Transcrição - Mamilos 97: Crack, Pixo e a Cidade • B9
Mamilos (Transcrição)

Transcrição - Mamilos 97: Crack, Pixo e a Cidade

Mamilos • Mamilos (Transcrição)

Capa - Transcrição - Mamilos 97: Crack, Pixo e a Cidade

Jornalismo de peito aberto

Esse programa foi transcrito pela Mamilândia, grupo de transcrição do Mamilos

Início da transcrição:
(Bloco 1) 0’ – 10’59”
[Vinheta de Abertura]
Esse Podcast é apresentado por b9.com.br

[Sobe Trilha]
Trilha instrumental
[Desce Trilha]

Cris: Mamileiros e Mamiletes, olha o Mamilos 97 entrando na sala para bater um papo, aquele papo maroto. Eu sou a Cris Bartis e “essa” ao meu lado é…
Oga: Oga Mendonça.
Cris: Meu deus! [entre risos] O que é que aconteceu? Gente, a Ju tirou uma semaninha de férias, tá curtindo com as crias um pouquinho. Amiga, você merece demais essas férias, aproveita aí! Agora, meu povo, segura na minha mão que eu nunca remei isso aqui sozinha sem a Ju e por isso a graciosidade e presença do meu camarada Oga que veio aqui me ajudar a tocar esse barco. Vem com paciência e carinho que estamos aqui para honrar esse espaço construído com muito pela nossa Diva Laura, não é, Oga?
Oga: Olha a responsa, gente! Vai ser difícil, hein? Vou mandar uns “Bah”, uns “Tchê” no meio aí só para tentar dar uma gauchada aqui. [Cris: [interrompe] Isso! Ela nem tem muito sotaque eu propor essa homenagem…
Cris: [interrompe] Mas calma que tem convidado pra ajudar… Calma…
Oga: Tá ótimo. Então vem agora o ‘Som do Mamilos’. Caio, muso dos games… Dizem que ele tem a voz bonita também…
Cris: [interrompe] Tem. Conconrrente seu…
Oga: É, meio que rola essa rincha… Tá certo… E manda-chuva do Mamilos, que som que a gente vai curtir agora, Caio?
Caio: Olá, personas. Corraini aqui novamente para trazer para vocês os responsáveis por dar mais cor ao Mamilos dessa semana. Lembrando sempre que se você quiser colaborar com o conteúdo musical deste programa pode nos recomendar bandas ou artistas independentes no e-mail [email protected], [email protected].’brrr’. Facilita e muito a minha vida se vocês enviarem os links do site oficial do artista ou então onde nós podemos buscar download direto das músicas dele para utilizar no episódio. Nessa edição, nós iremos ouvir o “Camarones Orquestra Guitarristica”, um grupo instrumental potiguar que passa por diversos estilos das guitarras, como SKA e Rockabilly. Então fiquem aí com Camarones no Som do Mamilos.

[Sobe trilha]
Trilha instrumental
[Desce trilha]

Cris: E tem beijo. Tem ‘Beijo Para’: Itapira, São Paulo.
Oga: Pelotas, Rio Grande do Sul.
Cris: E beijo para Sean Penn, em Illinois, nos Estados Unidos. Chique demais!
Oga: Illinois [pronuncia-se ilinoi] é muito bom porque você fala “IllinoiS”.
Cris: [interrompe] Eu tinha um amigo que chamava…
Oga: Illinois é bem mais legal, né? IllinoiS.
??????: IllinoiS.
Oga: IllinoiS, “eu moro em IllinoiS”. Cara, mas essa semana em IllinoiS… Que bem mais legal, né? IllinoiS, mano…
??????: Estava champagne e tomo IllinoiS…
Cris: [Risos] Já vi tudo… E Fale com o Mamilos! Você pode falar com a gente no Facebook, no Twitter, na página do Mamilos no B9 ou no nosso e-mail [email protected]. A gente tem aqui uma equipe “cheirosa” para atender: edição e Som do Mamilos, Caio Corraini; redes sociais, Luana Gurgel, Guilherme Yano e Luiza Soares; apoio à pauta, Jaqueline Costa e grande elenco; transcrição dos programas, a musa Lu Machado e equipe. A nossa coordenadora de pauta, Jaqueline Costa, está se mudando oficialmente hoje para Buenos Aires. Desejamos a ela toda sorte do mundo nessa nova etapa da vida dela mas ela continua com esse cargo honorífico aqui nesse Mamilos. E se você ama, adora, “mooorre” por causa desse projeto, contribua com ele no Patreon: patreon.com/mamilos. E tem merchand essa semana, Oga?
Oga: Nossa, tem um merchand especial!
Cris: Conta aí!
Oga: O talentoso pai da Thamires, meu brother Agê…
Cris: [interrompe] Olha! Aquele cara que é casado comigo nas horas vagas?
Oga: Tava tentando disfarçar o jabá, mas, obrigado, já dou spoiler.
[Risos da Cris]
Oga: Então é o seguinte. O Agê, ele é fotógrafo… Aliás, um talentoso fotógrafo, Agê Barros. Tem que falar chique [Cris: [interrompe] Chique!]quando é assim, né?
Cris: [interrompe] O senhor Bartis. [Risos]
Oga: Olha, senhor Bartis. Lindo. [Risos] Está com uma exposição muito muito muito linda no Memorial da América Latina que chama “Brasil Israel: olhares sobre povos e culturas” e expõe as fotos que ele fez lá em Israel e também tem fotos que um israelense fez aqui em São Paulo. Meio que troca essa visão, né? E uma imagem mais linda que a outra. As fotos comprovam que temos muito mais em comum do que pensamos e derruba muitos preconceitos pelo caminho. Vale a pena conferir. É de grátis, na Biblioteca do Memorial, de segunda a domingo, das nove às dezoito horas, até o dia 25 de fevereiro. Facinho de chegar, é só descer na Estação Barra Funda, vai no Memorial da América Latina, descobre lá onde é a biblioteca.
Cris: [interrompe] É só entrar no portão ali na frente da estação e ir reto…
Oga: Eu nunca sei onde é…
Cris: Fica bem na frente assim…
Oga: Ah! Aquele redondo, não é? Aquele redondinho.
Cris: Isso!
Oga: Geralmente exposição é lá mesmo.
Cris: Eu sou suspeita para falar mas construir pontes é uma coisa meio de família e o Agê está aí para provar que ele faz isso muito bem também.

