar conosco pelo Twitter, é só seguir lá: @mamilospod. A gente começa com o Anderson: “você vai ouvir um Mamilos achando que terá todas as respostas e sai dele com ainda mais perguntas. Obrigado pela discussão.”

Ju: E o Marcelo disse: “como dependente químico em abstinência há dez anos, agradeço a quem me pôs em internação involuntária na época. Claro que não foi suficiente, mas me poupou de mais autodestruição do que eu já tinha feito. A solução vem de dentro, o problema é se manter vivo até lá, sem destruir tudo e todos à sua volta. Hoje, gostaria de ter me internado nas primeiras crises, onde [quando] eu ainda achava que dava conta e pararia a qualquer hora. Nessa época, não queria parar. Tive que destruir muito da minha carreira, vida social, amorosa, financeira, e prejudicar muita gente à minha volta até bater o estalo de parar. O foda de não internar quem recusa é o ver nesse caminho de destruição, prostituição e risco de morte constante até, quem sabe, um dia ele parar. Nem sempre o cara consegue decidir parar antes de morrer ou causar danos irreparáveis.”

Cris: A Molina disse: “Caramba, Mamilos, me fez chorar no mercado! Põe um aviso aí que o episódio vai ser forte!”

Ju: Você pode falar com a gente também pelo e-mail, no [email protected]. O Ricardo Duarte disse: “Apesar de nunca ter internado um parente, cheguei muito perto disso e pelo mesmo motivo do depoimento do programa. Minha mãe tem transtorno bipolar e lembro ainda hoje do primeiro surto e de como nos sentimos perdidos. É difícil demais entender e separar a pessoa que amamos da doença que ela tem e aceitar que as mudanças têm que ser absorvidas e que o tratamento é pra sempre. Foi reconfortante demais ouvir que outras pessoas vivem isso e que não estou completamente sozinho. Muitas vezes precisamos tomar decisões sem ter certeza de serem as certas e ainda ouvir da pessoa doente que você está abandonando e desistindo dela. A família do doente psiquiátrico sofre e muitas vezes não sabe onde buscar ajuda, sejam grupos de apoio ou ajuda médica em si.”

Cris: Você pode seguir o Mamilos também no ”Facebook”: facebook/mamilospod. Lá, o Ronaldo Moura disse: “Incrível como vocês conseguem tratar a questão no nível micro e macro ao mesmo tempo. Vocês têm o que o sociólogo americano Wright Mills chamou de ‘imaginação sociológica’, que é justamente essa capacidade de fazer conexões entre grandes questões e a vida das pessoas.” Ui!

Ju: O Fagner Coelho disse: “O programa pra mim foi fantástico, uma das melhores obras que já vi sobre o tema! Porém achei que faltou um pouco de opções substitutivas à internação. Concordo totalmente com todos que falaram que é difícil ter alguém em surto em casa e com certeza deve beirar o impossível, mas não dá pra pensarmos na internação pura como única forma de agir nesse surto.
Trabalho em um CAPS 3 e lá tentamos acolher de forma intensiva esses casos fazendo com que o paciente fique conosco durante todo o surto, porém que volte pra sua família assim que estiver melhor. Uma outra questão que faltou ser debatida é que o modelo de internação (sem acompanhamento contínuo) é insuficiente, já que a pessoa quando sai da internação fica sendo acompanhada por um psiquiatra/psicólogo (a cada 1 ou 2 meses) até o próximo surto quando é internada de novo. Buscamos quebrar esse ciclo fazendo com que a pessoa também seja acompanhada diariamente se necessário em um espaço seguro, acompanhada por profissionais e que ela retorne para a família todos os dias.

(Bloco 2) 5’ – 10’08”

Ju: [Lendo o comentário] Nossos resultados têm se mostrado cada vez melhores, chegando a um ponto que em 3 anos de funcionamento, nunca precisamos encaminhar nenhum paciente para internação psiquiátrica. Outro modelo que também é substitutivo à internação é o das residências terapêuticas, que são casas onde moram em torno de 8 pessoas que passaram por internações de longa duração e que não podem mais ser recebidas pelas famílias (seja por dificuldade da família ou por gravidade do rompimento dos laços); essas casas são acompanhadas também por profissionais que auxiliam ao máximo essas pessoas a restabelecer sua autonomia – eles estão livres para andar pela cidade, pagar suas contas, comprar, ir ao cinema, mas a todo tempo estão com profissionais que os auxiliam nesse processo. Essas casas também são acompanhadas pela equipe do CAPS.
Além disso, em casos onde não existe leito no CAPS, é criada uma enfermaria em um hospital geral que é gerida junto com o CAPS, as equipes conversam o tempo todo e tanto a internação ali quanto a alta é feita juntamente com o CAPS.
Outra diferença que tem que ser lembrada é que no CAPS a decisão da permanência do paciente é feita em conjunto com ele e só é tomada pela equipe em questões extremas onde ele está se colocando em risco, e mesmo nessas situações a equipe tem que concordar, dessa forma, a decisão é tomada de forma multidisciplinar e não somente pelo médico.
Casos como o das residências terapêuticas e do acolhimento em hospital geral, já são feitos em cidades como a de Carmo/RJ onde existia o hospital Teixeira Brandão e hoje temos 1 CAPS2 e 32 residências terapêuticas onde são cuidados os ex-residentes do antigo hospital colônia que não tiveram como voltar para suas casas. Já visitei essa cidade e posso dizer que fiquei chocado com a velocidade da melhora dos quadros dos pacientes, pessoas que eram quase que catatônicas agora queriam contar suas histórias de vida e os motivos pelos quais amavam seus times de futebol.
Não sou contra a internação psiquiátrica (se for feita cientificamente, de forma humanizada e individualizada com pensamento somente na melhora do paciente), mas infelizmente esse sistema muito facilmente é usado pra excluir pessoas que são indesejadas. Por isso precisamos sempre pensar em maneiras de regular essa prática e sempre pensar nela como a última possibilidade terapêutica.
Outro ponto que senti falta no programa foi a presença de um profissional não médico, alguém que pudesse falar do cuidado com o sofrimento da pessoa e menos da relação dela com a droga, talvez um psicanalista pudesse falar de forma ainda mais completa do assunto.”
Eu li esse e-mail longo, porque ele é bem sintomático da qualidade dos e-mails que a gente recebe, né. Quando a gente convida os especialistas pra virem até o estúdio, então se deslocarem pra gravar, cederem seu tempo, a gente sempre fala sobre a diferença que eles podem fazer na vida das pessoas; e que a gente tem os melhores ouvintes, a gente se gaba mesmo. Depois a gente faz uma curadoria dos retornos, a gente manda pra eles, e eles sempre ficam encantados, né? A Ana, que tá aqui, que já participou, pode confirmar. Não importa o assunto que a gente aborde, sempre tem pessoas com uma vivência pessoal e especialistas escutando. E é impressionante o quanto vocês expandem a conversa. O trabalho que vocês fazem pra pegar a informação que a gente disponibiliza e usar de forma transformadora nas vidas de vocês. Isso que vocês fazem não cansa de nos impressionar. O trabalho que a gente faz é legal, mas o que vocês fazem a partir dele é sensacional. Muito obrigada por expandir a discussão tanto.

[Sobe trilha]

[Desce trilha]

Cris: Vamos então pro Giro de Notícias? Número 3: ataque à Miriam Leitão. A jornalista Miriam Leitão relatou em sua coluna no Jornal O Globo que sofreu um ataque de violência verbal por parte de delegados do PT dentro do vôo de Brasília ao Rio de Janeiro. Foram duas horas de gritos, xingamentos, palavras de ordem contra ela e à TV Globo. Esse é mais um episódio sintomático e lamentável desse fla-flu que a gente tem vivido no debate político. A política é uma arte de encontro, de diálogo e de compromisso. Nós vivemos juntos, ocupando o mesmo espaço e precisamos um do outro, então é imprescindível que a gente possa debater sem ofender, discordar sem odiar, que é manifestar sem essa violência. Esse mesmo dilema ocorreu recentemente quando um político tava acompanhando a esposa num hospital e também foi agredido, já teve pessoas sendo agredidas perto de filhos, então assim: não é assim que a gente vai chegar ao lugar que a gente poderia e num lugar melhor. Toda a nossa solidariedade e apoio à jornalista.

Ju: Um vídeo mostrando dois homens tatuando a frase “eu sou ladrão e vacilão” na testa de um menino de 17 anos viralizou essa semana e acendeu novamente o debate sobre justiça e tortura no país. Os responsáveis pela tatuagem foram presos, uma vaquinha arrecadou 32 mil pra pagar a remoção da tatuagem, que já foi oferecida pela Prefeitura de São Bernardo do Campo, e tratamento. O jornal El País entrevistou a socióloga Ariadne Natal, que vocês devem lembrar, participou com a gente no debate sobre sistema penitenciário, pra entender o que que causou a comoção e as reações nas redes sociais. Vale muito a pena vocês conferirem essa matéria. Vale a pena também ler o que o Versi, que gravou com a gente o Mamilos sobre Sistema Político, escreveu na Super sobre o episódio. Quando a gente vê pessoas naturalizando uma violência desse tamanho, defendendo que uma mutilação é pena proporcional ao crime de roubo, e mais ainda, que é o nosso papel sermos juízes e executores da sentença, o amargo na boca e a desesperança são quase inevitáveis. O Versi explica por que que essa não deveria ser a nossa leitura, mas que a gente deveria colocar lente de aumento no gesto altruísta que se organiza pra reparar o mal, que isso sim é revelador da nossa natureza. Confiram lá.

(Bloco 3) 10’09 – 14’54”

Cris: Governo e impunidade. Conversamos no Mamilos 109 sobre o cenário para a saída do Temer, essa semana algumas notícias importantes garantiram a manutenção do presidente ao mesmo tempo que aumentaram a preocupação com as manobras pra derrubar o progresso da lava jato. Por quatro a três – o eterno 7×1 – o TSE absolveu a chapa Dilma-Temer do crime de abuso de poder político e econômico. Coube ao presidente do TSE, Gilmar Mendes, desempatar a decisão e garantir Temer na presidência e a elegibilidade para Dilma. Um sobrinho de Napoleão Nunes Maia e um primo de Gilmar Mendes, que votaram pela absolvição de Temer, ganharam novos cargos no governo nessa semana.(Deve ser uma coincidência.) O PSDB após reunião da cúpula, decidiu permanecer na base aliada do governo, garantindo governabilidade ao peemedebista. A decisão do partido tem por trás dois interesses diretos: buscar o apoio dos senadores do PMDB pra manter o mandato do senador Aécio Neves, ameaçado de cassação devido ao processo que responde; e iniciar as negociações para uma coligação em 2018 na corrida pela presidência da república. Enquanto isso, outra linha legal para derrubar Temer se desenrola: o ministro Fachin, relator da Lava Jato no Supremo, autorizou a abertura de inquérito para investigar o presidente, com base nas delações e provas fornecidas pelos donos da JBS. Resta agora ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a decisão de denunciar o presidente, inclusive o mandato do Janot termina dia 17 de setembro, pela tradição ele seria substituído por um candidato escolhido por quem? Pelo presidente, dentro de uma lista com três nomes elaborada pela associação nacional dos procuradores da república, através de uma eleição entre seus associados no final de junho, mas diante de um cenário em que o procurador-geral da República tem um papel fundamental na manutenção do presidente no cargo e nas investigações da Lava Jato, Michel Temer já sinalizou que pode não seguir a tradição.

Ju: Tudo isso essa semana.

Cris: Um resumão aí.

Ju: Assim, cara, não tem como House of Cards acompanhar o passo, gente. [Cris:Tá sem graça.] Tá, tá difícil. [risos] Cara, eu comecei a assistir House of Cards essa semana, eu já dormi em dois episódios. [risos] Porque tá lento, gente. [Cris: Tá lento.] Tá lento, tá enrolado, entendeu?

[todas falam concordando]

Cris: Ai, vamo então pra nossa teta? Vamos falar aqui com duas queridíssimas que vieram nos visitar. Vamo começar por quem já é prata da casa, Ana Canosa, psicóloga clínica, terapeuta e educadora sexual, tem atendimento em seu consultório em São Paulo, – que vive lotado com filas na porta [risos] – ministra aulas em faculdade, assina a coluna ‘Sexo Fácil’ na revista Vip, tem três livros publicados: A metade da laranja; Discutindo Amor, Sexo e Relacionamento; Crescendo na Sexualidade e Madrasta – do conto de fadas para a vida real. É ainda apresentadora do programa de TV como Família Pede Socorro, S.O.S Casamento e Beleza é Louvada, todos no SBT; além do programa Escola para Maridos, na FOX Life. Fora isso, ela veio ao Mamilos, [risos] porque ela é uma querida e atende aos nossos chamados.

Ana Canosa: Com muito prazer, maravilhosas, adoro.[ Cris: Bem vinda novamente, Ana Canosa!] Eu tava com saudade de vocês.

Ju: Você gostou do retornos do último programa?

Ana Canosa: Adorei.[Ju: Não é muito legal?!] Adorei, teve até um que pediu pra casar comigo. [risos] Achei o máximo! Falei “Gente, quem quer casar com Ana Canosa?” Adorei, adorei, foi muito legal.

Cris: Ela esteve conosco no programa de divórcio que foi um su-ces-so.

Ju: Que no final a gente falou demais sobre relacionamento, né?

Ana Canosa: Tudo. Foi ótimo.

Cris: Que a gente é dessas, né? Temos aqui no outro canto do ringue uma pessoa nova pra que a gente possa conhecer. Ju, apresenta ela pra gente.

Ju: Janaína Reis é psicóloga e terapeuta sexual, com mestrado sobre o tema Poliamor, ela é especialista em sexualidade humana e em terapia cognitiva comportamental, colaboradora e pesquisadora no Prosex, programa de estudos em sexualiadade do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Cris: E é linda, né?

Ju: É, linda. Jesus, que dentes perfeitos, que pele maravilhosa e pense num cabelo bem feito, então pronto.

Cris: Uma pessoa um pouco desconcertante.

[risos]

Ju: E uma risada ótima como vocês podem ver, tá. Tudo certo aqui nessa mesa, gente.