[Sobe trilha]
Trilha instrumental
[Desce trilha]

Cris: Vamos então para o Fala Que Eu Discuto. A Ramona escreveu no site: “Spoiler? Eu acho que a Dolores demorou 40 anos para chegar à consciência porque a última coisa que ela precisava, somando a tudo isso que vocês falaram, era revisitar aquela cidade que foi coberta pela areia, aquela cidade em que ela matou todo mundo como Wyatt, com ajuda do Teddy, e o Ford a escondeu para não levantar um escândalo. E essa cidade só foi reaberta depois de 40 anos quando o Ford quis fazer a nova narrativa. Adorei o programa, meninos e meninas”.
Oga: O Diogo Otache dos Santos mandou: “Escrevo só para dizer que o episódio 96 me deixou com um problemão: de onde eu vou tirar tempo para assistir WestWorld de novo? O programa foi ótimo, gurias. Parabéns”.
Cris: Muito bom.
Oga: Gurias já deu spoiler, hein? Da onde é…
Cris: Super. Quem nos escreveu também foi o Lucas Wallauer de Melo… O sobrenome me parece um pouco familiar… “Fala, galera! Baita episódio sobre WestWorld o último mamilos. Parabéns pela ótima forma de contar a história, pelos arcos que foram dos mais óbvios aos mais complexos, além de terem escolhido pessoas que contribuíram e muito para discussões sobre o impacto de e na mente. Achei que tiveram insights muito oportunos e que serão super bem cultivados com pessoas que viram a série, inicialmente, sem perceber esses detalhes. Talvez alguns repetirão a dose e terão um confronto bem interessante com sua própria voz da consciência. Contudo, trago uma crítica e não podia ser diferente. Entendo que exista uma visão mais humanista entre vocês pelo ponto simples que compartilham de tal visão, no entanto vocês se propõem a trazer especialistas de cada área ou assunto que se propõem a abordar mas não trazem alguém, ou consultam alguém, para dar uma luz sobre outra parte constante da narrativa dessa série, e de tantas outras, que é o conflito moral e ético que existe no pensamento de nossa sociedade, tanto ocidental como oriental, construída em cima do conhecimento judaico-cristão que é a bíblia. Ao pensar que tantos ouvintes cristãos que ouvem e respeitam a opinião de vocês foram levados a questionar o que pensam por um único ângulo e que são as críticas de sempre sobre a construção de um deus vingativo controlador tirano do antigo testamento com um novo deus amoroso que se entrega no novo testamento. Fiquei me questionando se não há outros ângulos que talvez desconstruíssem essa visão se analisadas por pessoas que não leem a bíblia ou a sua narrativa por esse prisma. Como o podcast se propõe analisar o todo para que as pessoas possam escolher, assunto esse que é o tema central da série, creio que além da mente poderia ter sido abordada essa perspectiva da influência judaico-cristã na formação da mente de quem está por trás de quem faz e interpreta o WestWorld. A bíblia ainda é um conteúdo que influencia séries, mentes, governos e ideologias, afinal de contas, ainda estamos tentando descobrir: somos um reflexo ou formadores daquilo que vivenciamos?”. Lucas, eu vou levar esse comentário, esse e-mail, como um convite. Então, se prepare ser o nosso consultor de assuntos bíblicos.
Oga: É legal também que vocês sempre frisam isso, né? O programa não termina ali, né? É justamente, o Lucas complementou e é essa a idéia, né, tipo, já está continuando o episódio [Cris: [interrompe] Exatamente.], está continuando a discussão. Demais, demais essa observação. Agora a Camila Cordi: “Achei a abordagem que vocês fizeram sobre a consciência através da série muito completa, mesmo sendo um tema bastante complexo. Ficou um cast muito gostoso de ouvir. Infelizmente esse tipo de discussão tem sido rara com as séries. Talvez por serem mais vistas como um produto de consumo do que como uma obra, muita gente e incomodou com o ritmo e não procurou absorver a série de fato. Mas o Mamilos fez justiça. Ah! Acho que vale a pena mencionar a trilha sonora, não só por terem ótimas versões instrumentais de música pop, mas elas também contribuem com a narrativa. Muitas versões das músicas do Radiohead acompanharam a trajetória da Maeve e reconhecê-las me ajudou a entender melhor os sentimentos da personagem e, não à toa, sua narrativa também foi a minha favorita. É por isso que gosto tanto do trabalho de vocês, seja com assuntos como aborto, suicídio, adoção ou algo mais leve como uma série de TV. Vocês sempre encaram o assunto com cuidado e seriedade. Beijos, Camila”. Que bonitinho, ela terminou que nem carta. Acho tão bonitinho gente que termina igual carta.
Cris: É muito fofo.
Oga: Eu nunca faço isso. Eu termino sempre com uma gracinha idiota assim… Valeu, paz, brow

[Sobe Trilha]
[Desce Trilha]