(Bloco 4) 14’15” – 19’52”

Cris: Hoje nós vamos conversar sobre todas as formas de amor. Qual é o fato? Ficamos mais tolerantes com o sexo antes do casamento, com o divórcio, com o ateísmo, vegetarianismo, homossexualidade e até com a emancipação da mulher; mas não ouse mexer no sagrado matrimônio. Ficamos mais intolerantes à infidelidade e mesmo com tantas mudanças à nossa volta, relutamos a cogitar como normal algo que não seja a monogamia. Normal é uma palavra cheia de significados e foi usada de maneira errônea na história. A ordenação hierárquica de raças, que levou à escravidão, já foi aceita como normal, assim como a cosmologia geocêntrica. Os fundamentos desses consensos vistos como fenômenos normais perderam sua posição de privilégio após serem alvos de questionamentos. Propomos então uma conversa trazendo uma perspectiva da biologia, da neurociência, da antropologia e da psicologia para ampliar a nossa compreensão sobre a monogamia como norma. Nosso objetivo é promover o crescimento, a introspecção e a honestidade. Nós esperamos que esse programa promova conversas sobre sexualidade humana para que as pessoas possam se concentrar mais nas realidades do que são os seres humanos e um pouco menos nas impostas regras religiosas e culturais sobre o que devemos sentir e como devemos viver. O que indivíduos ou casais irão fazer com essa informação, se alguma coisa, depende deles. Abra o coração e vamos falar sobre todas as formas de amor.

Ju: Sempre haverá o desejo por terceiros de ambas as partes. De maneira simplista, podemos apenas afirmar que esse desejo é uma manifestação instintiva, ou seja, dos nossos antepassados, em prol da proliferação da espécie. É bom pra variabilidade genética. Dentre os organismos de uma mesma espécie existe diversidade e algumas pequenas diferenças podem favorecer a sobrevivência de alguns. Algumas dessas características são hereditárias e podem ser passadas adiante. Mesmo milhões de anos após sairmos das cavernas e nos tornarmos seres sociais, alguns instintos parecem falar alto. Vamos ouvir o que o nosso biólogo favorito tem a dizer a esse respeito.

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Átila: Oi, Cris! Oi, Ju! Mamiletes, mamileiros! Aqui é o Átila, biólogo, pesquisador e voltando para essa casa fora de casa que é o Mamilos. Sempre bom estar por aqui. Hoje para palpitar um pouco se relacionamentos monogâmicos são naturais. Se eles fazem todo sentido biológico, né. E longe de mim querer justificar ou dizer que qualquer coisa aí é natural ou não é, e por isso a gente devia fazer ou não. Acho que a gente tem discernimento suficiente para pensar a respeito disso e entender o respeito ao próximo, independente de se isso é o mais natural ou não, fica pra cada um a sua escolha. Mas, o comportamento biológico pode ser essa cerejinha no bolo de como a gente se comporta. Vou dizer já que monogamia não acontece quase nunca, mesmo na natureza. Tá… aqueles casais que a gente vê de aves que o macho e a fêmea ficam juntos por 20 anos, sempre se encontram no mesmo ninho, acasalam, são, realmente, pares fiéis e que duram bastante tempo. Mas quando a gente vai fazer o teste de DNA até nos ovos do ninho para ver de onde vieram os filhotes: dez, vinte e até quarenta por cento dos filhotes, dependendo da espécie de aves – a gente tá falando de mariquita, caturrita, que são várias espécies aí tidas como monogâmicas – quando a gente vai ver, vinte, trinta, quarenta por cento dos filhotes vieram de um outro pai que não é o pai que está fazendo ninho e ali com a fêmea. Quer dizer, no mínimo um macho pulou a cerca e uma fêmea pulou a cerca e manteve o relacionamento um pouco mais aberto aí. Isso nas espécies que formam casais duradouros, que a gente define como espécies monogâmicas. Sem falar nas outras que os relacionamentos são muito mais fluídos. Então, relacionamento estritamente monogâmico e fiel é uma coisa que a gente praticamente desconhece na natureza. Sempre vai ter um pouquinho ali de traição de quem tá julgando aquele macho um pouco melhor do que o macho com quem formou casal ou aquela fêmea um pouco mais atraente do que a fêmea com quem formou o casal. Sobre a propensão biológica pra trair, ela faz bem para os dois sexos se a gente for pensar no termo biológico-evolutivo da coisa. Quer dizer, quando a gente forma um casal, não necessariamente o parceiro, ou a parceira são os melhores parceiros para as fêmeas que vão ficar aí, na nossa espécie, nove meses gestando uma criança – é um investimento enorme de tempo, carinho e cuidado – é muito bom que essa criança seja a criança com os melhores genes que você pode conseguir para ser uma criança saudável que vai consumir esse investimento todo. Então as fêmeas têm que escolher muito bem, não só na nossa espécie, não necessariamente tão passivamente, qual vai ser o macho que vai prover esses genes e às vezes o melhor macho não é aquele que estava disponível para um relacionamento, mas ele aparece depois e um pouquinho menos disponível, mas aparece por ali e é o mais interessante. A mesma coisa para os machos: às vezes ele vai tentar a melhor fêmea; a que ele encontrou era a melhor que ele podia, mas de repente tem outras e ele pode ter outros relacionamentos e passar os genes mais adiante. É cruel, é triste, é feio falar desse jeito biológico, mas a evolução funciona e até hoje a gente passou os genes dessa forma. É o que acontece sempre, ou pelo menos é o que tem acontecido até então. O que não quer dizer que a gente tenha que seguir isso também, afinal, ao contrário da grande maioria das outras espécies a gente também tem uma outra característica que é: empatia. A gente tem a capacidade de se colocar no lugar do outro e entender como o outro se sente e entender que, de repente, se a gente não se sente à vontade com o parceiro ou a parceira tendo um outro relacionamento, a gente não devia fazer o mesmo. Ou se a gente se sente e tá de bem com isso, que ele também se sinta e esteja de acordo e faça isso. Mas já adianto, se for pra contar com a vocação biológica que a gente tem para a monogamia, é um telhado de vidro que não vale à pena por muito peso, não.

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(Bloco 5) 19’52” – 24’52”

Cris: Agora vamos entender um pouquinho o papel do cérebro nesse processo. De acordo com especialistas, fomos nos tornamos monogâmicos quando aprendemos a colocar na balança as perdas e ganhos de acordo com as condições ambientais e sociais. Nosso córtex frontal do cérebro é o responsável por tomada de decisões. Ele que nos faz projetar o futuro e prever consequências para nossas ações. Se fôssemos fazer uma analogia, o diabinho na nossa mente é o desejo, que não se importa com o certo e o errado, e o anjinho é o córtex frontal. A paixão e o amor têm naturezas e finalidades diferentes. A primeira é ligada ao desejo, instintos primitivos como comer e dormir. E a segunda tem a ver com afeto e a criação de laços íntimos. Vamos ouvir o que o nosso neurocientista preferido, Pedro Calabrez, tem a dizer.

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Pedro: Olá, Cris! Olá, Ju! Olá, convidados e ouvintes! Vamos mergulhar aí nessa questão da traição que é muito interessante. Eu vou inclusive fazer um pequeno experimento com os nossos ouvintes. Imagine a seguinte situação, e nós vamos chamá-la de situação um. Você namora ou é casado. Você descobre que o mozão foi pra balada. Encontrou uma pessoa que achou extremamente atraente e eles se pegaram freneticamente. Com beijos tórridos e mãos passando por todos os lugares. Tudo isso sem nem perguntar o nome um do outro. E depois, cada um foi embora e nem trocaram telefone, contato, nada disso. Agora vamos imaginar uma segunda situação. Nós vamos chamá-la de situação dois. Você namora ou é casado. Você descobre que o mozão conheceu uma pessoa e que eles passaram a noite conversando. Foi uma conversa profunda, muito íntima e eles perceberam uma conexão emocional fortíssima entre eles. Em certo momento da noite, um segurou a mão do outro. Mozão ficou enfeitiçado, encantado, olhando nos olhos dessa pessoa. Eles trocaram segredos muito íntimos e confessaram um ao outro que há muito tempo eles não sentiam uma conexão emocional tão forte. Eles não chegaram a se beijar, mas mesmo depois de se despedirem, eles não conseguiram parar de pensar um no outro. Pois bem, agora eu pergunto a vocês que estão me ouvindo: qual situação é pior? Eu sei que as duas são complicadas, mas qual é pior? Se você tivesse que escolher a menos pior, qual seria? E curiosamente os estudos mostram que homens tendem a achar a situação um pior e mulheres tendem a achar a situação dois pior. É claro que você pode virar pra mim e falar que isso é cultural e certamente há influências culturais nisso, sem sombra de dúvida. Mas o psicólogo evolucionista David Buss realizou esse estudo com milhares de pessoas em mais de vinte sociedades diferentes, desde pequenas tribos da Polinésia até grandes metrópoles, oriente, ocidente, por aí vai. E os resultados foram semelhantes independentemente das sociedades avaliadas. Aparentemente, e essa é a conclusão desses estudos, o ciúme feminino é mais afetivo, mais emocional, mais sentimental, e o ciúme masculino é mais carnal. A principal explicação para isso na literatura científica é evolutiva. Nós devemos lembrar que a evolução significa passar os genes para frente. Genes se replicando: essa é a grande regra, a regra maior da evolução. E para você passar os seus genes para frente, você precisa em primeiro lugar garantir que o filho seja seu. Afinal, se você cuidar do filho de outro, você estará fazendo um baita favor para os genes do outro. Sendo assim, para as mulheres isso é muito fácil. Afinal, a mulher sempre sabe que o filho é dela. Mas para o homem isso é complicado. E o teste de paternidade do Ratinho tá aí para provar isso. Então, como o homem pode aumentar… eis a pergunta, né: como o homem pode aumentar a probabilidade de que o filho seja realmente dele? Ora, a resposta aparentemente é: garantindo que a mulher não tenha relações carnais com nenhum outro homem. Eis então a raiz do ciúme carnal masculino, segundo os cientistas, segundo os psicólogos evolucionistas responsáveis por esses estudos. Mas, percebam que custo da procriação, o custo de ter um filho é maior para a mulher do que para o homem. A mulher pode procriar apenas uma vez a cada nove meses. E se quiser que os seus genes sigam em frente com sucesso, ela deve cuidar do filho por anos, logo é importante para ela garantir que o pai ajude nesse processo. Que ele esteja disponível emocionalmente, disposto a se dedicar ao filho em termos de energia e recursos. Ou seja, se o homem começa a se engajar emocionalmente com outra mulher, isso é muito ameaçador. Eis aí a raiz do ciúme afetivo das mulheres, novamente, segundo os cientistas, segundo os psicólogos evolucionistas responsáveis por esses estudos. Enfim, nós podemos lutar contra as nossas inclinações biológicas. Do contrário, não haveria dieta e nem voto de castidade. Mas quem faz dieta e quem faz voto de castidade sabe muito bem como é difícil. Além disso, existem exceções ao que acontece na maioria das vezes em biologia.

(Bloco 6) 24’52” – 29’54”

Pedro: Nós vemos claramente que o ser humano é capaz, através da evolução social e cultural, de criar formas de viver que não só ignoram pressupostos evolucionista biológicos, mas abertamente lutam contra tais pressupostos. Toda vez que você faz sexo utilizando um método contraceptivo, é você mostrando um belo dedo do meio para o processo evolutivo. É você aproveitando o prazer sem colocar nele o imperativo biológico da reprodução dos genes. Formas sociais novas são possíveis, são prováveis e, aliás, frequentemente são necessárias à felicidade de muita gente. A adoção, por exemplo, é uma prática cada vez mais comum hoje em dia e ela vai diretamente contra esses imperativos evolucionistas. A homossexualidade existe em uma série de espécies, milhares de espécies, inclusive o ser humano. Há outras formas de relacionamento que vão além do casal monogâmico, mesmo o monogâmico serial, tais como poliamor, poliandria e por aí vai. Enfim, tudo isso mostra que falar de monogamia não é simples. A gente tem que considerar inclinações biológicas, é claro. A gente tem que considerar a evolução da nossa espécie, mas há que se considerar também a evolução social e cultural dos seres humanos. Não existe resposta fechada e simples. E eu espero que tudo isso que eu disse até agora tenha servido para entendermos a complexidade da coisa. Mas para terminar, vamos falar do amor, sentimento tão importante para o ser humano. Como diz o filósofo francês André Comte-Sponville: o amor é o tema mais interessante. Do ponto de vista científico, o amor não é uma coisa só. Ele se divide em diferentes fases e a primeira fase nós denominamos paixão ou então amor apaixonado. Essa é uma fase de alta intensidade e curta duração. Curiosamente, ela tem fortes características de demência, estresse, obsessão e compulsão. Mas também tem fortes características de recompensa, ou seja, de motivação e prazer. Vamos resumir isso de uma forma mais… mais clara. Quando nós estamos apaixonados, nós temos uma maior ativação em estruturas cerebrais chamadas vias mesolímbicas dopaminérgicas. Essas estruturas estão associadas, entre muitas coisas, à experiência de recompensa, ou seja, motivação e prazer. Então, quando nós estamos apaixonados, nós ficamos hiper-motivados: nós temos mais energia e disposição pras coisas. A paixão também tem característica de estresse: quando você fica perto da pessoa pela qual você está apaixonado, você tipicamente fica ansioso. Nós também ficamos obsessivos durante a paixão. Ideias da pessoa invadem a nossa cabeça a todo momento, mesmo contra a nossa vontade. Nós ficamos também compulsivos. Quando nós estamos apaixonados, não há um limite de tempo para ficar junto da pessoa. Nós queremos mais e mais, sempre mais. E além disso, durante a paixão, ocorre uma inibição de estruturas do cérebro que nós chamamos de pré-frontais. E essas estruturas são responsáveis, entre muitas coisas, por nos ajudar a ponderar o futuro, a pensar sobre as consequências das nossas ações amanhã e também de frear os nossos impulsos emocionais, frear os nossos desejos. E com essas estruturas inibidas nós ficamos meio dementes. Nós tomamos decisões péssimas quando estamos apaixonados, tipo, tatuar o nome da namorada na nádega esquerda. Ficar bêbado curiosamente e ficar apaixonado são coisas muito parecidas, né. O álcool também inibe as estruturas frontais do cérebro. Mas existe uma última característica da paixão: ela é passageira. Dura, segundo os estudos, até doze a vinte e quatro meses e perceba que esse é o tempo de você copular e procriar. Depois disso, a prioridade é outra, né: cuidar da prole. E é isso que sugerem as análises evolucionistas desses dados. Quando nós estamos apaixonados, os sintomas de obsessão e compulsão fazem frequentemente com que nós tenhamos uma ideia fixa da pessoa. Parece que a pessoa é única, que só existe ela no mundo. Ser monogâmico durante a paixão é muito fácil, nós somos muito inclinados a isso, nós estamos muito propensos a isso devido à toda uma arquitetura neurofisiológica. Então, ser atencioso e dedicado durante a paixão é fácil, é quase que automático. Mas a paixão acaba, e aí? Aí a relação pode continuar, não é sempre que acontece, mas ela pode continuar para aquilo que nós chamamos de amor companheiro, onde toda a intensidade anterior vai embora e agora a relação se torna um esforço. Eu não tô usando a palavra esforço no sentido negativo. Significa que a atenção e a dedicação, elas exigem esforço, elas exigem uma postura mais ativa, elas demandam um investimento nosso. Então, em outras palavras, a relação passa a ser uma construção e conforme o tempo passa, os laços de companheirismo e comprometimento se tornam cada vez mais fortes, criando um sentimento muito poderoso de segurança e apego entre as pessoas que estão juntas há bastante tempo. Os estudos mostram que pessoas casadas em casamentos felizes costumam viver mais. Vivem mais anos em média e têm uma melhor saúde de maneira geral, incluindo saúde cardiovascular e saúde mental…

(Bloco 7) 29’55” – 36’05”

Pedro: Então, como mensagem final, eu gostaria de deixar essa idéia: relações não são fáceis! Ficar apaixonado é muito gostoso. Eu tô falando aqui da paixão correspondida, né. Porque se a gente for falar da dor do coração partido, então vai ter todo um outro… um outro podcast a esse respeito. Mas, ficar apaixonado é muito gostoso e durante a paixão, a dedicação é fácil, ela é automática. Mas quando a paixão passa, a relação passa a ser uma construção onde o que importa é a consistência, é a dedicação diária, é o esforço para manter a admiração, a gratidão, o carinho. E é por isso que tanta gente desiste quando a paixão acaba. Muito obrigado aí por me ouvirem! Um abraço a todos! Faço um jabá rapidinho aqui: peço ao pessoal para conhecer o nosso canal no youtube, o canal Neurovox. Ou então, coloca meu nome: Pedro Calabrez. Muitos vídeos aí. Pelo menos tentamos toda semana postar vídeos a respeito dessas relações entre mente, cérebro e comportamento. Obviamente tudo que eu falei aqui foi um resumo rápido. Tudo é muito mais complexo do que eu falei. Eu tentei simplificar nos termos aí mais tranquilos para que a gente conseguisse fazer esse diálogo. Espero que essas idéias possam apimentar o debate de vocês. Forte abraço a todos e muito obrigado!

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Ju: O sobreviver já não era a principal questão e os homens foram criando questões sociais para se organizarem. A moral sobreveio à sobrevivência e mais acima dela o poder. A partir do desenvolvimento da agricultura, o estilo de vida mudou completamente. Surgiu a propriedade privada e o acúmulo de poder. Isso alterou também como as pessoas se comportavam e a monogamia veio como resultado disso. A família patrilinear e o casamento monogâmico foi a forma de organização encontrada que definia claramente uma maneira de perpetuar a propriedade através da herança. Vamos ouvir o que o antropólogo Wecisley Ribeiro nos conta sobre esse assunto.

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Wecisley: Bom, pra gente pensar de um ponto de vista antropológico por que a monogamia é uma construção social, talvez fosse mais interessante a gente iniciar perguntando o quê, no contexto das relações humanas, não é uma construção social. O quê, no contexto da vida humana, não é mediado por esquemas conceituais, formas de classificação, formas de produção de distinção entre grupos, ou de identificação no interior de grupos, né. Em outras palavras, de uma maneira geral, sistemas de classificação do mundo, né. O quê, no contexto das relações humanas, não passa pela mediação desses sistemas de classificação simbólicos, né. Um desdobramento interessante dessa linha, dessa vertente da antropologia, né, é a possibilidade de pensar a articulação entre sistemas econômicos, sociais, políticos e sistemas de matrimônio, né. É… a poliandria adélfica, por exemplo, em que um grupo de irmãos, né, desposa uma mesma mulher, ela frequentemente é encontrada em sociedades com índice de escassez material relativamente alto, em que é preciso reunir um grupo de familiares para dar conta das questões de manutenção material da família, né. De maneira geral, grupos poligâmicos, né, sistemas de matrimônio poligâmico são encontrados em sociedades em que se registra sistemas de posse coletiva dos bens materiais, né. Por outro lado, a gente… é bastante conhecido o fato de que a monogamia é a expressão afetiva, matrimonial da economia política liberal. Quer dizer, a ideia de um indivíduo dotado de autonomia, isolado de uma… uma vontade isolada das demais decisões sociais, em que o torna, portanto, esse indivíduo soberano nas suas decisões sobre a posse individual dos bens materiais. Há frequentemente na antropologia, uma relação de homologia, de equivalência, né, ou, enfim, uma tentativa de pensar de maneira articulada a posse de bens materiais e os sistemas de articulação entre pessoas, né. O sistema de… O Marcel Mauss, é, inaugurou com o “Ensaio sobre a Dádiva” uma linha de investigação sobre o que depois mais tarde a antropóloga feminista Marilyn Strathern chama de pessoa distribuída. Quer dizer, quando você oferece um presente, você oferece parte de você e produz com isso o vínculo social. No nosso caso, foi preciso um investimento longo, né, e um investimento constante para conseguir, né, produzir a manutenção da ideia de indivíduo autônomo e de posse individual dos bens materiais e posse individual das pessoas no contexto das relações conjugais. Eu provocaria dizendo que, nesse sentido, indagar por que a monogamia é uma construção social é menos profícuo do que pensar processos contínuos permanentes de construção social da monogamia. Quer dizer, não é possível que essa construção seja dada de uma vez por todas para sempre, né, quer dizer, é mediante o investimento contínuo da manutenção de uma leitura do mundo, de uma concepção de posse de pessoas e de coisas é que se pode fazer a manutenção desse tipo de sistema, de aliança matrimonial, num contexto em que os estímulos afetivos, os estímulos… mesmo os estímulos estéticos são múltiplos, né. Quer dizer, não seria possível manter esse sistema e, de fato, ele vem ruindo, senão mediante o investimento contínuo. Então, talvez seja mais interessante a gente indagar sobre processos contínuos de produção social da monogamia do que a sua forma singularizada, né. Até porque a monogamia é uma produção social. Finalmente, um outro desdobramento interessante dessa linha interpretativa inaugurada pelo Levi Strauss é a comparação entre o que se poderia chamar, com muitas aspas, de troca de pessoas em contexto de relações belicosas, né, ou seja, a escravidão e o seu inverso simétrico, né, ou seja, a troca de pessoas, enfatizando as aspas, com fins de produzir a paz, né. Quer dizer, isso, em outras palavras, intercasamentos que produzem vínculos entre clãs antes que mantinham relações de animosidade, né… intercasamento entre tribos, intercasamento entre grupos sociais, né, como forma de produção de vínculo social, de coesão social, de família extensa, de ampliação das esferas de relações desses grupos. Esse desdobramento é muito interessante, porque nos permite pensar que no fundo, mesmo no ocidente, né, que concebe essa noção, enfim, essa invenção da noção de amor individual na Idade Moderna, e portanto também associada àquela concepção de estética kantiana como separada da vida cotidiana, separada de preocupações de ordem prática, de eficácia. Quer dizer, essa concepção, ela não é assim tão diferente, quer dizer, nas suas implicações práticas, ela não é tão diferente, porque no fundo, talvez um outro aspecto que é mais geral, tem uma regularidade, uma outra forma de casamento que tem muito maior regularidade na historiografia e na etnografia, pra além da monogamia ou da poligamia é o que os antropólogos chamam de endogamia.

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(Bloco 8) 36’06” – 39’29”

Cris: Mas então entra a pergunta: Será que a monogamia valoriza mais o amor? Como as outras formas de relacionamento diferentes do amor monogâmico não são socialmente aceitas, a maioria das pessoas passa a vida inteira acreditando que uma relação é aquela coisa pré-definida. Entendem que é obrigação natural delas tentar se encaixar nesse padrão. Infidelidade e frustração são situações facilmente identificadas nesse processo. Mas existe algo além de trapaça e monogamia? Existe uma terceira via que são relações éticas de parceiros múltiplos, sexo seguro no contexto de relacionamentos de parceiros múltiplos, ou seria a monogamia o formato que mais valoriza o amor? Vamo falar um pouquinho disso? Começa com a gente, Ana, qual é a sua visão?

Ana Canosa: Teoricamente, a ideia da maneira como nós aprendemos o que é amor na conjugalidade, a monogamia valorizaria o amor. Por que eu falo teoricamente? Porque se você tem uma proposta de afeto e de vivência e de felicidade na conjugalidade, ou seja, na companhia com outra pessoa, nessa aliança relacional, o outro é aquele que eu olho e faz uma referência a mim, né? Afinal de contas, né, a psicanálise sempre diz isso, né: “Nós não somos ninguém sem o outro.” A gente aprende a ser alguém a partir do outro; alguém olha pra gente e diz: “Ai, que bonitinho que você é. Que pequenininho.” Então você vai fazendo essa referência, esse espelhamento desde a infância nessa identidade. E a gente aprende que o amor, né, na conjugalidade, faria essa referência a nós como objeto de desejo, como objeto de partilha, como objeto de companheirismo, como uma pessoa mais importante do que qualquer outra na vida daquele indivíduo. Então se você pensar o amor nesta ideia de conjugalidade, a monogamia reforçaria esse tipo de amor, mas quando a gente pensa no amor de outra maneira, né, que você não precisa ser a única desejada ou você não precisa ser o único afeto daquele indivíduo, aí a gente pode dizer que a monogamia, não necessariamente, reforça o amor. Então a pergunta que eu faria é: “Que tipo de amor a monogamia reforça?”

Ju: É, eu acho que essa pergunta é mais rica, porque a gente vai pensar assim, eu acho que essa discussão da não monogamia, que faz muito bem para a monogamia, inclusive, porque quando você questiona que tipo de amor é esse que a monogamia reforça, você pensa se você quer esse tipo de amor. [Ana Canosa: Exatamente.] Porque eu vejo muita gente que fala assim: “Nãão. Sei lá, relacionamento não monogâmico: legal, mas não é pra mim.” Não é pra mim, por quê? O que que te faz pensar nisso? Aí o que a pessoa começa a responder, faz ela refletir sobre o que que ela que tá procurando com a monogamia, então ela fala assim: “Não, porque se a pessoa que eu estou ficasse com outra pessoa, ela ia me deixar.” Aí eu penso, vem comigo!

[risos]

Cris: Vamo lá!

Ana Canosa: Segura na minha mão e vem!

[risos]

Ju: Isso. Vamo aprofundar nesse raciocínio aí!

Ana Canosa: É isso aí.

Ju: Então você tá me dizendo que na verdade você acha que o seu marido tá num péssimo negócio, ele não tá fazendo um bom negócio. Ele só não tá saindo porque ele não sabe que teria outras opções. Você tá me falando pra ele que se ele simplesmente experimentasse qualquer outra coisa, ele sairia correndo, porque ele só tá com você porque ele não pode ter outra experiência. Ele já se comprometeu; então, ele, coitado, perdeu. Agora já era. A minha mulher casou comigo, agora já que ela não pode ter nenhum outro, agora ela vai ter que fazer dar certo comigo mesmo.

Ana Canosa: Deixa de ser uma escolha e vira falta de escolha.

(Bloco 9) 39’30” – 45’14”

Ju: É, bom, aí é esse amor que você quer? “Ai, não. Péra, não era isso. Deixa refazer a minha pergunta. Não é por isso. É porque se a pessoa que eu amo ficasse com outras pessoas, eu teria muito ciúme.” [ Ana Canosa: Aham.] Por que você teria muito ciúme? Por que você teria muito ciúme? Assim, é muito interessante, eu nunca tinha pensado a quantidade de coisas que a gente pode ver sobre a gente mesmo – independente da outra pessoa e da relação – quando você para pra analisar o que te deixa com ciúme, por que que você fica com ciúme e o que que você faz em relação a quando você fica com ciúme. Então eu acho que é muito interessante justamente questionar isso.

Ana Canosa: As pessoas não pensam muito, né? [Ju: Não. Eu sinto, logo: parou.] Exatamente, eu sinto, logo: parou. É isso mesmo. E aí, o que faz você manter a conjugalidade de estar numa relação é muito diferente e isso muda ao longo da sua relação e ao longo da sua vida. O que você pensa aos vinte anos é muito diferente do que você pensa aos 50, aos 60. O que você deseja como pilar central de uma relação muitas vezes na juventude eu acho que você deseja tudo, tem uma ideia de completude também, quer dizer, aquele indivíduo vai dar tudo o que eu quero numa pessoa, e é muita pressão. Hoje em dia o parceiro tem que ser bom de cama, né, não pode ser ciumento, tem que ter autonomia financeira, autonomia emocional, tem que gostar das mesmas coisas que eu, ter afinidade, fazer as mesmas coisas, perguntar como é que foi meu dia… gente, é muita coisa pra um ser humano só!

Cris: É muita coisa. E aí eu acho que a gente começa a questionar o que que é o centro da monogamia. Que é o questionamento que a gente levanta e eu queria que você falasse um pouco sobre isso, Jana. Quando as pessoas encaram esse formato de relacionamento o que que elas entendem como pilar?

Janaína: Antes de qualquer coisa, né gente, brigada pelo convite, é um prazer enorme tá participando, ainda mais falando desse assunto com vocês queridíssimas. Então, na verdade o que eu percebia desde o meu trabalho no consultório, no hospital e estruturando todo o projeto é que as pessoas não questionam a monogamia de fato, né, elas engolem. Então assim, nós somos ensinados, nossa sociedade ocidental é monogâmica, então ninguém para pra pensar “será que eu deveria ou não ser monogâmico?”. [Ju: “Quero ser? É o melhor pra mim?”] “É o melhor pra mim? Eu me encaixo nisso?” E na verdade o que eu acabei percebendo ou descobrindo pelo menos com essas pessoas que eu entrevistei, que tão no meu consultório é que elas não se encaixavam. Então elas se descobriram não monogâmicas porque elas não se encaixavam nessa relação. Então assim, a questão vem depois, é o não se encaixar que faz você levantar esse questionamento. Porque se não a gente vai simplesmente engolindo e vai vivendo da monogamia como se fosse o único padrão possível pra se viver.