(Bloco 2) 11’ – 20’59”
Cris: Vamos então ao giro de notícia. Caos no Espírito Santo: a greve da PM do Espírito Santo fez o estado mergulhar no caos e crime. Só na Grande Vitória, foram registrados até o início da noite de segunda-feira 62 assassinatos. Diante de tamanha tragédia, o estado pediu ajuda ao exército, que foi para as ruas. Além de assustadora, a situação do Espírito Santo deixa questões no ar: a primeira, com relação a própria greve: militares são proibidos pelo Código Penal Militar de fazer greve ou paralisação mas, de acordo com a PM, não existe greve, e sim, que os policiais estão impedidos de sair porque seus familiares estão realizando manifestações em frente aos quartéis, algo no mínimo inusitado. A segunda questão com relação à posição do governo. A PM do Espírito Santo tem um dos mais baixos salários da categoria. O movimento reivindica reajuste, aumento adicional de insalubridade, melhoria das condições como reparo das viaturas, equipamentos novos, coletes à prova de bala. As consequências dessa paralisação são claras e críticas, porém, ao que tudo indica, o secretário de Segurança, que está no cargo já há seis anos, não quer dialogar. Enquanto isso, o estado afunda na violência.
Oga: Alexandre de Moraes indicado por Temer para o STF. E como profetizado pelo Mamilos, a suposta nomeação de Ives Gandra Filho para o STF não passou de cortina de fumaça para salvaguardar o nome real. O presidente Temer indicou para a vaga de Teori Zavascki seu ministro da Justiça, Alexandre de Moraes. À frente do Ministério da Justiça desde a posse do atual presidente, Moraes não tem demonstrado uma boa performance que justificaria uma nomeação; ao contrário, em seus dias como ministro, tem colecionado feitos nada elogiosos, que vão desde o desvio de dinheiro do Fundo Previdenciário para montar uma própria Polícia, a ser desmentido publicamente pelo governo de Rondônia após dizer que não havia recebido pedido de ajuda para a situação das penitenciárias do estado, além de um currículo pouco invejável, em que pesa também contra Alexandre de Moraes a suspeita de enriquecimento ilícito e ainda o fato de ser filiado a um partido – o PSDB – o que não é adequado a alguém que deverá julgar de forma imparcial políticos de todo e qualquer partido. O ministro anunciou que pedirá a desfiliação, mas será tão simples assim, cortar os elos? Resta também lembrar que o Alexandre de Moraes foi escolhido para ministro por ser uma pessoa muito próxima a Temer, que é citado na Lava Jato.
Cris: Número 3: Serena Williams faz história. Serena Williams tornou-se a maior campeã de tênis desde o início da temporada de abertos, conquistando o seu 23º título, que garantiu-lhe o desempate com Steffi Graf, detentora de 22 taças. Nas palavras da atleta, esse título não poderia ter sido melhor desenhado: ela venceu a disputa acirrada contra sua irmã Venus no Aberto da Austrália, onde ela ganhou seu primeiro torneio de Grand Slam. É o 7º título australiano tendo vencido 2 dos 3 últimos torneios em Melbourne. Ela conquistou também 7 títulos em Wimbledon, 6 US Open e 3 Rolands Garros. A vitória de Serena coroa a carreira das irmãs como guerreiras e donas de uma biografia memorável. Juntas, enfrentaram obstáculos ao longo dos anos, que se impuseram a elas enquanto atletas e enquanto pessoas. Serena enfrentou problemas de saúde, que ameaçaram sua vida, enquanto Venus convive com uma condição autoimune. Aí, já tem batalha suficiente, mas as irmãs também se mantiveram sólidas enquanto sofriam críticas implacáveis e injustas da mídia, insultos sexistas, e também, mais visivelmente de todos, o racismo estrutural no tênis como esporte. A história das duas irmãs ocupa um lugar de destaque no esporte internacional, modelo quando se trata de superar as barreiras institucionais para o sucesso negro.
Oga: A morte de Marisa Letícia: no dia 2 de fevereiro, morreu Marisa Letícia, ex-primeira-dama, no Hospital Sírio Libanês, onde estava internada havia 10 dias, vítima de um acidente vascular cerebral. Foi companheira do ex-presidente Lula por 43 anos, a quem conheceu em 1974, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, lugar que foi escolhido para o seu funeral. Marisa foi babá ainda criança, e teve o seu primeiro trabalho formal ainda aos 13 anos, como embaladora de bombons. Participou do nascimento do Partido dos Trabalhadores (PT), e até costurou camisetas para garantir alguma renda para o então pequeno partido. Quando o Hospital declarou publicamente sua morte, o também ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi até o Sírio Libanês visitar e prestar condolências a Lula, repetindo o gesto deste último quando, em 2008, FHC perdeu sua esposa e companheira, Dona Ruth Cardoso, vítima de problemas cardíacos.
Cris: A morte da Marisa tirou o melhor e o pior do que existem das pessoas. Tirando todo o chorume de lado, eu acho que a foto do FHC indo lá, se solidarizar com a perda do Lula, mostra que mesmo na guerra e nos piores inimigos, precisa de humanidade, então eu acho que esse símbolo é maior que o chorume todo que aconteceu.
Número 1: Justiça suspende obrigação de depositar, por parte das mineradoras. A Justiça Federal suspendeu por tempo indeterminado a decisão que obrigava a mineradora Samarco e as acionistas Vale e BHP a depositarem 1,2 bilhões como garantia de futuras ações de recuperação e reparação dos danos socioambientais decorrentes da tragédia de Mariana, Minas Gerais. A decisão ocorre após as mineradoras assinarem um Termo de Ajustamento Preliminar com o Ministério Público Federal que estabelece que as mineradoras devem contratar especialistas indicados pelo próprio Ministério para analisar o andamento dos programas de reparação dos danos da tragédia ambiental de Mariana. A reparação foi negociada em um acordo entre a Samarco, a Vale, a BHP, o Governo Federal, o Governo do Estado de Minas Gerais e do Espírito Santo. O documento estima um investimento de 20 bilhões ao longo de 15 anos. A Justiça ainda analisa se homologa esse acordo, cujos termos são contratados pelo Ministério Público. Em uma ação impetrada na Justiça Federal que tramita paralelamente, o Ministério Público calcula o prejuízo de 155 bilhões de reais.
Vamos então ao tema nº 1: Relatório apresenta agenda positiva para reduzir os danos do crack no Brasil. E para conversar um pouco sobre esse tema em específico, a gente tá recebendo aqui hoje a Nathalia Oliveira. Oi, Nath, tudo bem?
Nathalia: Tudo bem! Boa noite para todo mundo, para você também.
Cris: Vamos lá, por favor se apresente.
Nathalia: Bom, meu nome é Nathalia, eu sou cientista social de formação e trabalho com política de drogas há aproximadamente 5 anos. Hoje eu atuo com 3 organizações, trabalho com redução de danos e riscos associado ao uso de drogas no Centro de Convivência É de Lei, também trabalho com violação de gênero dentro do sistema de justiça criminal, no Instituto Terra, Trabalho e Cidadania e também coordeno a Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas.
Cris: Que currículo, meldelz!!! Não tenho nem roupa para conversar com essa pessoa. (risos)
Nathalia: Mas é que essas coisas, elas vêm todas muito relacionadas, né? Você tá num lugar, aí acaba participando do outro, aí de repente parece que é muita coisa, mas as coisas estão muito relacionadas.
Cris: Muito legal. Então deixa eu contar pras pessoas aqui um pouquinho sobre o que que a gente vai falar, qual é o fato. Populações em situação de rua que usam drogas existem em centros urbanos ao redor do mundo, e o Brasil não é uma exceção. São indivíduos que estão entre os grupos mais vulneráveis da sociedade, vivendo na pobreza, em geral com baixos índices de educação, muitos com histórico de passagem pelo sistema prisional, e expostos ao escrutínio público. As pessoas em situação de rua que usam drogas se encontram encurraladas entre a polícia e o sistema de justiça criminal, que as vêem como uma ameaça à ordem pública, e o crime organizado, que as trata como um mercado e fonte de renda e mão de obra. Assim como conversamos no Mamilos nº 3 – Drogas – é preciso buscar novas saídas. Pensando nisso, a Open Society Foundation, fundação internacional que promove a justiça e os direitos humanos, selecionou 3 programas de sucesso no Brasil para analisar a sua metodologia, e como eles alcançaram esses resultados. São eles: Aproximação, realizado pela ONG Redes da Maré no Rio de Janeiro, programa De Braços Abertos da Prefeitura de São Paulo, e Atitude – Atenção Integral a Usuários e Seus Familiares, do Governo do Estado de Pernambuco. O resultado é um relatório que está sendo lançado este mês, que analisa iniciativas locais de saúde pública, segurança e cidadania no Brasil e apresenta uma agenda positiva, com 5 lições aprendidas para tratar pessoas em situações de rua que usam crack. Então, Nathalia, quando a gente pára para ver esse universo enorme, eu queria saber de você que esteve diretamente envolvida com o pessoal que fez pesquisa, com qual situação vocês se deparam quando param para fazer uma pesquisa desse porte.
Nathalia: Acho que o grande desafio em fazer pesquisas é de produzir novos dados para pensar políticas sobre drogas. Acho que, ao longo desses últimos, pelo menos quase últimos 100 anos, a gente pensou políticas sobre drogas numa lógica bélica, então, de criminalização de pessoas que fazem uso de substâncias ilícitas ou que vendem e trabalham nesse varejo de uma maneira basicamente só encarceradora, ou mesmo assassinando essas pessoas, e aí a gente tem se deparado com o desafio do crack nos últimos 20 anos, no Brasil especificamente, em pensar como que a gente cria outras respostas para uma situação tão complexa. Então, olhar para esses 3 programas foi pensar em ver 7 lições que davam certo, que fortaleciam as políticas de drogas que garantiam direitos, que necessariamente não repetissem erros que não foram dando respostas positivas ao longo desses últimos anos.
Cris: Bacana! Falando um pouquinho sobre a metodologia que vocês utilizaram, porque vocês conversaram não só com os organizadores, que muito provavelmente tiveram felicidade em falar com vocês, mas também das pessoas atendidas; como que foi essa dinâmica?
Nathalia: A metodologia, ela aconteceu de maneira diferente, né? São pesquisas que tentam ter alguns dados quantitativos, mas em sua maior parte, qualitativos, que são programas de períodos curtos e tempos diferentes. O De Braços Abertos em São Paulo tem menos de 3 anos, o Atitude foi um programa que durou um pouco mais de tempo. Os dois são programas de governo, já a experiência da ONGs da Maré no Rio de Janeiro é uma experiência de uma ONG, num determinado território do Rio de Janeiro, que é da Favela da Maré. Então elas contaram com metodologias distintas que envolviam tanto questionários que as próprias organizações aplicavam para tentar criar indicadores sobre os programas, quanto diálogos com os próprios beneficiários do programa.
Cris: Como você mesma disse, o relatório passa por 7 grandes aprendizados com caminhos positivos tomados por esse programa. A primeira delas é não exigir abstinência dos usuários de drogas como pré-condição para participar dos programas de atendimento e assistência. Mas aí eu te pergunto: se essas pessoas não estão plenamente dispostas a romper com o uso, como que o tratamento pode dar certo?
Nathalia: É justamente um desafio mudar a ótica de para que serve o tratamento, essa lógica medicalizante de que os programas, eles têm que atingir um determinado fim, de que as pessoas parem de usar uma determinada substância, ele pode não funcionar. Por exemplo, tem gente que bebe álcool, que é uma droga permitida, a vida inteira, tem vários episódios problemáticos com isso, às vezes escolhe nunca mais beber, como tem gente que aprende a se cuidar, bebendo álcool. Então, necessariamente, o resultado desses programas de tratamento não é que as pessoas parem de usar determinada substância, como por exemplo o crack, é de que as pessoas, elas aprendam a se cuidar, ainda que fazendo uso de substâncias, e que elas não tenham menos direitos por fazer uso de uma substância, mesmo que ela seja proibida. Então, que essas pessoas também possam ter acesso á saúde, à assistência social, que os direitos dessas pessoas possam ser garantidos ainda que elas usem drogas proibidas.

(Bloco 3) 21’ – 30’59”
Cris:Entendi… A segunda lição é “ouvir os usuários e valorizar os vínculos familiares e relações existentes, bem como a sua autonomia, também se mostrou bastante salutar”, só que aí pensando sobre isso geralmente as relações sociais e familiares dessas pessoas estão muito desgastados né? Esgarça muita essa ligação. Como que é possível espaço no programa?

Nathalia: Buscar os vínculos familiares é uma das estratégias, acho que para quem tem, porque a parcela dessas pessoas se a gente olhar o resultado dos três programas é de que essas pessoas já vem de vínculos familiares muito desgastados e vínculos sociais muito desgastados que as vezes não existiram, eles não deixam de existir a partir do uso de drogas, ele já não existiram anteriormente. São pessoas de baixa escolaridade, de baixa ou nenhuma renda e a maior parte das pessoas são negras, então talvez a gente tem que fazer uma outra pergunta porque que pessoas negras no Brasil gozam de menos direitos sociais, e aí a
gente pode entender porque que parcela dessas pessoas têm vínculos familiares mais esgarçados, a maior parte dessas pessoas que hoje se encontra em situação de rua ela já nasceram muitas vezes na rua ou já dentro de instituições de cuidado, instituições totalitárias. Muitas delas passando por um histórico de
abrigos, depois Fundação Casa e depois cadeia e fica nesse ciclo rua/instituições. Então, quando é possível buscar o vínculo familiar ou o que é chamado de vínculos familiares é um outro tipo de vínculo que necessariamente não dá por uma questão de sangue é tentar resgatar o que essa pessoa construiu
de vínculo, é muitas vezes ajudar essa pessoa reconstituir as origens dela… quando é possível, quando não é a gente vai buscar junto com a pessoa o que que tinha simbolicamente de vínculo estabelecido, da onde ela veio, pra onde ela vai e o que faz com que ela se cuide.

Cris:Entendi. Outro fator também é “garantir moradia como fator-chave de estabilidade na vida dos usuários”, mas muitas vezes a gente vê que essas pessoas não querem deixar as ruas. Olhando de fora a gente pode até pensar, “mas meu Deus qualquer lugar é melhor que a rua”, então porque que às vezes é difícil para essas pessoas essa mudança?

Nathalia: Exatamente. A maior parte dessas pessoas pensam que as pessoas moram rua ou que elas não gozam de vários direitos. Não é uma opção, é uma consequência de um histórico anterior, na verdade o que os programas apresentam é que para as pessoas que é ofertado moradia elas aceitam
moradia… Então também é a gente não olhar para uma exceção, de fato pode ter gente que talvez não queira ter uma moradia ou talvez queira um outro tipo de moradia, mas isso já é uma exceção, o que o programa apresenta é que a maior parte aceita quando a moradia é digna.

Cris:Tem um outro fator que é interessante, muitas vezes essas pessoas com certeza não
tem a mesma constituição social do que nós e muitas vezes a rua é o que ela tem, ela tem uma liberdade de ir e vir, de estabelecer o local onde ela quer ir, os horários dela. Então eu tive esse aprendizado bastante recente quando aconteceu aquele frio muito forte em São Paulo e algumas pessoas eram convidadas para ir para o abrigo não iam e a gente falava: “mas como assim? ” Mas na verdade a única coisa que essa pessoa tem é a liberdade, quando ela vê essa liberdade cerceada… realmente precisa ter uma contrapartida para que ela seja
atraída para um lugar onde vai acontecer o estabelecimento de regras.

Nathalia: Exato, até então antes de braços abertos as experiências que a gente tem de abrigamento para as pessoas estão em situação de rua em São Paulo são os albergues. Os albergues tem regras rígidas, as pessoas não podem entrar se tiverem feito uso de substâncias psicoativas, seja álcool, seja pedra, seja maconha, se elas tiverem muito alteradas… tem horário para entrar, tem horário muito cedo para sair, então até às 6:00 da manhã essas pessoas já tem que está na rua, tem um banheiro coletivo… enfim,
tem uma série de questões a nessas moradias coletivas que de fato leva a gente primeiro a pensar se isso é moradia, porque morar em um lugar envolve ter autonomia, ter liberdade para entrar, para sair, você ter o próprio controle da onde você deixou suas coisas, como você deixa. Tem várias situações nos albergues de São Paulo, que as pessoas deixam as coisas no armário, os únicos pertences que têm, e chega lá, tá arrombado… Então necessariamente esse modelo não é uma moradia. Então a pessoa pode ser convidada para ir para albergue, mas ela prefere não ir para o albergue, porque ela vai ficar sendo submetida a uma série de fiscalizações ali que cerceiam a liberdade dela. A resposta está na sua pergunta.

Cris: Tem uma outra lição que é proporcionar oportunidade, emprego e geração de renda para ajudar a inserir os usuários no mercado de trabalho e também na comunidade. Sem dúvidas ser produtivo e gerar renda é um grande incentivo, e aí a gente entra numa outra dicotomia que é: com tantos trabalhadores desempregados como conseguir reinserir nessa vida social pessoas que passaram grande… estão desacreditados inclusive, por esse grande tempo fora, a margem da sociedade.

Nathalia: Acho que a gente tem várias formas de emprego, né? A gente vai pensar desde as condições trabalhistas formais no mercado formal, e da geração de renda também dentro do mercado informal. Muitas vezes quando a gente pensa em treinamento e geração de renda a gente só pensa num quadro do mercado formal. A questão é que nos últimos 12 anos a gente não passou uma situação de desemprego no Brasil, pelo contrário a gente passou por uma situação de pleno emprego e o que se propõe nesses projetos de geração de renda é prioritariamente com que essas pessoas pensem ocupações capazes de empreender e
pensar no seu próprio sustento que pode ser dentro do mercado formal ou dentro do mercado informal, então é exatamente às vezes pensar… o que que essa pessoa já faz, o que ela já tem sabedoria, o que ela já constrói de rede e que isso de alguma maneira se reverta em uma moeda social para que ela consiga continuar subsistindo.