Ju: E eu acho uma coisa interessante disso que você colocou é que o fato de não ter um questionamento a priori, não ser uma decisão que você faz, é simplesmente como tem que ser, estabelece uma meta, um padrão-ouro muito alto. Porque não é que você tem que ser monogâmico por um ano, que eu acho que talvez seria uma missão que, “beleza, a gente vai dar conta aqui, suave…” [RIsos] Mas é o seguinte, você tem que ser monogâmico por sessenta anos! [Janaína: Até que a morte os separe.] [Cris: Aí cê torce pra morrer logo… ] É, daí eu fico pensando o quanto isso não é você colocar uma missão que tá fadada ao fracasso para obrigar as pessoas a mentir. Então, o que acontece? Eu já fui religiosa. Quando eu saí da igreja e na desconstrução do meu pensamento religioso uma coisa que ficou muito forte pra mim foi assim: a lógica é você colocar uma regra tão impossível de cumprir que a pessoa sempre vai tá mentindo pra ela mesma, ela vai tá sempre atrás, ela vai tá sempre buscando, ela nunca vai tá… e aí você domina pela culpa. Isso é cruel. Quando a lógica em si é perversa, quando a lógica faz você mentir pra você mesmo, aí pra mim não funciona. E pra mim, a monogamia como acerto básico, padrão e única forma tem muito dessa característica perversa, porque vai fazer as pessoas mentirem. Você não mentiria, você conseguiria lidar com isso de uma maneira melhor ou pior, você encontraria um acerto que seria pelo menos honesto. Mas o fato de ser o único modelo vigente que se você não fizer isso você não ama a pessoa, se você não sacrificar sei lá, as dúvidas que você tiver, os desejos que você tiver, os descompassos que você tiver, se você não colocar toda a sua frustração e sacrificar no altar do amor, então você não ama o suficiente. [Janaína: É isso mesmo.] Então esse único modelo torna a gente mentiroso. Sacou? Força as pessoas pra mentir. [Cris: Ou um frustrado eterno.]

Ana Canosa: E a Jana deve também como psicóloga sentir isso no consultório: assim, pra mim, os casos de infidelidade conjugal mais dolorosos, daqueles que eu tenho vontade de – porque eu às vezes chego nos meus pacientes, eles chegam lá e contam uma história, eu só olho e falo assim: “Puta que o pariu, hein! [Risos] Cara, o que que nós vamos fazer?” Que é pra dizer assim: “gente, dói em mim, né”. É justamente quando você tem uma pessoa que tá casada ou tá namorando, enfim, tem uma relação boa, um padrão gostoso, uma história e de repente por questões de circunstância – eu chamo de circunstância o quê? Você tem lá um colega de trabalho, um colega de hobby, alguém que você conheceu por uma razão X que você tem uma convivência, que você descobre afinidades e essa afinidade começa a aumentar e isso vira uma amizade próxima e íntima que vira tesão e vira amor. Então é uma infidelidade circunstancial, a pessoa não foi ali e falou: “vou arrumar um amante” ou: “eu vou ali só pra transar”. É uma coisa circunstancial que tem muitas chances de virar amor. E aí a pessoa olha pro seu casamento e fala assim: “Cara, o que que eu tenho que fazer? Eu tenho que escolher.”

(Bloco 10) 45’15” – 49’59”

Janaína: Acho que essa é a parte mais cruel.

Ana Canosa: E ela se obriga a escolher um amor. Isso é o mais duro que a gente pode ter em dualidades amorosas e infidelidade conjugal. Eu ter que renunciar um amor construído por um outro amor que me apareceu e eu não fui atrás, simplesmente aconteceu na minha vida. É muita dor, porque a pessoa… E aí isso atrapalha muito a convivência conjugal deste primeiro relacionamento porque a pessoa chega em casa, ela olha o parceiro e fica assim… Ela não tem como não comparar. Ela tá vivendo mais apaixonada por esse novo parceiro porque, obviamente, [Ju: É o início] é o início. Então ela não tem como comparar e ela chega em casa e ela fica tentando buscar aquele tesão. [Ju: Sinais.] Os sinais, porque ela tem que escolher. E aí ela vai descobrir, ela vai pensar nas características negativas do parceiro pra poder escolher pelo outro e vira uma loucura, uma insanidade, que a última coisa que a pessoa consegue viver de fato é o prazer desses amores. É muito difícil.

Cris: Até porque ela lida com a própria culpa de tá sentindo aquilo, né. [Ana Canosa: Exatamente.] A partir do momento que você falou lá o: “Sim, tamo junto” a gente tende a achar que desligou um botãozinho do radar ali, que não vai acontecer mais, mas não é verdade. É circunstancial. Se é uma pessoa, convive com muita gente, tá sempre exposta, invariavelmente pode acontecer. [Ana Canosa: Claro.] E aí não adianta, muita gente fala assim: “Ah, mas eu não me exponho a esse perigo.” Eu acho que é muito difícil de não acontecer ao longo de muitos anos. Sabe? [Ana Canosa: Eu também acho.] Pode não acontecer muitas vezes. Mas nunca acontecer é realmente muito difícil.

Ana Canosa: Também acho.

Ju: Sabe o que que eu acho também complicado, assim, que é uma questão de lógica né. Você tá por 50 anos aí, ou é isso ou não é. E aí não vai ter descompasso? Descompasso sexual, entendeu? Então assim, na monogamia, falar que a monogamia é o único jeito possível, aceitável em que existe amor é você dizer que todo e qualquer descompasso ele necessariamente precisa ser resolvido com frustração. [Ana Canosa: Exatamente. Uhum.] Então se eu tô numa fase em que eu estou preocupada com a minha mãe, eu estou preocupada com minhas… sei lá, com meu trabalho, estou com auto estima baixa por nπ [n-pi] motivos, eu estou trabalhando demais, eu estou nhem… O meu marido necessariamente não pode querer sexo. E se ele quiser ele vai ter que ficar frustrado ou eu vou ter que viver sempre com medo do que pode acontecer porque existe uma sanção social pro caso de eu não estar com vontade de ter sexo [Ana Canosa: Uhum.] porque meu marido ele tem que se sacrificar no altar do amor ali, e ele não pode ter… Então assim, não existe. Você obriga casais que, óbvio, todos vão passar por esses momentos de descompasso, a necessariamente só ter uma resposta: a frustração.

Janaina: Eu acho, eu acho que assim, o que me chamou mais atenção, o que me fez me apaixonar pela questão do poliamor, por exemplo, é o fato justamente de ser consensual. [Ana Canosa: Uhum.] Então assim, são três, quatro, sei lá quantos adultos juntos porque querem de uma forma honesta, de uma forma sincera. E na verdade, assim, é até interessante pensar por que que a pessoas estão tão preocupadas com o que está acontecendo com a vida dos outros, né. Porque existe um preconceito muito grande em relação a esse tipo de relacionamento. Mas, assim, se você for pensar: então olha eles tão bem, são pessoas que resolveram viver essa relação. Geralmente são pessoas que tipo não se encaixaram em relações monogâmicas. Tentaram, às vezes a vida inteira foram casados, enfim. E acabaram se apaixonando por outra pessoa e fazendo a escolha de manter um relacionamento até que em dado momento não deu certo e aí de repente começou com uma relação paralela, às vezes uma família paralela, que teve que abrir essa história e virar um poliamor. Então assim, a forma como as relações de poliamor são construídas são diversas, mas um ponto em comum em todas é que é consensual, é sincero, é honesto. Todo mundo sabe o que tá vivendo e porque tá vivendo aquilo. Então isso é realmente, foi algo que chamou muito a minha atenção e fez eu me apaixonar pelo tema. Acho que se a gente começar a pensar que a monogamia nem sempre é honesta, porque a gente tá… o número de casos de infidelidade aumentou drasticamente, né. Não só por conta de aplicativos ou porque as pessoas se sentem mais liberadas ou porque agora elas podem falar. Mas de fato, elas estão vivendo outras relações. Elas tão vivendo e pronto. Então assim, pensar que elas tão vivendo outras relações e não são honestas na “relação principal” vamos dizer assim, é uma situação; outra é: “Então, eu quero ser honesto, eu quero ser honesto com a pessoa com quem eu estava, com a pessoa com quem eu, né, como a Ana tava falando, me apaixonei agora”. Eu sei que é muito difícil a gente pensar nisso.

Cris: Eu queria até dar um passinho atrás e falar um pouquinho sobre ciúme.

Ana Canosa: Uhum.

(Bloco 11) 50’00” – 54’37”

Cris: Porque a partir do momento que a gente vai lá e casa e fala: “Eu sou dele, ele é meu…” E aí fica aquela situação assim: Por que a gente tem muita dificuldade de entender ou muita dificuldade de vislumbrar a ideia de um parceiro estar em contato físico com outra pessoa? Então assim…

Ju: [Interrompe] E que isso não tira de você, que amor não é soma zero. Se ele tiver, sei lá, essa tarde e passar a tarde no cinema com uma outra pessoa.

Ana Canosa: [Interrompe] Eu mato! [Todas riem] Tô brincando. Brincadeira…

Cris: Mas é bem isso assim, ah, você pode conviver, você pode ter vários amigos, você pode praticar vários esportes, você pode tá na companhia de outras pessoas mas você não pode tocar [em] ninguém. Eu acho que a gente tem muito essa dificuldade de falar assim: “Cê tá maluco! Eu não consigo imaginar a fulana beijando outra pessoa”. Você não precisa imaginar, porque não é sobre você. [Risos] [Ana Canosa: mas eu não consigo mesmo.] Tem justamente aquela dificuldade de falar assim: “Ah, não, mas a gente casou pra ficar só os dois, e aí eu não aceito”. Então eu acho que refletir sobre o ciúme, sobre essa percepção de posse, eu acho que principalmente as mulheres hoje a gente nessa conversa tão vanguardista de feminismo, de entender que a gente não é dono de ninguém igual a gente fala que ninguém também é nosso dono. Então assim, se eu não sou dono do seu dinheiro, se eu não sou dono da sua carreira, se eu não sou dono da sua expectativa de vida, porque é que eu vou ser dono do seu corpo? Você pode ir, você pode ter a carreira que você quiser, a gente vai ter filho, a gente vai fazer tudo, mas o seu corpo pertence só a mim. Então, eu acho que, estudando pra essa pauta é óbvio que milhares de questionamentos surgem porque a gente começa a ver o quanto a gente se impõe uma meta que quem bater a meta teve que se frustrar infinitas vezes. Quem não bateu a meta, é um canalha. Então lidar com esses dois sentimentos é muito ruim porque a frustração também é. Porque, inclusive, pessoas que N vezes abriram mão de possibilidades, de viver uma coisa natural e saudável e depois descobriu que o parceiro fez. Então eu fico imaginando a raiva que não deve dar…

Ju: E eu acho principalmente assim: você sacrifica tudo isso e faz todo esse esforço em nome de uma estabilidade que é impossível. Entendeu? Então assim, eu acho que se a gente abrir o relacionamento a gente corre mais risco então eu prefiro não correr risco. [Todas concordam] Porque a vida já é complicada, a gente não consegue prever muita coisa, então você não prevê a hora que você vai embora – porque você vai morrer numa hora que você não sabe – você não prevê se você vai quebrar amanhã ou não, você não prevê uma doença, você não prevê uma série de coisas, que são as coisas mais importantes da vida tão fora do controle. Então, o casamento é uma forma da gente tentar colocar alguma regra e alguma ordem num mundo caótico que é “não, aconteça o que acontecer eu sou dela, ela é minha e a gente vai contar um com o outro pra enfrentar a vida inteira juntos.” E a gente acredita que limitar o parceiro é o que vai fortalecer essa aliança. E eu acho interessante a provocação que fala assim, que eu acho que responde muito o que você falou, Ana, que assim: tá, explica pra mim por que que você acha que ela transar com aquele amigo por quem ela sentiu interesse vai ser menos risco pro seu casamento do que ela transar, entendeu? [Ana Canosa: Sim, claro.] Porque eu, quando eu conheci o Merigo eu tava num relacionamento e eu nunca fui infiel na vida, nunca nem cogitei isso, eu saía com o Merigo direto, a gente conversava, a gente era amigo. Eu nunca traí o cara que eu tava com o Merigo. Conviver com o Merigo me fez ver que aquele cara não me tratava bem e que eu não tinha mais um relacionamento [Ana Canosa: Uhum] e eu terminei aquele meu relacionamento e tempos depois fiquei com o Merigo. Se eu tivesse traído aquele cara com o Merigo, será que eu teria terminado? Será que eu teria… Não tem como saber, você não sabe, a real é isso. A questão é: não é o sexo que vai fazer a pessoa ficar com o melhor amigo dela, é todo esse envolvimento, toda essa relação, todo esse enxergar que ela não estava tendo na relação o que ela precisava, o que ela queria, o que era essencial pra ela. Então assim, esse risco de você perder o seu parceiro, ele existe quando a relação não está boa. E quando a relação não está boa não é o sexo que vai fazer a pessoa ir embora, são todas as milhares de outras coisas. Então só o fato de você trancar o sexo, o sexo é uma barreira, você não pode passar isso, todo o resto você pode fazer: você pode conhecer a pessoa, você pode se envolver, você pode, enfim, se interessar pela pessoa, mas o sexo você não pode fazer. Eu sempre fui muito correta quanto a isso, mas isso não segura relacionamento. Isso não protege relacionamento, entendeu?

(Bloco 12) 54’38” – 59’59”

Ana Canosa: Não mesmo. Agora eu vou fazer uma outra provocação pelo lado oposto, né. Então assim, a gente tem questionado no último século, no meio do século XX e pro XXI principalmente, essa questão da completude em relação ao outro, que o outro não nos completa, que a gente… que nós somos dois inteiros, três inteiros, e que vamo caminhando e o que que você deseja de uma relação conjugal. Você quer um companheiro, uma companheira, alguém pra dividir a vida de fato… que divida tarefas, que tenha projeto comum, então, a gente tem questionado muito, né, nós como sociedade, a função da conjugalidade, do amor e do sexo nas relações afetivas nossas; muito bem. Então, as pessoas tornaram-se um pouco mais autônomas quando pensam e diz: “bom, o que eu quero, o que eu desejo, eu não preciso do outro para viver, eu escolho viver com outro, é muito melhor eu escolher viver com alguém do que eu precisar [Cris: Claro] ser dependente por conveniência, financeiro, por insegurança afetiva [Ju: Por pressão social], por pressão social, por religião, por política e por o raio que o parta.” Tá ótimo! Só que ao mesmo tempo que a gente, aí, às vezes, quando eu fico pensando por exemplo: na necessidade que as pessoas têm, ou que algumas pessoas têm, em serem infiéis ou em terem outras relações, porque que a gente, a gente tá aqui pedindo, dizendo: “não, eu sou uma pessoa inteira, eu não preciso do outro para viver; mas eu também não consigo me contentar com a partilha que eu tenho, então eu vou buscando em outras pessoas aquilo que me falta e aquilo que o outro não me completa.” Então também, eu acho uma coisa meio, é, ambivalente, para algumas pessoas, vocês entendem? [Ju: Sim] Então, eu não preciso do outro mas eu preciso de mais, do outro, então, na medida em que eu faço um caminho inverso, vocês entendem o que eu quero dizer?!