Cris: Isso é muito interessante, porque a gente tá acostumado aos saberes tradicionais, né? Mas uma pessoa que mora na rua com certeza ela tem saberes, porque tem um “corre” ali, tem um “se vira” ali, que muitas vezes… e até uma flexibilidade que a gente não pode desconsiderar esse saber, né? Um saber totalmente empírico e que pode ajudar a construir negócios mesmo.

Nathalia: Exato, assim pensando no sistema econômico que o tempo todo se modifica, a gente passou por um período de pleno emprego, agora a gente tá passando por um período de recesso econômico… essas economias que às vezes se dão na formalidade ou informalidade, elas o tempo todo são repensadas e reinventadas. Eu acho que o grande desafio quando a gente capacita essas pessoas para gerar a
própria renda, é de como que elas vão otimizar o que elas já fazem para que isso vire subsistência, então às vezes a gente tem uma pessoa que produz uma coisa que é chamado de uma maneira desqualificada como artesanato, com uma coisa secundária e às vezes uma pessoa que tem um networking, tem uma posição
melhor na sociedade ela transforma aquilo e vira um grande artista. Então acho que desafio é justamente fazer com que essas pessoas consigam se organizar e pensando no próprio sustento de uma maneira que não envolva mais vulnerabilidade, então que o sustento não seja o tráfico, que o sustento não seja a exposição a
outras vulnerabilidades como, sei lá, a própria prostituição que submete as pessoas outros riscos de violência… é criar outras oportunidades de geração econômica.

Cris: Isso leva até a outro aprendizado também que é criar medidas para reduzir a vulnerabilidade das pessoas em situação de rua que usam drogas relacionadas à violência homicídio. Eu queria que você desse um pouco de exemplos dessas medidas, do que que a gente tá falando.

Nathalia: Eu acho que na verdade esse é um dos grandes desafios quando a gente quer pensar uma política municipal relacionada a drogas. A política de drogas se encontra de uma maneira dividida em vários setores, então ao mesmo tempo de uso de substâncias é uma questão de cuidado pela legislação brasileira, e não é uma questão da esfera penal, o tráfico… várias situações de uso que podem ser configurados como tráfico, elas são situações que são da esfera penal, então isso pode fazer com que o tempo todo as forças de Segurança Pública regulam as relações e intervenham nessas relações. As forças Segurança Pública não têm, ou basicamente não tem, nenhuma regulamentação, elas são poderes bélicos do Estado inclusive para agir com esses usuários. Então é a questão mais delicada, que é como diminuir o índice de letalidade policial sobre essas populações, por exemplo: Quando a gente tem em várias comunidades mais pobres no Brasil o uso excessivo da força policial e a justificativa é o combate ao tráfico de drogas, todas as pessoas que estão naquele território, elas em tese morrem, ou têm suas casas invadidas, ou são impedidas de sair de casa por conta de tiroteios e a justificativa é que a polícia está combatendo o crime organizado tráfico de droga.

(Bloco 4) 31’ – 40’59”
Nathalia: Então muita gente morre nessa guerra, e isso vai aumentar o índice de homicídios que necessariamente não tem a ver com o tráfico de drogas, não tem a ver com o uso de drogas. Então na verdade eu acho que isso é um grande gargalo, então quando você pensa numa política municipal, ela tem um limite, porque o município ele não tem controle sobre as ações das polícias que, via de regra são estaduais ou são federais [=Cris: ficam desconectadas] Nathalia: fica totalmente desconectado e as polícias elas são né, as que fazem as fiscalizações na rua, as polícias são militarizadas então elas só se submetem à orientação militar né, e a orientação militar é uma coisa quase à parte nos governos estaduais, muitas vezes não se submete aos governos estaduais , então é uma coisa muito delicada da gente pensa como que diminui o índice de homicídio, porque às vezes a orientação do estado é uma, a orientação do município é outra e aí cada policial vai agir discricionariamente e eles têm a arma, né, eles têm autoridade conferida legitimamente pelo Estado e o índice de homicídio no Brasil só aumenta principalmente depois que a gente mudou a lei de drogas em 2006.
Cris: A sexta lição aprendida é: “oferecer diversidade de tipos de tratamento para o uso de drogas, garantindo acesso de usuários à saúde clínica e mental como deve ser de direito de todos os cidadãos.”. De que tipo de profissional envolvido nesse tratamento? Que tipos diferentes são esses que podem existir? Porque, geralmente, quando a gente ouve: “ah, tá em tratamento” a gente tá falando de uma abstinência extrema, a gente tá falando de medicalização pra superar, então medicaliza para tirar outra droga, né, então quando a gente vê, e fala-se muito no tratamento atual de “equipes multidisciplinares”, a gente tá falando de que tipo de profissional?
Nathalia: A gente tá pensando no conceito de saúde plena. O conceito de saúde plena, ele não envolve só o cidadão que tem ausência de doença, ele envolve um cidadão saudável para o exercício das suas funções enquanto cidadão. Então a equipe multidisciplinar é justamente olhar pra esse cidadão não só como um sujeito que precisa ser medicalizado ou submetido a um determinado tipo de tratamento, mas essas coisas que a gente já falou anteriormente. Entender que esse sujeito ele é singular, então ele pode escolher diminuir o uso de drogas, ele pode continuar o uso de drogas ou ele pode escolher parar. Que esse sujeito esteja no centro da escolha dessas estratégias de tratamento. Envolve também garantir outros direitos, que em tese não são de medicalização, mas, por exemplo, ele ter moradia, ver se ele quer ter algum tipo de geração de renda e que alternativas são possíveis de construir com ele. Então ter esse olhar mais amplo sobre o sujeito e inclusive verificar se ele não está mais vulnerabilizado por estar dentro do sistema ali da justiça criminal. Tudo isso é um olhar interdisciplinar, tudo isso é um olhar interdisciplinar para que esse sujeito goze de plena cidadania. Então pensar saúde dentro inclusive conceito universal de saúde, pela Organizaçao Mundial da Saúde, envolve pensar num sujeito capaz de gozar plenamente da sua cidadania. Não é a ausência de doença.
Cris: E é muito interessante porque esse conceito leva o sujeito pro centro, né, e não a doença.
Nathalia: Exato, né. É a gente não reduzir o sujeito a um mero usuário de drogas. Pelo contrário, ele é também usuário de drogas, mas ele é um sujeito que tem uma série de direitos violados por conta do proibicionismo. Então se ele é um sujeito usuário de crack, é como se os direitos dele pudessem ser menos respeitados. Aí vale todo tipo de intervenção. Aí esses programas tentam dizer o contrário: “esses sujeitos são também usuários de crack, mas também capazes de pensar escolhas se eles estiverem fortalecidos os seus direitos.”. Então diminuir vulnerabilidades, que é esse conceito de saúde universal, é justamente olhar onde que esse sujeito tem menos direitos respeitados, onde que ele tá mais enfraquecido, e a gente tem que investir mais e fortalecer mais, porque aí se esse sujeito está fortalecido ele consegue ter autonomia pra pensar a própria vida.
Cris: Faz todo o sentido, né. Por fim, a última lição é: engajar as agências de governo de forma multissetorial, inclusive órgãos de segurança publica e envolver organizações de base comunitária. Eu queria que você citasse um exemplo de como isso pode funcionar na prática já que existe estudo de caso com base na pesquisa. O que que você viu que faz com que esse multissetorial aconteça de verdade.
Nathalia: Exatamente, né, como eu disse no começo é um desafio a gente olhar política de drogas com “P” maiúsculo. A gente sempre olhou na perspectiva ou da esfera penal, que remetia à segurança pública e ao judiciário, ou tratamentista-medicinal. Nos últimos anos o que a gente tem aprendido como lição é que uma lei tão dura, relacionada a várias condutas e delitos relacionados ao uso de drogas, ela tem reflexos não previstos talvez até quando essa lei foi pensada e desenvolvida no Brasil, então ela pode aumentar o índice de encarceramento, então isso envolve diretamente o setor judiciário. Ela pode aumentar a vulnerabilidade das pessoas, já que essas pessoas que ficam estigmatizadas pelo uso de uma substância têm menos acesso a direitos, como saúde e educação, ela pode aumentar o índice de encarceramento porque as pessoas olham esses sujeitos como menos sujeitos de direitos. Ela pode inclusive prever mais índice de letalidade, como a gente já falou, por parte dos setores de segurança pública. Então uma coisa que a gente começou a perceber, e ainda é um desafio porque a lei ainda assim, foi de como juntar os setores todos que atendem essa população. Hoje a gente localiza em, sei lá, geração de renda, que é geralmente Secretaria de trabalho e Desenvolvimento, como a condição “De braços abertos” aqui em São Paulo, Saúde, Direitos Humanos, Segurança Pública, Assistência social; a gente já pensou então em cinco secretarias. [Cris: conectar tudo isso] Nathalia: Exato. Eu ainda incluiria aí Secretaria de Mulheres, porque a lei de drogas atual aumentou muito o índice de mulheres presas, no último período. Isso tem um outro desdobramento que é uma série de crianças sem mãe, porque quando essa mulher vai presa, via de regra, só ela é responsável pela criança, então aí eu já envolveria também a questão da criança e do adolescente, e envolveria de uma maneira transversal a Secretaria de Igualdade Racial, porque as maiores vítimas da guerra às drogas são as pessoas negras, no Brasil , sejam morrendo, jovens, ou sendo presas. Então ai a gente já falou de sete áreas. Esse é o grande desafio de se pensar política de drogas com “P” maiúsculo. [Cris: tem que trabalhar junto] Nathalia:. Nathalia: Exato.

[Cris: conectar tudo isso] Não existe, é, quando a gente fala na publicidade: “não, qual que é a Big idea?”. Mano, não tem Big idea. Precisa de todo mundo aqui trabalhando, é muita coisa junta, conectada, para que realmente seja criado condições para que essa própria pessoa modifique a realidade dela, não é uma ação externa, né.
Nathalia: Não é, porque, ao longo dos registros da história da humanidade, a humanidade sempre fez uso de substâncias psicoativas. Oos efeitos mais nocivos disso vai variar de acordo com gênero, raça, classe, né. Então, assim, essas pessoas que a gente vê em situação de rua, elas são historicamente as populações mais vulnerabilizadas no, no Brasil. São pessoas negras, são pessoas pobres, são pessoas que historicamente tiveram seus vínculos sociais não constituídos da maneira como a gente percebe que poderiam fortalecer as relações sociais, mais que fortalecem a exclusão. Então, tem problemas anteriores, então o uso abusivo de drogas ele vai compor uma vulnerabilidade que já tava determinada, né. [Cris: ela não é causa, ela é consequência] Nathalia: É, ela é uma consequência. Então, é um fenômeno social, mas não um fenômeno social no sentido de “nossa, é um fenômeno, precisamos combater”. A humanidade já teve muitas experiências, temos ainda experiências com o uso de drogas que são distintas. A classe média no Brasil em sua maior parte faz uso de diversas substâncias de melhor qualidade, né, com mais segurança, muitas vezes não tendo que acessar situações de violência e, apresenta um índice muito menor de uso problemático, ainda que tenha, é um outro tipo de uso problemático.

Cris: É eu achei legal que você usou um termo diferente. Cê falou “abuso de substâncias” e não “o uso”. [Nathalia: É abuso, né.] Cris: É, que aí cê tem que controlar o abuso, né. [Nathalia: Exato] Cris: Pra gente é muito gratificante poder trazer a pesquisa que foi realizada, porque ela mostra caminhos, e o que a gente tá mais precisando agora é mostrar caminhos, prum problema, pruma questão, eu nem diria problema, porque eu acho que muitas vezes nós transformamos isso num problema, isso é uma questão , é uma realidade, mas, vendo esse set “ grandes aprendizados” de três programas que repercutiram muito bem, então a gente tá falando… cê tem noção de índice de reincidência desses três programas que foram analisados?
[Nathalia: Depende dos indicadores que você vai medir a eficiência desses programas. Um deles é, por exemplo, você pensar a reincidência do uso abusivo de drogas. Tem programa, se eles tiverem como pressuposto a abstinência [ Cris: Entendi, é. ] e aí você vai usar um indicador de quantas pessoas voltam a usar, aí você vai ter um indicador. Outro dia eu tava vendo sobre uma experiência no Canadá, inclusive a Lis Evans que trouxe isso, que eles criaram um outro indicador, é de que, como os programas de redução de danos, que são esses que fortalecem a garantia de direitos sociais, podem diminuir a reincidência desses sujeitos na malha da justiça criminal. É um indicador que a gente ainda não associa no Brasil. [ Cris: Ah, tá. Totalmente diferente.] É, porque o que que é dano? É essa pessoa continuar usando droga ou às vezes ela voltar pra malha da justiça criminal? Então a gente precisa ainda produzir muitos novos indicadores pra pensar qual que é a eficácia desses programas. Se a gente continuar pensando que esse programa vai dar errado porque a pessoa continua usando droga é como a gente assim: “olha, toda vez que um fumante chegar num hospital com enfisema pulmonar, eu não vou atender esse cara porque esse cara é um ser vergonha porque ele continua fumando e ele sabe que não pode fumar. Não é esse o tratamento que é dado pro fumante no hospital. Seja na rede pública, seja na rede particular, seja no SUS. Então não é dessa mesma maneira que a gente tem que olhar o usuário de crack.
<Cris: Tá certo. Pra finalizar, eu queria te perguntar porque, já é uma população marginalizada porque ela já mora na rua e daí ela abusa de substâncias – e a gente se separada muito desse grupo, né, a gente olha ele com muita distância. Eu queria te perguntar o que que você acredita ser o primeiro passo pra gente olhar esses usuários com mais respeito e empatia? Como que você acha que a gente consegue quebrar essa distância entre nós e essas pessoas que precisam de fortalecimento social?