Cris: Sim.

Ju: Tudo bem, é claro que isso pode ser uma busca para você ter mais, uma vida mais plena [Ana Canosa: Exatamente, isso] de ser mais verdadeiro com você mesmo, [Ana Canosa: isso] só que com as suas relações, mas também pode ser uma forma de você sempre fugir de se encontrar com você mesmo.

Ana Canosa: Isso, exatamente o que eu estou dizendo. Então, eu acho, também, que a gente precisa fazer essa distinção, né.

Ju: Você pode ficar correndo atrás do rabo pra sempre [Ana Canosa: Exatamente, totalmente], e nunca encontrar sua plenitude, porque na verdade você nunca se entrega, o que é necessário pra construir uma relação.

Ana Canosa: Ou no sexo ou no afeto.

Janaína Reis: Isso foi algo que foi bastante questionado na construção do meu trabalho, se isso não seria uma imaturidade, né. Essa dificuldade de fazer uma escolha de abrir mão de algumas coisas, então, eu não consigo abrir mão de: “ai, essa pessoa tem tal qualidade que me soma, aquela tem aquela, então eu vou ficar com todas porque assim eu me sinto mais completo”. [Ana Canosa: Isso, exatamente] Essa completude que você está falando, né, que até Guinles falava bastante dessa questão de completude [Ana Canosa: Uhum]. Então assim, ah será que isso não é uma imaturidade emocional? Talvez seja. Mas isso não é particular de relacionamentos abertos ou poliamor. [Ana Canosa: Também não, exatamente] [Cris: Exato] Qualquer casal tem isso, porque a gente vê nas pessoas… eu vejo no consultório, casais monogâmicos que têm essa expectativa, de metade da laranja [Ana Canosa: Exatamente] então chegam duas metades, é isso? Aí de repente, duas metades que, sei lá de que tamanho que tentam ser uma laranja perfeita, que se encaixa. Então, eu não sei se é uma coisa, assim, eu na verdade acho que não, não é uma coisa de relacionamentos não monogâmicos consensuais, é uma coisa de relacionamento [Ana Canosa: De relacionamento, de pessoa] a gente tem essa expectativa, né, não posso dizer todo mundo, mas a gente tende a ter essa expectativa de que o outro venha realmente a nos completar.

Cris: Tem uma questão que é importante, é, a gente está levantando uma série de questionamentos, e não existe nada, eu entendo que não exista nada de errado numa pessoa que simplesmente vive bem com essa escolha, [Ana Canosa: Uhum] não sente mesmo nada por ninguém, não quer sentir e tem raiva de quem sente, porque de repente fica parecendo assim: “nossa, mas eu não me encaixo em nada que não seja isso”, não tem nada de errado em se encaixar nisso.

Ju: Eu espero que a pessoa que esteja com você, também não se encaixe em nada mais além disso.

Cris: Essa que é a questão.

Ana Canosa: Exatamente. [Risos]

Cris: Essa que é a questão. Porque às vezes você se encaixa, mas a outra pessoa não se encaixa. Eu acho que o questionamento que a gente tem que fazer é até que ponto você tem direito de exigir isso do outro, ou até que ponto você deseja viver com uma pessoa em eterna frustração, ou ser enganado. [Ju: Exatamente] Porque duas pessoas com esse mesmo propósito, com esse mesmo encaixe junto é muito difícil, então você fala: “Não, mas eu estou super bem, eu estou segurona com minha escolha”, mas será que seu parceiro está?

Ju: E que ele tenha liberdade e o espaço para falar o que ele realmente pensa, será que ele está escolhendo pelo que ele realmente quer, precisa, ou pelo medo? É o medo falando, quando ele fala para você que: “não, não vamos… o nosso relacionamento é monogâmico”, ele tá falando, é uma atitude autônoma, é uma atitude madura, é uma escolha consciente, madura, [Cris: Não, eu acho que…] entendendo que existem outras possibilidades, explorando intelectualmente outras possibilidades? [Ana Canosa: Aham, aham] Eu acho que isso é mais, é sensacional que a gente viva num momento em que se pode fazer esses questionamentos, em que você, inclusive para escolher isso. Que é o que eu falo do feminismo. O feminismo fala: “você pode ser o que você quiser”, inclusive só mãe, inclusive não trabalhar, ficar em casa e cuidar da sua família, [Janaína Reis: Inclusive monogâmica] inclusive ser monogâmica, [Ana Canosa: Exatamente] você pode tudo. Mas é tão diferente a sua escolha, quando a sua escolha é falar assim: “Tá, eu já explorei, eu acho interessante, eu não tenho medo, e eu quero ficar por aqui, e estou aberta, para talvez amanhã pensar diferente.”

(Bloco 13) 1:00’00” – 1:04’39”

Ana Canosa: Nós somos… nós temos tanta dificuldades de discutir esse tema, que, por exemplo: as pessoas começam a se relacionar afetivamente, namoram, abandonam a camisinha. Nós pessoas, não tô falando das pessoooooas, tô falando de nós, 30 anos, 40 anos, etc., as pessoas conscientes que sabem sobre questões de infecções sexualmente transmissíveis. Ninguém faz, ou pouquíssimos casais fazem uma conversa do tipo: “Cara, é o seguinte, como é que é, nós vamos fazer teste, nós vamos ver se tem, nós vamos abrir mão do preservativo, mas e aí e se a gente for infiel?” As pessoas têm um medo [Janaína: É um tabu], é um tabu falar disso, é um negócio tão… aí eu falo assim, “gente, como é que é um tabu?” Me explica esse negócio. Quer dizer, é como se a gente não visse a realidade, como se as pessoas não conversassem com os outros, não vissem novela!

Cris: Não, eu acho que se tem pessoas que hoje sentam e falam sobre possibilidades, elas já são maduras pra caramba. Porque sentar e falar assim: “Vem cá, vamos conversar, será que esse é o melhor modelo que encaixa pra gente?” Porque se uma pessoa, na maioria dos casos que eu conheço, traz esse assunto pra pauta, o outro já fala: “Você não me ama mais? [Ana: Exatamente] Você não me ama mais? Você me traiu, é por isso que você ta falando de camisinha? [Ana: “Você vai me trair?”] Você já tá programando! [Ana: Você já tá pensando, é…] Por isso que você tá falando disso.” [Ana: Exatamente]. Então assim, eu acho que quando a gente não abre o espaço pra diálogo, eu acho que a gente afasta ainda mais a pessoa [Ana: Eu acho também]. Porque quando alguém traz essa pauta, essa conversa, ela pode realmente, inclusive, tá querendo reforçar a escolha que vocês fizeram, mas como saber né, sem surtar? [Ana: Exatamente..é] Sem entrar no looping do surto e começar a xingar pra todo lado.

Ana Canosa: [interrompe] É… e que isso não seja um fantasma, né? Que isso não seja um fantasma na relação, essa ideia de que você vai ser trocado por outra pessoa, porque as pessoas têm essa fantasia também.

Ju: O que que te garante que você não vai ser trocado por outra pessoa se o acordo for monogâmico? Essa é a questão, entendeu? [Ana: Também, exatamente] E uma outra coisa que eu acho lindo que assim, a gente acha que as pessoas que optaram pelo acordo não monogâmico são pessoas que têm uma ênfase no relacionamento maior em sexo. Eu acho incrível desconstruir isso, entendeu? Porque assim, a gente monogâmico fala: “pode tudo, mas se teve sexo com outra pessoa, isso é o deal breaker, aí é que a gente separa o joio do trigo”. Quando, se você pensar num outro arranjo, você fala assim: “cara, sexo eu posso fazer em determinadas… em X momentos, com X pessoas de tais maneiras, mas a cumplicidade que eu tenho aqui, eu não encontro em outro lugar [Ana: Exatamente]; o lar que eu formei aqui eu não encontro em outro lugar; a parceira que eu quero, a minha escolha de vida, tá aqui. E com quem eu vou fazer sexo, isso é uma coisa que muda ao longo da vida, mas a minha parceira…” Então assim, eu acho que, contrariando o senso comum, a ênfase no sexo tá na monogamia que tem que controlar o sexo, porque ele é a coisa mais importante. E quando você sai desse modelo você abre a possibilidade de colocar outras coisas como a questão central da sua vida, que vão determinar com quem você vai dividir a sua vida, né.

Cris: Eu acho muito legal porque Lacan fala muito isso, né, que Deus é um delírio, a religião é um delírio e a monogamia é um delírio [Ana: É um delírio maior ainda, né]. E quanto mais você defende ela, mais você torna ela um delírio. Porque quando você começa a questionar isso, primeiro que você… óbvio, a gente nem vai entrar totalmente nisso, mas essa questão da família enquanto o centro, a sociedade e a religião… se você for pra questionamentos racionais, se você tirar essa passionalidade e a religiosidade do meio disso, inclusive, pesquisando pra pauta eu tava vendo que é super dificil falar de monogamia na Bíblia, porque muitos homens citados na Bíblia tinham N mulheres [todas concordam], tinham concubinas. Tem casos de mulher, inclusive, com mais de um parceiro [Ana: …de um marido, aham] e aí fica difícil, né amigo, como nós vamos amarrar as pessoas por isso também. Mas quanto mais você tenta defender, parece que mais desconstruída ela fica, porque aí a gente começa… eu acho que colocar uma meta que você sabe que não vai ser cumprida é a melhor forma de encontrar com a frustração. Então quando a gente entende isso e, olha: “a gente acordou viver assim”. Eu acho muito legal o que você falou que a gente aceita isso sem questionar e depois que a gente vai ver se se encaixa ou não [Janaína e Ana concordam]. E eu entendo que do mesmo jeito que qualquer outra pessoa se descobre fora da caixinha do social, ela passa por um processo muito doloroso de reconhecer que ela tá quebrada, que ela não é capaz de se encaixar nesse modelo. [Janaína: Atender as expectativas sociais, é muito difícil]. De se sentir mal, de se sentir cafajeste, de sentir que não merece a pessoa com quem ela tá, já que ela sente desejo por outra…

(Bloco 14) 1:04’40” – 1:09’59”

Ju: [interrompe] Ou que não ama o suficiente [Ana: Isso!], isso é que é bizarro, entendeu? Porque essa passa a ser a métrica do seu amor, entendeu? Enquanto num relacionamento não monogâmico você não questiona o amor desta maneira, entendeu? Então assim, olha: “você é a pessoa que eu escolhi, o companheirismo que a gente tem, isso é muito mais difícil…” e eu acho que você falou isso lindamente no programa de divórcio, né, de como é difícil você construir essa relação de cumplicidade [Ana: cumplicidade, é], de como você ter uma pessoa com quem você gosta de estar e de dividir tudo, a sua vida, a sua casa, os seus filhos, a sua família, essa é a sua pessoa no mundo [Ana: Exatamente]. E cara… o sexo vem e vai. Pode ser que não seja com essa pessoa, pode ser que a maior parte das vezes seja com ela. Mas assim, e eu inclusive acho que pode ser muito melhor com ela, se você não tiver essa obrigação. Porque assim, é a fórmula do desastre você obrigar uma coisa, né? Então assim, coisas que são muito divertidas, mas que a gente coloca, constrange, por uma série de regras, viram nada divertidas. Vide: escola. Que a coisa que criança mais quer é entender do mundo, por quê? por quê? por quê?, quer aprender, aprender, aprender. Mas aí você constrange, ela só pode aprender ali [Ana: Naquele quadrado], ela tem que aprender naquele formato, naquele quadrado [Ana: Isso]. Pronto! Acabou a graça, ninguém quer, todo mundo só quer sair da escola, só quer fugir e não quer de jeito nenhum. E da mesma maneira com o sexo. A gente consegue encontrar um jeito de fazer o sexo ser absolutamente chato, enquadrado, que é porque assim: [Ana: [risos] Monótono] “Olha, ele só pode acontecer aqui, só com essa pessoa pro resto da sua vida”. E assim, de verdade, eu acredito que se você tivesse essa possibilidade de: “Olha, agora seja feliz, vai” você nem ia… muitas vezes, não é que você vai todo dia. O Alex Castro fala isso muito legal assim: “Eu não vivo relações monogâmicas, mas isso não quer dizer que eu não passe por exemplo períodos longos em que eu só tenho interesse, e eu acabo só me relacionando com a mesma pessoa. Mas eu em nenhum momento fui monogâmico com essa pessoa. Por quê? Porque eu era livre para fazer o que eu quisesse e isso modifica completamente a relação que eu tenho com essa pessoa, né? Porque as possibilidades que eu tenho, o quanto eu me entrego para ela, o que eu demando dela, é complementamente diferente.” [Janaína: O contrato é mais livre, né?] Exatamente. [Janaína: E leve. Livre e leve] E a gente se sente melhor, né? Em liberdade.

Cris: Vamos entrar um pouquinho nos formatos, então. Relacionamento aberto é quando uma pessoa é afetivamente monogâmica, mas sexualmente livre, podendo transar com quantos parceiros desejar. Mas ser livre neste aspecto, não quer dizer que não exista regras. Contar ou não contar? Dormir junto, pode? Tem que ter exclusividade emocional? Com que frequência pode? Com ex, pode? E com amigo, pode? Pode sair com a mesma pessoa várias vezes? Quando está brigado, pode? Em público, pode? E no Tinder? Seus amigos vão ver, tudo bem? A família precisa saber? Antes do casal conversar sobre regras, é necessário que ambos saibam exatamente quais são os seus desejos, necessidades e limites individuais. Só assim eles poderão conceber o que podem ou não fazer com outras pessoas. A pergunta é: esse tipo de relacionamento é viável?

Ana Canosa: Eu acho que sim. Relacionamento aberto? Eu acho que sim para quem lida bem com essa ideia do outro estar vivendo sexualmente com outra pessoa, ou de se encontrar sexualmente com outra pessoa. Eu acho que sim. Acho que todas as formas são viáveis. Desde que você tenha autoconhecimento, e daquela pergunta que a gente está dizendo: O quê que eu quero do amor? O quê que eu espero dessa conjugalidade? O quê que eu espero desse sexo? Quais são os meus desejos? O quê que dá para conviver? Eu acho que existem pessoas que são talhadas para a monogamia. São pessoas que gostam do acolhimento, daquilo que é conhecido. São pessoas que são menos ousadas, são pessoas que curtem o conhecido. E realmente, quando o outro fala assim: “mas você não vontade de transar com não sei o quê?”

Ju: Não, espera aí. Conhecido até a página dois, né? Porque assim, você é novo todo dia, [Ana: Sim, sim, claro, claro] então são pessoas que topam o desafio bizarro [Ana:Bizarro de [risos]] de se fazer interessante para a mesma pessoa todos os dias [Ana:Todos os dias, exatamente]. Essa é a minha tara. [Cris: Haja criatividade][Ana: Haja criatividade, é] Eu acho que é o que a gente estava falando antes de ligar o microfone, absolutamente romântico, e absolutamente encantador que eu tire a roupa e o cara ainda fique doido depois de tanto tempo e depois de tanta coisa, e depois de tanta intimidade que eu ainda provoque aquele efeito sobre aquela pessoa, para mim é absolutamente inebriante. Mas aí é isso. Eu acho que cada um com a sua tara, entendeu? [Ana: Cada um com o seu jeito] Que a gente possa descobrir a nossa jornada juntos. Ter um parceiro com quem eu consigo ter tamanha intimidade, que eu me permito tudo. Que eu tenha uma pessoa que eu me permita inclusive ser chata. Que eu me permita errar e acertar e não ter essa pressão, eu não conseguiria a expressão sexual que eu tenho naquela relação que eu construí tijolinho por tijolinho e já estamos no nível 260… eu não conseguiria com o João da esquina [Ana: Com outra pessoa, exatamente] entendeu? Então para mim, a minha tara é essa aí. [Ana:E isso tem a ver…] Eu me realizo naquela cama ali, com aquele cara ali, que a gente já está no nível 260, se eu for com você, eu estou entrando no nível 1. Não estou com essa paciência, amigo. [Ana: É isso mesmo] Eu não voltar 300 casas para te explicar qual é meu alfabeto.

Ana Canosa: E eu acho que tem uma coisa também que é assim: A conjugalidade, você tem pilares da relação. Você tem a questão da conveniência, né? A casa, a divisão, os filhos, todo mundo tem isso. Tem gente que se casa por conveniência, mas tem gente que se casa por afeto, e por sexo, mas acaba desenvolvendo a conveniência. Isso faz parte. Tem um outro pilar que é a função psicológica que você faz na vida do outro, né?

(Bloco 15) 1:10’00” – 1:14’59”

Ana Canosa: […] Então o acolhimento ou não, ousadia, enfim. E tem o pilar que é da atração sexual. Se você tem como um pilar central, nessa relação, a atração sexual e afeto, vai ser mais difícil pra esse casal viver uma relacionamento aberto. Porque pra mim, aquilo que fortalece a minha relação com o meu parceiro, é justamente aquele olhar do outro que eu disse, porque a paixão, o sexo e o afeto é o pilar central dessa relação. Agora se o pilar central dessa relação for a função psicológica e emocional que a gente tem um na vida do outro ou a conveniência, fica muito mais fácil eu permitir um relacionamento aberto! Porque aquilo pra mim, não tem esta prioridade afetiva de me fazer reconhecer a partir do outro. “É, posso gozar, legal, mas não é a coisa mais importante da minha vida” [Ju: Sim!]. Se for, eu te vou dizer, vai ser muito mais difícil ser um relacionamento não monogâmico.

Janaína Reis: Eu acho que é super viável, assim, viver relacionamentos não monogâmicos, mas eu acho que não é pra todo mundo mesmo, pelo menos não é pra todo mundo em alguns momentos da vida. E uma coisa que eu observei, tanto durante o projeto como no consultório, é que assim, vamos supor que você tem um relacionamento fechado, monogâmico e você, de repente quer tentar uma coisa diferente que não seja pra salvar o casamento, que seja porque o casamento tá bacana, vocês tão curtindo e juntos em comum acordo “Ah! Vamos tentar algo diferente? Vamos abrir. Eu tenho esse desejo, você tem esse desejo, então não vamos deixar passar esse desejo e vamos viver!”. Agora o que eu percebo é que muitas pessoas, ou de repente começa a frequentar swing ou resolve abrir o relacionamento, pra salvar uma relação que tá fadada ao fracasso [Ana: Aham!] e assim, não tenha dúvida que é isso que vai acontecer. Então assim, a chance de realmente fracassar é muito grande.
Ju: Ah, mas é igual terapia de casal que só se procura quando já acabou o casamento [Ana: Já tá no final]. Não é que a terapia [ Janaína: Ah, mas ajuda a terminar. A gente ajuda a separar de uma forma um pouco mais…] [risos] [falas sobrepostas].. Mas aí, eu conheço um monte de gente que tem esse tabu, assim… “não, terapia de casal, quando as pessoas vão pra lá, elas acabam.” Não pode fazer, se a mulher fala pra ele que ela quer fazer terapia de casal, ele já acha que tá pedindo o divórcio, saca? Então assim, é isso, nada vai funcionar quando você chegou naquele ponto do não retorno. Aí nada vai funcionar, né migo? [Ana: Claro, claro!] Não dá.

Cris: Vamos ouvir um pouquinho quem escolheu viver esse tipo de ralação. Vamos escutar o relato do João:

–//–

João: Meu nome é João, tenho 19 anos, namoro o Alisson, com 19 também. Nossa história ela começa lá em 2014 quando eu cursava o último ano do Ensino Médio e ele o segundo. Nos conhecemos ainda no colégio, no segundo semestre e a amizade ganhou forma e tamanho incrivelmente rápido. Nos tornamos melhores amigos, o amor veio bem rápido, assim como o fim também veio rápido. De forma bem resumida, porque acho que não cabe aqui, nós ficamos juntos por 5 meses no relacionamento monogâmico. Acabamos terminando, tentamos manter a amizade, mas já não era mais a mesma coisa. Nossa relação tinha sido desgastada. Nos afastamos durante 6 meses e foi o pior semestre de todos, porque era com ele que eu falava sobre minhas séries, sobre os meus planos, meus problemas, e por mais que eu tentasse, ninguém podia substituí-lo. Nos vais e vens da vida, mais ou menos em maio de 2016, voltamos a conversar e logo retomamos uma amizade como ela era lá em 2014. Voltei a frequentar a casa dele e ele a minha, íamos ao cinema, voltamos a assistir nossas séries, mas sempre com aquele sentimento não verbalizado, que sempre pairava no ar. Até que cada um de nós, separadamente, entrou em contato com a ideia de relacionamento aberto, mas sempre com o pensamento de: “Ah! É legal mas não serviria pra mim”. Um tempo depois nos beijamos novamente e tudo ficou confuso novamente, nós resolvemos tirar um tempo pra pensar e decidimos, posteriormente, que começaríamos um relacionamento aberto. Bom, nós somos um casal homossexual, que sempre procurou os modos de um relacionamento heterossexual. Namorar, noivar, casar de branco, ter filhos, almoço na casa da sogra… e isso claramente não serviria pra nós. Mesmo amando muito a pessoa, respeitando o espaço pessoal dela e suas decisões, sempre existiu uma sensação de estar preso. E nós tivemos que nos adaptar, porque pra gente se adaptar, era o nosso amor viver. Desde então tudo entrou nos trilhos, era justamente disso que a gente precisava e só não sabia. Essa é uma forma de amor que encontramos, é uma forma de amor que veste a gente, sem apertar, sem sufocar, dando liberdade, as cobranças diminuíram, o peso e a responsabilidade de um relacionamento ficaram mais leves, o que tornou tudo mais agradável e mais fácil. Ainda existe ciúme, mesmo que de forma diminuída e coesa. Mas é reconfortante saber que você é o porto seguro da pessoa e ela o seu. A gente tem as nossas regrinhas sim, como não pode se apaixonar por ninguém obviamente, todas as outras relações devem ser apenas físicas, não pode deixar o outro em segundo plano pra sair com outras as pessoas, não pode sair com algumas pessoas inclusive, ex namorados é um exemplo, uso de camisinha é fundamental, inclusive não só pra gente, todos devem usar camisinha…

(Bloco 16) 1:15’00” – 1:20’08”

João: […] E vale lembrar que estas regras não são pra todo relacionamento aberto. Cada um sabe o que convém. Essas, no caso, convêm a nós. E mesmo vivendo nessa bolha social que a gente vive hoje em dia, nas redes sociais, basta você abrir o Facebook, o Twitter, pra se deparar com [o que] a maior parte das pessoas pensa sobre o relacionamento aberto. Todos os dias eu vejo posts no Facebook e Twitter julgando esse tipo de namoro. Falando coisas como: “Ah, relacionamento aberto é um novo nome pra corno… Isso não é namorar, isso é fogo no rabo… O amor é menor, vale menos… Deus me livre de ter um relacionamento assim”. É doloroso ler isso, mas resistimos bravamente. É a nossa forma de amor, é a forma de amor que funciona conosco e toda forma de amor é válida.
–//–
Ju: Um dos tabus que a gente tem é que relacionamento aberto é coisa de jovem, né?! Que isso não dá certo numa família e tal e a gente tem o depoimento de uma pessoa que é casada, com uma filha pequena, um casal super padrãozinho pelos nossos parâmetros. Quem está de fora está olhando e está achando, nessa fachada, tudo seguindo a norma e, na verdade, eles têm um relacionamento aberto e ela vai nos contar um pouco sobre isso.
–//–
[Mulher não identificada]: A nossa monogamia nunca parou de funcionar. Na verdade, ela evoluiu para o relacionamento aberto, tamanho era o nosso amor, a parceria e a confiança. A nossa sintonia estava tão afinada que chegamos juntos a este novo patamar. Ou seja, ao invés do: “Preciso de espaço pra ver novas pessoas”, o combustível para a nossa a abertura foi: “Te amo tanto que, se você quiser transar com outra pessoa, tudo bem. Inclusive, talvez eu até ache sexy”. Foi assim que nos descobrimos num relacionamento aberto. Temos os nossos combinados, nosso regulamento que protege o relacionamento do casal. O meu e o dele. Por exemplo: não transamos com amigos conhecidos ou pessoas com quem temos qualquer tipo de relacionamento. Não temos nenhum envolvimento emocional com as pessoas com quem transamos – as respeitamos demais, porém, alinhamos estas expectativas já no início, para ninguém sair ferido. De nove anos juntos, temos feito isso já há três e somos muito felizes.
–//–
Cris: Mas vamos colocar um pouquinho mais de tempero nessas possibilidades entrando um pouquinho no poliamor. O poliamor é uma forma não-monogâmica onde existe uma infinidade de possíveis formas e configurações de relacionamento sexual-afetivo entre várias pessoas (duas ou mais), definidas pela explicitação de regras consensuais e são mutáveis. “X”parceiros envolvidos decidem como será o relacionamento por meio de muito diálogo, deixando claro a todos os momentos o que é confortável e o que é seguro para cada um e que concessões e demandas serão aceitos. E isto é o que os poliamoristas chamam de acordos. Um dos principais aspectos benéficos do poliamor é que não há posse: “Não possuímos ninguém e ninguém nos possui”. Portanto, o poliamor acaba com algo que caracteriza um relacionamento monogâmico e que pode ir contra a natureza humana: a posse de outra pessoa. É possível ser feliz assim, Jana? O que é que você andou estudando sobre isso?
Janaína Reis: Olha, o que eu observei, na verdade, é assim (o que eu tenho observado, né), é que da pra ser muito feliz, mas tem uma ideia muito interessante que as pessoas pensam que é – foi o que a gente estava falando, né – está muito ligada a ideia de uma coisa muito legal, de uma sacanagem, de… [Ju: É suruba, né.] Isso, é um surubão. [Ju: E poliamor é um relacionamento, né? Pensa dar conta de mais de uma pessoa?!] É! É meio que a ausência de um problema, sabe? É como se você escolhesse um caminho mais fácil. E, na verdade, tem todas as outras questões de um relacionamento monogâmico, mais o preconceito, mais todas as outras questões de, sim, tem ciúme, né. Tem um termo que eles usam para relacionamentos abertos, que é a compersão, que é essa felicidade né, de ver o outro feliz afetivamente, sexualmente com outras pessoas. Eu não tive muito contato com a compersão até agora. [Ana:Ótimo, muito bom! Bem chamado, bem observado!] Eu li bastante, assim, sobre a compersão mas, assim, eu ainda não consegui… [ Ana: Capturar esse sentimento nas pessoas.] É, nas pessoas, está um pouco complicado. Então, assim, dá pra ser feliz, as pessoas estão vivendo; com filhos; tendo histórias muito bacanas; tendo vários problemas; paga a conta; quem vai na reunião; quem vai pegar o filho na escola; quem dorme com quem, que dia, tal; dorme na cama os três juntos, não dorme: “Ah, eu quero que hoje você suba pro outro andar… Eu quero ficar só com fulano”. Então, tem ciúme, sim. A compersão é algo, sei lá, um pouco discutível por enquanto, ainda não observei. Se alguém estiver ouvindo e estiver com isso super em alta, por favor. [risos] Mas, enfim, dá pra ser super feliz, sim, como dá pra viver numa relação monogâmica feliz. Eu acho que a gente precisa um pouco desmistificar essa coisa de dividir tanto as relações. Então, assim, categorizar: “Olha, então em um relacionamento monogâmico o que é esperado é isso, isso e isso e o não-monogâmico é isso, isso e isso”. Tem fidelidade num relacionamento… não-monogâmico, [ Ana: Isso!] tem lealdade. Aliás, tem uma lealdade incrível que seria bacana até a gente observar mais em alguns relacionamentos monogâmicos. As pessoas, às vezes, se perdem um pouco nessas questões entre fidelidade e lealdade. Como é consensual e é honesto, essa questão da lealdade é muito forte, é muito presente nos contratos, nos acordos.
(Bloco 17) 1:20’09” – 1:24’59”

Ju:>/strong> Então, mas é, eu acho que é isso que eu tava tentando… eu fiz um paralelo porco, mas com a questão da religião que é assim: se você tá no monogâmico as regras já estão estabelecidas, então como é imposto, você se sente na liberdade de burlar algumas coisas, porque não foi você que decidiu essas regras, então elas te, de alguma maneira, violentam. A medida que você vai lá e fala: “mano, não tem regra, foi você que fez.” Então por exemplo, eu acho estranho uma pessoa ter seu conjunto de valores, que ela mesma fez e ela quebrar. Você tá na igreja e você quebra um ou outro você não podia fazer nada, tava ali e você não concorda com tudo. É a mesma coisa no não monogâmico, que é assim, as duas pessoas vão sentar e criar um arranjo único. Isso requer muito mais maturidade pra conversar, pra ouvir, pra respeitar, pra entender o limite do outro. Então às vezes você tá pronto e gostaria e está livre pra fazer muito mais, mas aquela pessoa, aquilo vai magoar a pessoa, então o limite acaba sendo sempre o respeito, o amor, o carinho, então é muito mais difícil [Ana: É!] você ser infiel pro acordo que “poxa, mas você que colocou essa regra, a gente juntos estabeleceu isso, então o quanto você se compromete com a regra que você mesmo fez?”