(Bloco 5) 41’ – 50’59”

Nathalia: Eu acho que é olhar como a gente olha não só pra esses sujeitos, mas pra todas as pessoas que a gente entende como ameaça, via de regra, quando a gente olha as pessoas que esteticamente nos são mais ameaçadoras. Já está construído no nosso pensamento social que essas pessoas são negras, de que essas pessoas, elas são homens, e de que essas pessoas têm um tipo de vestimenta. Então acho que tem um primeiro desafio nosso que é de entender porque que a gente tem mais medo de um determinado tipo de população, sejam elas usuários de drogas ou não, do que outros, entender como que isso foi construído pra gente, seja midiaticamente, culturalmente, porque que isso ocupa o nosso imaginário. Uma outra coisa que ajudaria a gente a se aproximar é a gente também entender qual que é a nossa relação com o uso de substâncias, porque a gente olha como se só essas pessoas fizessem o uso abusivo, como se a gente não. Cada pessoa que já dirigiu o carro aqui embriagado colocou em risco a própria vida e a vida de outras pessoas que estavam na rua, ela ofertou tanto perigo ou maior perigo do que aquela pessoa que tava ali na calçada fazendo uso de pedra. Aí a gente vai criando hierarquias sobre os tipos de substâncias, porque substâncias como o crack estão mais demonizadas por serem proibidas, inclusive são mais exploradas pela mídia, né. A cobertura que a mídia faz da Cracolândia, ela é totalmente desproporcional. Já foi comprovado por uma pesquisa nacional da FEOCRUZ, que a gente tem um índice muito menor de pessoas que usam crack no Brasil, menos de 1% da população, e a gente por anos tratou isso com um nível epidêmico, enquanto a gente tem um nível altíssimo, de mais de 20% da população, que poderia ser considerado como alcoolista. E isso dá muito mais despesa pro SUS, isso coloca muito mais gente em perigo. [Cris: Dados, né?] Né? Então, a gente tem que começar a pensar porque que essas verdades tão verdades tão simples, elas são construídas. Acho que é um desafio mais nosso, de tolerar as diferenças e de onde a gente tá vendo diferenças mesmo.

Cris:Nathalia, eu te agradeço muito por ter vindo aqui conversar com a gente e trazer boas novas, né? [risos] Muito legal, parabéns aí pelo trabalho realizado. Acho que a gente vai se falar ao longo desse ano aí, porque tem novidade acontecendo nesse mundo, na penalização, nas leis, e a gente vai deixar na pauta o link pra acesso ao relatório pras pessoas conhecerem um pouco mais sobre as iniciativas que foram estudadas e as ações que foram aprendidas.

Nathalia: Claro, a gente tá a disposição aí do programa, dos ouvintes, não sei se depois eles mandam perguntas.

Cris: Muitas. [risos]

Nathalia: Claro. Mas o que quiser, a gente tá a disposição. E eu queria agradecer o convite de estar aqui, muito obrigada.

[sobe trilha]

[desce trilha]

Cris: Vamos então ao nosso segundo Trending Topics, apresentando aqui outros convidados maravilhosos compondo essa mesa. Vamos começar com quem é novo de casa? Oi Edu, que bom que você veio finalmente, tava ansiosa pela sua vinda, tô muito feliz que você tá aqui. Fala um oi pra galera, se apresente.
Edu Biz: Oi Cris, muito obrigado pelo convite, desde que eu te conheci, eu to esperando por esse momento de vir aqui no Mamilos, [Cris: Uuuhhhh!] que bom que chegou a hora. Que bom que o assunto tá pegando fogo pra gente falar de arte, de arte urbana, de picho, de grafite. [risos]

Cris: Conta pras pessoas quem é você na noite, quando você não tá aqui no Mamilos comigo.
Edu Biz: Bom, meu nome é Eduardo Biz, eu sou pesquisador de cultura contemporânea, e entre diversos projetos aí no qual eu to envolvido, o principal deles é o Artikin, que é um ecossistema de conteúdo sobre arte. A gente tem um aplicativo que organiza as exposições que tem em cartaz na cidade e um canal no YouTube pra falar de arte contemporânea de um jeito mais amigável, mais acessível do que esse conteúdo geralmente é abordado por aí.

Cris: Sou suspeita pra falar porque eu sou fã. E do meu outro lado da mesa, o rapaz dos cachinhos dourados, que veio nos ver novamente. Boa noite, Beguoci.

Leandro: Muito obrigado pelo convite, mais uma vez. É sempre um prazer enorme estar aqui.

Cris: Conta pro pessoal quem é você na fila do pão.

Leandro: Opa. Eu sou aquele cara que pede o café com leite, com um pouquinho mais de café do que com leite na fila do pão. Então, eu sou Leandro Beguoci, eu sou editor-chefe, diretor da Nova Escola, e sou co-fundador do Outra Cidade, que é uma plataforma de jornalismo e soluções pra discutir outros jeitos de ver as cidades onde a gente vive, dar outros sentidos pros lugares onde a gente mora, e fui um dos criadores, lá atrás, junto com o Pedro Burgos, do Oene.

Cris:Maravilhoso.

Oga: E apresentava… e apresentava e participava do Norte. Esse cara é muito legal.

Leandro: É, a gente adorava fazer o Norte.

Oga: Podcast muito legal. Legal demais.

Cris: Eu só não torço pra voltar porque eu gosto da sua participação aqui. [risos]

Leandro: Muito obrigado. Me sinto super feliz de estar aqui. Gosto muito, muito.

Oga: Legal demais.

Cris: Vamo lá então, pessoal. A gente vai conversar um pouquinho sobre arte, picho, grafite, ocupação urbana. O fato é: a cidade de São Paulo é palco de um debate importante sobre manifestações culturais nos espaços públicos. A atual gestão municipal de João Dória polemizou ao executar um programa que pretende deixar a cidade mais bonita. Mas pra isso, ele resolveu, em uma importante avenida da cidade, cobrir pichações e grafites que segundo Dória, estavam danificados e deteriorados, com tinta cinza. Muito criticado, o prefeito retrucou dizendo que tem pesquisas que comprovam que 77% dos paulistas aprovam sua medida. Mas tocar num ponto tão profundo a respeito de expressão, arte e espaço urbano não passaria impune. Ao que tudo parece, grafite é um papo, e picho é outro. Picho é colocar seu nome “Te amo Ju Wallauer” na cidade, pra que te vejam, pra que você exista. Não é uma discussão sobre Cidade Linda ou não. Não é pra gostar, não é pra aceitar, é pra combater mesmo, é pra pintar por cima mesmo. Porque é audaciosa, sagaz, é contraventora. E aí, quando a gente olha pro grafite, ele já parece mais palatável. Mas, e aí? Como que a gente vai lidar com esse movimento que parece incomodar tanto? A gente vai proibir? Criminalizar? Tentar dialogar? Criar espaços delimitados? Fiscalizar mais? Cuidar mais do patrimônio público? Como lidar com essa linguagem imposta e pouco compreendida? Vamos falar um pouco aqui na mesa sobre essência. Sobre descoberta, sobre expressão, sobre ocupação do espaço urbano. Não é pra concordar nem discordar, é pra descobrir. Como diria Fernando Pessoa, “a ciência descreve as coisas como são, a arte como são sentidas, como se sente que são”. Então a gente começa inspirado esse papo, e pro Edu, que já tá nessa há algum tempo, a gente faz a pergunta que não tem resposta: o que é arte?