Ana Canosa: E não, gente, requer muita habilidade. Vocês imaginam assim né, que quando a gente fala de poliamor nós estamos falando de relacionamentos afetivos, nós não estamos falando de sexo, né? Uma coisa é [Ju: Sim.] um relacionamento aberto que eu estou com você e a gente pode fazer sexo com quem for lá fora. Poliamor não! Poliamor é uma questão afetiva, e tem regras tanto quanto os casamentos monogâmicos. Agora você imagina a habilidade que você tem que ter [Ju: Jesus!] [Cris: Não!] de negociar, [Janaína: De gerenciar] de gerenciar [Janaína: É muito difícil!], de desejo sexual, de… sabe? Em que momento [Ju: A logística gente, a logística disso, pelo amor de Deus] de agenda, de logística, afeto, pra você não perder…

Cris: Tem que ser gestor de operações pra ter um relacionamento poliamoroso.

Janaína Reis: [interrompe] E o mais interessante que me chamou mais atenção né, nos trisais, por exemplo, que eu conversei, é… eu lembro de uma frase assim, de uma pessoa: “E o pior é que você nem imagina o quanto a gente transa pouquinho.” [Ana: Olha lá!]. Porque assim, tem uma escassez de sexo, até inclusive. Por mais que você tenha vários parceiros, você não tem que ter desejo todo dia porque você tem dois namorados, entende? Ou, ah! Então quer dizer, porque você tem duas, três relações, quer dizer que você transa horrores. Não, você não transa horrores! Porque você tem que conciliar o desejo da outra pessoa com o seu também e com o do outro que tá junto.Não, não, gente… é difícil gerenciar tudo junto, é muito difícil.

Ana Canosa: eu acho que precisa de muita habilidade, muita disposição.

Ju: E a disponibilidade emocional pra dar conta dos desejos, duas pessoas, cê tá doida!

Ana Canosa: Afetiva, da vida, do compartilhar. Quer dizer, um que não tá bem, outro que tá bem, você tá ali e você quer acolher e aí todas essas questões que a Jana falou também e outras…

Janaína Reis: Dá colo pra um…

Ju: É generosidade, né? Porque é se relacionar, não é você simplesmente ter sexo com outra pessoa, é você se relacionar, se importar, ouvir, cuidar, é muita generosidade, gente.

Ana Canosa: E o projeto? E o projeto do casamento? E o projeto da família? Eu tive um caso de poliamor no consultório, que eles foram… Era uma mulher com dois homens, então ela tinha o marido, aí ela se apaixonou por outro, aí resolveu abrir essa história e conversar, “E o que é que nós vamos fazer? Então tudo bem, vamos tentar.”, ela não queria abrir mão do casamento, começou a viver essa relação, até que esse cara foi morar junto né, então foi um processo, tá? Aí eles chegaram no consultório assim: “Então, qual é a queixa?”
“A queixa é que agora a gente quer ter um filho. Quem vai ser o pai?” Essa era a queixa [Cris: É isso aí!], porque veja, preciso de um espermatozóide [Ju: Uhum], ela tinha o óvulo e dois homens diferentes [Ju: Pode ser roleta russa? A gente vai indo, quem foi, foi!]. Aí começou o quê? A questão do privilégio. O primeiro que era o casado com ela antes falou assim: “Mas eu cheguei primeiro!” Então aí você começa a ter todas as questões de posses, de ciúme, de hierarquia, de poder, quem chegou primeiro.

Janaína Reis: Teve um caso em um congresso que foi mais ou menos isso também assim, que foi bem interessante assim, que era um casamento monogâmico, então já tinha um filho. Aí veio uma outra pessoa, um outro homem, aí o que aconteceu, eles combinaram de ter um filho. Então eles moravam em casas vizinhas, naqueles condomínios nos Estados Unidos, então um foi morar na casa do lado e ficavam juntos, churrasco junto e tudo e combinaram de ter um filho, então ela meio que programou o período de ovulação e tá… e engravidou dessa pessoa. Só que ela se apaixonou por uma terceira pessoa que também quis ter um filho, e aí ela não sabia [risos] como fazer, porque assim, como é que ia fazer? Então eles combinaram que se ela engravidasse, aquele homem registraria aquela criança e que eles nunca fariam um teste pra saber se era ou não [Ana: de paternidade], mas aquele terceiro filho sim seria daquele homem. Eu acho assim: “Nooossa, gente… [Cris: Mas que coisa, hein?] que nível!!”

Ju: Pai é quem cria, né gente!

Ana Canosa: Que nível de negociação, né gente?

Janaína Reis Um nível muito alto [Cris: Muito!] de negociação, né? [risos]

Cris: E isso me fez lembrar um dos meus filmes brasileiros favoritos que é o “Eu, Tu, Ele” [Janaína: É lindo!] [Ana: Ah, é muito legal!], que eu gosto que sai muito da Manhattan aqui que a gente vive…

(Bloco 18) 1:25’00” – 1:30’54”

Ana Canosa: [interrompe] Exatamente!

Cris: E vai prum lugar muito distante e ermo, de pessoas muito simples e Darlene é minha diva, né, [Ana: É diva.] porque Darlene tem o cuidador, que é o marido mais velho. O cuidador mais velho banca financeiramente, [Ana: É o provedor.] que é a autoridade, [Ana: Isso.] é o provedor, aí ela tem o do meio, que é extremamente carinhoso, [Ana: Carinhoso, exatamente] cuida dela demais e tem o mais jovem que faz sexo com ela [Ana: Sexo com ela.] loucamente.

Janaína Reis: Maravilhoso.

Ana Canosa: Maravilhoso, né?!

Janaína Reis: Cadê o pacote completo, né?!

Cris: Gente, cadê problema?! [Risos] E os três, o que eu mais gosto é que os três se ignoram, né?! [Ana: Exatamente] Eles fingem que um não sabe do outro e Darlene, assim…

Ju: [interrompe] Gente, eu não do conta do meu marido,[Ana: Ai, eu também.] imagina você atender às expectativas de três homens.

Cris: Regina Casé está maravilhosa.

Ana Canosa: Não, não dá pra você trabalhar, porque Darlene não trabalhava né, gata? Ela tava ali, ficava ali, e estava ótimo. Então ela tinha energia de sobra pra poder colocar nessa relação. Agora, imagina a gente trabalhando, eu fico me imaginando eu, enlouquecida, com filho, trabalhando, fazendo mil coisas, um marido, que eu já tenho que botar energia nesse casamento [Ju: Exatamente.] pra manter o casamento, porque eu quero essa relação, [Ju: Isso.] porque eu gosto, [Ju: Isso.] porque eu gosto de compartilhar, [Ju: Isso.] porque a pessoa é importante para a minha vida e outro?! Não! Ou outra, né? Aí, jamais! Não sei, não sei, né. Jamais é… É demais. Mas não sei.

Cris: Mas eu acho que dá trabalho.

Janaína Reis: Ela falando do “Eu, Tu, Ele”, me lembra muito assim, é… A gente está um pouco, tem uma permissividade, assim, social, da questão da família paralela, que não é o caso [Ju: Aham.] do filme, mas é uma coisa que acontece muito não só no nordeste, mas no nordeste é bastante comum essa questão da família paralela. A gente tem aí [Ju: Uhum.] no Brasil inteiro, no mundo todo. Mas, assim, a diferença é que é, então, por exemplo: na família paralela não tem essa questão. A outra esposa, o outro marido (geralmente é a outra esposa), ela até pode saber, mas ela não tem o consentimento dela. Então, não é um poliamor, né. Mas, às vezes, ela sabe e faz de conta que não sabe. No poliamor, todo mundo [Ana: Tem consentimento.] sabe, [Ana: Sabe. É.] tem consentimento. O que eu acho uma coisa bacana do poliamor é que as mulheres tiveram com o poliamor também essa possibilidade muito maior, porque quem tinha família paralela antigamente [Ana: Eram só os homens.] eram os homens, né. E no poliamor, então, assim, não foi um caso ou dois que eu conheci que a mulher tem dois, três homens. E isso, pra mim, é um ganho [risos] incrível pra mulheres. Eu acho isso um grande barato, entendeu, da mulher poder viver a não-monogamia dessa forma, que era algo, então, impossível. Porque a gente tem uma certa, até eu trouxe esse questionamento no trabalho, assim, sobre a questão da família paralela, e as pessoas meio que: “ah, que acontece”, “É meio comum, né?” Poliamor: “ah, poliamor não, porque aí todo mundo tá sabendo, ai, que absurdo, pouca vergonha”. E aí, a mulher poder viver isso, dessa forma, ai, eu acho demais.

[risos]

Cris: É, eu fico pensando nas questões práticas, sociais sabe?! Tipo: “tenho que ir num casamento, num batizado”, “Ai, chamaram pra ser madrinha, nossa, com qual dos três que eu vou entrar?”. [risos] Sabe?! Eu me divirto em imaginar isso. Vamos escutar um pouquinho de quem vive uma relação poliamorosa. Vamos ouvir esse quarteto.

–//–

Isabella: Eu sou a Isabella e eu namoro o Felipe e o Gabriel.

Felipe: Eu sou o Felipe e eu namoro a Isabella e a Stephanie.

Stephanie: Eu sou a Stephanie e eu sou amiga da Isabella há dois anos, já.

Isabella: Bom, eu acho que a gente percebeu que a monogamia não funcionava mais pra gente quando… Bom, eu tô falando de mim e do Felipe porque é uma coisa que a gente já discutiu bastante, que a gente começou a ficar muito incomodado com o que a gente deixava de viver ou, simplesmente, de ter que se encaixar numa coisa que a gente nunca tinha questionado. E aí, a gente começou a questionar essas coisas e começou a pesquisar e entender que existiam outras formas de se relacionar. E a gente conheceu pessoas que se relacionavam dessas outras maneiras e aí a gente decidiu, primeiro, abrir o nosso relacionamento para, depois, tornar ele poliamorista.

Felipe: E eu acho que, na verdade, a gente sempre teve ali um pouco da pressão do relacionamento tradicional, monogâmico, só que a gente não entendia muito bem o que era essa pressão e como que ela afetava a gente e o nosso relacionamento, assim. Então, acho que transformar ele, digamos assim, em relacionamento não-monogâmico foi uma coisa que tirou um peso muito grande de cima da gente.

Isabella: E que foi um processo bem natural, assim.

Stephanie: É, comigo foi um pouco diferente porque eu já tive um relacionamento anterior que começou monogâmico também e, depois, ele se tornou um relacionamento aberto. Mas não era um relacionamento poliamor, era só um relacionamento que a gente podia se envolver só casualmente com outras pessoas. Então, a gente tinha um relacionamento principal, que era eu e meu namorado, na época, e a gente podia ficar com outras pessoas. Mas a gente não se envolvia, não tinha um outro relacionamento com essas pessoas. E isso aconteceu porque eu namorava já fazia um tempo e eu sentia vontade de ficar com outras pessoas e eu questionava, né, se isso realmente estava certo, assim. Ai, porque todo mundo, a sociedade, sempre dizia que eu ia encontrar alguém e ia ser fiel àquela pessoa e se eu não estivesse apaixonada só por ela, então, é porque aquela não era a pessoa pra mim, né. Então, eu tinha que terminar com a pessoa. E eu via, na prática, que não era assim que funcionava, porque eu gostava muito, era apaixonada, amava a pessoa, mas eu também sentia vontade de ficar com outras pessoas. E aí, a gente começou a questionar isso e a gente abriu o relacionamento. Mas o poliamor eu só fui entrar em contato quando eu conheci a Isabella e o Felipe, porque eles já tinham um relacionamento assim e, aí, a gente conversava muito sobre isso, assim. E aí eu fui também entendendo essa outra dinâmica, né. Que, na verdade, outras pessoas você pode se relacionar romanticamente e envolver sentimento sem necessariamente excluir a outra pessoa que você também ama, assim. Então, foi mais ou menos assim.

(Bloco 19) 1:30’55” – 1:35’11”

Isabella: É, eu acho que, sobre os “passos” pra gente gente chegar onde está agora, eu tenho muito a impressão de que tem a ver com isso que a Stephanie falou de entender que cada relação é uma relação. Assim, é, primeiro, claro, eu diria que a pessoa precisa desconstruir o sentimento de posse e entender que amor não está ligado a isso. E aí, depois, eu tive um período de desconstrução de ciúmes, então eu tive que entender. Depois que você entende que a pessoa não te pertence, aí o ciúme para de fazer sentido porque você entende que se ela não te pertence, você não pode ter ciúme de algo que não é seu, né. Por último, eu acho que a gente entendeu que cada pessoa é uma pessoa e que cada amor é um amor. E aí, até falando um pouco sobre isso, no início, eu e o Felipe, a gente abriu o nosso relacionamento, então a gente podia só ficar casualmente com outras pessoas, mas isso durou acho que cinco dias. [risos] Porque a gente percebeu que a gente não ia conseguir simplesmente ir beijar outras bocas, digamos assim, que a gente achava que isso seria até uma falta de consideração e uma falta de envolvimento, mesmo, com a outra pessoa. Que seria só atender a uma [Stephanie: Necessidade física.] necessidade física, que não faz sentido quando você já desconstruiu tudo o que a gente tinha desconstruído até aquele momento.

Felipe: É, e acho que também a gente nunca, a gente não passou propriamente por essa fase de, tipo, estipular as regras do nosso relacionamento não-tradicional. A gente foi meio que vendo na prática, assim, vendo o que funcionava, o que não funcionava e, aí, a gente ia adaptando o nosso relacionamento para se encaixar no que era melhor pra gente, assim, pro que a gente sentia, para como a gente queria fazer as coisas.

Stephanie: É, comigo, no meu relacionamento anterior era mais diferente, nesse sentido, porque era, justamente, eu tinha a ideia de ciúmes bem desconstruída na minha cabeça, assim, de certa forma, porque eu era muito apegada à ideia de que o amor que existia naquela relação ele era só nosso. Então, ninguém ia tocar naquele amor, digamos assim. Então a gente estava protegido naquilo e, as outras pessoas, elas eram, enfim, histórias casuais, assim, que aconteciam. E aí, a gente tinha regras, então não sair com a pessoa, tipo, várias vezes, ou, se saía, aí a gente tinha que conversar e tudo mais. E aí, também eu fui vendo como isso, no fundo, não fazia muito sentido porque você acaba se envolvendo com as pessoas meio sem controle, às vezes, né.

Isabella: Sim, é. Eu acho que entra uma parte de que são sentimentos que você deixa [Stephanie: É!] de controlar. Quando você está com alguém novo ou…

Felipe: [Interrompe] Quando você se coloca nessa posição você já está abrindo mão um pouco desse controle também, né.

Stephanie: Exatamente!

Isabella: É, eu acho que sim.

Stephanie: É, e aí, quando eu conheci a Isa e o Felipe, a gente falava, conversava muito disso. Então, veio também essa desconstrução da ideia de que você só ama uma pessoa. Porque é isso, você se relaciona com pessoas diferentes, obviamente, o que você constrói com elas é diferente, nunca vai ser a mesma coisa. E as pessoas perguntam muito, né, sobre, tipo: “os desafios”; “que é muito difícil” [risos]; “ai, como vocês conseguem”, porque parece, nossa, uma, assim, como se fosse…

Felipe: [interrompe] Tem aquele famoso comentário: “na teoria é lindo, mas [Stephanie: É!], na prática…”

Stephanie: É, na prática!

Isabella: Sim!

Stephanie: E aí é muito engraçado porque, na verdade, é muito mais simples do que parece. Porque são os mesmo desafios de qualquer relacionamento, assim, você tem que ser sincero com a pessoa, honesta, não ficar querendo competir com a pessoa que divide a vida com você, sabe.

Isabella: Precisa ter muita conversa, assim [Stephanie: É!]. É que a gente vê de uma forma (e aí eu acho que nós três vemos dessa forma, o Gabriel também, que ele não está aqui mas ele está no meio disso) vai de uma coisa de você saber que você vai precisar aplicar tudo o que está num relacionamento tradicional, nesse relacionamento, elevado a mil, [Stephanie: É!] provavelmente. Porque a gente estava até discutindo, antes de começar a gravar, que um relacionamento monogâmico se sustenta muito mais tempo sem conversa, sem troca de ideias, sem sinceridade, enquanto um relacionamento como o nosso, ele rui muito rápido. Porque a gente, justamente, se propõe a ter essa estrutura mais frágil para que o convívio seja muito mais forte, porque é isso que é bom, né, pra gente.

(Bloco 20) 1:35’12” – 1:39’14”

Stephanie: É… não, e é muito isso, a gente conversa muito o tempo todo, a gente convive juntos, não existe isso de tipo, ai, cada dia para uma pessoa ou tipo, ai, não posso saber o que acontece entre a Isabella e o Felipe e a Isabella não pode pode saber o que acontece entre a gente. Não existe nada disso, porque eu acho que isso é uma ideia que fazem de um relacionamento poliamor que é muito mística assim [Isabella: É, acho que sim] e na prática não se sustenta porque aí você acaba criando essas outras coisas, tipo ciúmes, competição…

Felipe: [interrompe] É que na verdade tudo isso é muita abertura para treta.

Stephanie: É, exatamente!

Isabella: Sim, exatamente, é… exatamente.

Stephanie: E é muito, muito, muito mais simples do que parece.

–//–

Ana Canosa: Eu acho que dizer que as pessoas têm que ser monogâmicas ou que elas não têm que ser monogâmicas é uma grande bobagem, porque cada história é uma história… que tem história, veja, tem dados do que aconteceu, como é que é esse casamento, como é que é essa pessoa, como é que ela se põe no mundo, que que ela sente falta, ela vai sair e vai voltar com mais energia ou ela vai sair e voltar depressiva olhando pro parceiro achando que meu, “puta, tô com o outro lá”? [Janaína: Culpada, mal…] Imagina.

Ju: [interrompe] E sabe de uma coisa que a gente não falou? Do quanto você investe na relação [Ana: Exatamente!], porque daí é assim: poxa, a gente já tem o que você tava mesmo falando, ah já é difícil ter energia pro meu parceiro, aí você gastou energia lá e você não está aqui, entendeu? Então, isso é muito difícil, eu acho que é muito mais complicado do que o sexo em si. A sua atenção está lá, você está no celular com a outra pessoa, flertando e criando a situação pra conseguir e você não está aqui, presente de coração e de alma pro que precisa. Então, é o que você estava falando de assim, pode ser uma saída pra você se conhecer e se permitir e ser mais pleno, mas pode ser uma saída para você sempre fugir, então não estar. Então assim, eu não estou plenamente aqui porque assim, deu problema aqui, tá chato, tá ruim, tá rotina, ao invés de eu investir aqui, ao invés de eu construir aqui, eu vou buscar o que eu preciso fora, e aí eu tô sempre nesse ciclo que nunca vai construir, nunca vai evoluir, nunca vai ser maduro, porque eu não me dôo o suficiente aqui. [Ana: Exatamente!]. Eu acho que uma coisa [Ana: É.] não impede a outra, né? Então ao mesmo tempo que não existe isso de que necessariamente as pessoas que buscam relacionamentos fora da monogamia são imaturas, como você falou [Ana: Exatamente], não necessariamente as pessoas que têm esse relacionamento são maduras

Ana: Exa…é isso aí!

Janaína Não tem regra pra nada, na verdade.

Ana: É isso mesmo, não tem regra [Ju: A regra é: não tem regra]. A gente se incomoda até com Whatsapp das pessoas, do nível de autonomia que a gente tem com as redes sociais, com o parceiro.

Cris: Eu acho que é com essa discussão que a gente encerra. O raciocínio aqui, eu acho, que é justamente questionar o modelo que nos foi colocado e entender que ele é passível de falha e entender outros modelos e entender que eles são passíveis de falha, porque na verdade todos eles são vividos por seres humanos, que têm falhas. O que funciona pra um, pode não funcionar pra outro. O que faz um feliz, pode não fazer o outro feliz. Isso depende muito do que cada um precisa e do que cada um está disposto a arriscar ou suportar. Eu acho que é uma conversa de foro muito íntimo e que serve como uma reflexão, um ponto de partida e uma discussão saudável, para que as pessoas entendam que: vamos colocar o possível na mesa, porque aí a gente é mais sincero um com o outro e como que a gente pode continuar construindo um relacionamento saudável, se em algum momento a gente entender que não tá funcionando mais? Então eu acho que fica a reflexão.

Ju: É e principalmente que você é livre, que te colocaram um modelo como se fosse o único, mas não é, existem possibilidades. E pensar fora desse único modelo faz você se sentir muito mais confortável se você escolher esse modelo, porque ele vai te servir melhor, você vai acreditar nele, você vai saber que não foi uma coisa que você herdou, foi uma coisa que você escolheu, consciente, e aí se você tiver mais confortável nele, você vai viver melhor.

Cris: E isso depende da conversa com o seu parceiro, porque precisa funcionar pros dois pra dar certo.

(Bloco 21) 1:39’15” – 1:45’25”

Ana Canosa: É, e olha, eu vou dizer assim pela experiência que eu tenho em consultório, de todos os casos de infidelidade conjugal que eu já acompanhei, que eu tive a… o privilégio de acompanhar, né, eu vou te dizer que aquelas pessoas – e aí é um recado para todas as pessoas [risos] que estão nos escutando – [Cris: Fica a dica!] que aquele parceiro que está de frente com o desejo do seu parceiro por outro, né, e que se vê assim totalmente destituído, com medo do abandono… é, enciumado… se esse parceiro entra pelo lado da compreensão, né, de que o outro é falível, de que isso aconteceu… ele se torna muito mais admirável pra quem está sofrendo uma dualidade emocional do que qualquer outra pessoa.

Cris: Ficar ao lado.

Ju: Isso não é sinal de fraqueza.

Ana Canosa: Ficar ao lado, isso é… É lindo, porque você quando se sente de fato desnudo, despido, porque você se depara também com o seu próprio preconceito, com a sua própria crença, com aquilo que você falou, Ju, assim, “será que eu não amo, será que eu não tô sendo sacana?” E o outro fala assim: “senta aqui que, meu, eu tô, tá doendo…”

Ju: [interrompe] Que a gente tem que estar acima disso.

Ana Canosa: …tá doendo, mas eu tô te entendendo.

Janaína Reis: Reforça a conjugalidade incrivelmente. O importante é que as pessoas sejam fiéis ao que elas realmente acreditam, o que elas acreditam que é o melhor pra elas. Assim, se eu puder dar alguma dica pra elas, é, eu acho que, eu acho que seria essa.

Cris: Boa! Vamos então pro Farol Aceso?

Ju: Bora.

[Sobe trilha]

[Desce trilha]

Cris: Vamos então pro Farol Aceso? Ju, que que você manda?

Ju: Eu indico pra vocês que se interessaram pelo tema, ler o texto “Prisão Monogamia do Alex Castro no Papo de Homem. Foi o primeiro texto que eu li sobre esse assunto, e me fez pensar um monte. Ele é super didático, ele vai desconstruindo ponto por ponto, ele vai construindo essa ideia, tirando os preconceitos que a gente tem, os tabus que a gente tem, questionando. É muito bom, leiam. E… pra essa pauta eu escutei três podcasts sobre monogamia, e dois tinham uma abordagem super científica, assim, super, quer dizer, baseada na biologia evolucionista. Eu achei super pobre, eu achei o programa… assim, a discussão, pobre, sabe? E aí eu escutei um episódio super antigo, o episódio 95 do This American Life. Como esses caras sabem contar uma história, que jeito sensível de falar! Assim, todo mundo que consegue escutar em inglês, recomendo muito que vocês ouçam. É o This American Life episódio 95, chamado Monogamia. Puta, acho que tem mais de 15 anos esse episódio, pra vocês terem noção de como é antigo, eles falam “pra quem se interessar por esse episódio, vocês podem nos escrever pra comprar uma cassete do episódio!”

[Risos]

Ana Canosa: É antigo mesmo!

Ju: Porque é rádio pública, né? Então, assim, sensacional. E eles vão também contando histórias para nos questionar como que a gente sente, como que a gente lida com ciúme e tal. O jeito de abordar, o storytelling, a trilha é perfeita. Enfim, escutem o This American Life.

Cris: Ana, que que você vai indicar pra gente?

Ana Canosa: Olha, sobre o tema, eu gosto muito de um filme que chama As pontes de Madison.

Ju: Aaai, lindíssimo.

Cris: Pega o lencinho!

Ana Canosa: Pega o lencinho porque eu acho que mostra mesmo essa dualidade amorosa e essa decisão difícil, né, de ser ou não, de manter ou não a monogamia num relacionamento. É um filme que é muito tocante, né? Gosto muito de Dois mais Dois, que é um filme argentino, de um casal que vai praticar swing e um deles… E depois a mulher acaba se apaixonando. Muuito divertido, mas ao mesmo tempo vai trazendo reflexões sobre esta questão do quanto a gente abre ou não abre a relação, o que é que experimenta, ou não, o que é que pode dar. Bem legal, com… Eu acho super… eu acho que eu indico esses dois filmes como um mote aí para essas discussões todas.

Cris: Delícia! Jana, que que você vai indicar?

Janaína Reis: Então, eu acho que, na verdade, assim, não tô conseguindo me lembrar de nada agora assim de bate-pronto [risos], mas eu vou indicar um livro que eu tô lendo. Tô relendo, na verdade, que é Mulheres que Correm com os Lobos, que eu acho que é um livro bem legal assim, e sempre que eu leio e releio eu gosto bastante.

Ju: Fala sobre arquétipos femininos, né? Essa construção do que é feminino, de como a gente vê o feminino que é muito legal.

Janaína Reis: É, tô muito nessa onda do feminino…

[Risos]

Ju: Cris, e você?

Cris: Eu vou indicar, fugindo um pouco do tema, eu acho que a gente vem numa toada de notícias e de situações tão conflitantes, tudo exige tanto do nosso pensamento, da nossa capacidade de dialogar, de ouvir… Isso cansa, né? É um exercício muito cansativo. E eu quero indicar pra vocês um quentinho no coração no meio dessa confusão toda, que é a segunda temporada de Master of None. A primeira temporada eu assisti meio… “tá, vamos lá”, achei legalzinho, mas mais ou menos… Mas fui assistindo, curtindo, legalzinho, vamos lá. A segunda temporada é tão fofa, mas é tão fofa, e tem também uma… uma situação de amor – ele se apaixona, ele tá vivendo na Itália, né? Acaba a primeira temporada ele indo viver na Itália, então tem um pouco dele lá, um pouco dele de volta à Nova Iorque. Sabe quando acaba o episódio e você está sempre com um sorrisinho de canto de boca? É isso. É uma série gostosa, leve, que não vai te fazer pensar muito e vai te deixar na good vibe. Então, eu indico aí Master of None.

Ju: Temos um programa, Cris?

Cris: Temos um programa! Fica a gostosa sensação…

[Risos]

Ju: Eu com uma voz rouca especialmente pra esse episódio…

[Risos]

Cris: A gente provocou isso, né?

Ju: Exatamente.

Cris: É agradecer as meninas por estarem aqui conosco. Espero que mais vezes estejamos juntas, muito obrigada! Beijo gente!

[Sobe trilha]

Ana Canosa: Obrigada, beijo!

[Desce trilha]

[Vinheta: este podcast foi editado por Caio Corraini]