Edu Biz: Pois é, tem várias perguntas que não tem resposta, né, quando se fala de picho e de arte urbana. Acho que a gente tá numa discussão, é, bem calorosa assim, tentando também encontrar algumas dessas respostas, né. Acho que nos próximos quatro anos aí agora com a gestão do Dória, nunca ouviremos falar tanto sobre picho, sobre esse assunto quanto nesse período, né. E porque que será que o picho incomoda tanto, né, essa é uma questão que eu tenho pensado muito ultimamente assim, e eu acho que tem muitas respostas possíveis pra essa questão. Eu acho assim, a primeira coisa é que o picho é um incômodo porque muitas pessoas ainda se recusam a reconhecer que a arte urbana, que o grafite e que a pichação, tudo isso já faz parte da vida urbana e já faz parte da paisagem das grandes cidades, né. Então, quer dizer, lutar contra uma realidade que já é tão estabelecida é meio como enxugar gelo, sabe? É uma luta infinita. E eu acho que é por isso que o picho incomoda tanto. Aliás, outro dia eu vi um picho ótimo, que tava escrito assim “Eu picho, você pinta, vamo vê quem tem mais tinta”.

[risos]

Oga: Virou o lema, né?

Edu Biz: Virou o lema! Quer dizer, é uma guerra infinita, né. E divide opiniões, né, como tudo atualmente no mundo, né, a gente tá num mundo muito “meiado”, né, e nenhum dos dois lados nunca vai se render. Acho por isso que é um incômodo, assim. Um segundo ponto que eu acho que é importante da gente refletir é que o picho, ele incomoda, porque ele foi feito pra incomodar, né? O picho não é feito pra ser algo agradável. O picho é invasivo em sua essência, né, ele não é feito pra ser bem quisto. E a pichação, ela é um lembrete aí pra grande parte da população que existem outras camadas menos privilegiadas que dividem a cidade junto com você, né? É uma espécie de grito aí pra mostrar que existe, é uma luta contra esse apagamento social, né?

Cris: Quando eu percebo a cidade e percebo a inserção dessas pessoas enquanto fala, é que a gente entende que vai precisar conviver, né? Ele vem aqui no meu espaço e fala que ela tá viva.

Oga: Eu sempre analisei assim, tem dois lados pra ver o picho pra mim. Quando eu analiso como designer, eu penso muito essa questão mágica, principalmente do picho de São Paulo, e eu gosto de separar um pouco. A gente tá falando muito, a gente discutiu muito esse picho, principalmente o picho paulistano, que é esse que tem a letra inspirada na capa do Megadeth, nas capas de álbuns de metal.

Cris: Eu nem sabia disso, que legal.

Oga: É, foi inspirada nisso, as pessoas associam ao hip hop, mas não era associado ao hip hop. A primeira geração, que começou com o picho, não tinha nada a ver com o hip hop. A pira deles eram capas de metal, era uma coisa que foi evoluindo do punk, era uma outra galera. Então assim, tem o picho político, tem o picho num banheiro. Que a gente fala picho, o picho é dissidente de Roma, sabe, tipo? Teve imperador que caiu lá porque o pessoal escrevia frases políticas na parede. Sim, isso é picho. Mas o que a gente tá falando agora são dessas letrinhas, que as pessoas não entendem, e voltando pro lado estético, eu acho que tem um valor estético. Se a gente vai discutir se é arte, se não é, mas tem um valor estético. Por quê? É uma tipografia criada na rua. Pra quem é designer e já criou um tipo, cara, é muito difícil. Quando você vê que isso cresce na rua, sem regras estabelecidas.

(Bloco 6) 51’ – 1:00’59”
Oga: Depois vocês procuram na internet, tem os convites. Eu amava esses convites! Tinha uns flyers bem toscos assim, dos anos 2000 (toscos nessa linguagem, eu acho incrível, mas tem gente que acha sujo e tosco), que eram os convites dos encontros dos pixadores, que era maravilhoso, você via os caras com os caderninhos, com os pixos dentro, falando: “nossa, você que assina isso”. Mas assim, é óbvio que é uma coisa de transgressão, que é um esporte. É assim, eu, eu considero pixo mais próximo de um esporte radical do que exatamente da arte, mas é arte, mesmo eles não tendo essa intenção, a maioria, porque também isso também é muito relativo. Tem pixador que você vai conversar que o cara entende como uma estética, como arte, mas a maioria dos meus amigos (isso é bem pessoal, viu gente, bem empírico mesmo), meus amigos não entendiam como uma arte, eles não tão nem aí. Não é… Assim, eu via que o Doria tinha uma visão muito clara, tipo assim, “o pixo é o primeiro estágio para um grafiteiro”. Não é, ele não é o trainee do grafiteiro. Muitos pixadores nem desenham, nem gostam, e nem tem paciência com o grafite. Respeita porque tem que dividir o mesmo espaço, senão um atravessa o outro, vai cobrir. Então assim, é muito diferente pra eles mesmos essas duas lógicas. Óbvio que alguns momentos eles vão ocupar o mesmo espaço, vão se… vão se entender como um grupo, mas não é necessariamente isso. Eu vi que o jeito que o Doria quis tratar (não só o Doria, mas muita gente, enfim) quis tratar o grafite nesse momento agora, é como se fosse um irmãozinho menor, e não é. Não é. Voltando praquela questão da função social que eu acho do pixo em si. Eu me lembro muito do caso da Avenida do Estado, que é ali, né, no bairro do ipiranga. Cara, um… teve uns momentos, eu não me lembro exatamente se foi na administração da Marta, que eles tavam se importando mais, canalisar o rio e tal, não tinha pixo. Cara, depois que começou a tentar fazer o fura-fila, que demorou anos pra começar a se resolver, o pixo chega. O pixo, ele funciona como um indexador social. Quando o Estado não tá lá, ele chega. Aconteceu isso com, sei lá, Avenida Santo Amaro. Era uma avenida rica. Quando fizeram o corredor do ônibus de um jeito meio… meio mal-ajambrado, isso nos anos 80, ou até antes até, começa a chegar o pixo. O pixo, se a gente conseguisse usar o pixo como esse indexador, não combater, mas assim, o Estado estar esperto e falar “cara, é o primeiro sinal de degradação de uma área, é o primeiro sinal que ela tá abandonada”. O centro de São Paulo, umas regiões tipo a Santa Cecília antes (agora Santa Cecília tá sofrendo gentrificação, o pixo tá sumindo). ‘Cê vai percebendo isso, só que você tem que ter uma sensibilidade, ‘cê não pode ter preconceito, você tem que ter uma visão maior sobre a cidade.
Cris: Beguoci, quando você olha pra esse espaço urbano, e pensa nele como “onde cabe pixo não cabe Estado, onde tá Estado não cabe pixo”, a gente poderia usar isso como um termômetro do que fazer e onde está?
Leandro: Acho que essa discussão é mais legal ainda. O Estado é o maior curador que existe, né. O Estado é o maior curador, é o maior mecenas, seja de museu ou não, né. Quando o Estado opta por fazer a Avenida Santo Amaro, aqui em São Paulo, daquele jeito, ele tá oferecendo uma experiência estética pros cidadãos, independente se as pessoas quiseram ou não o corredor daquele jeito. Quando o Estado decide fazer o Minhocão [Oga: Uhum.] lá no centro de São Paulo, ele tá oferecendo uma experiência estética pra cidade. E quando o Estado decide colocar o Deixa-Que-Eu-Empurro na frente do Ibirapuera, aquela é só a parte mais visível e mais explícita do Estado como curador, o Estado como mecenas da fruição visual da cidade. Né, então acho que esse é um ponto bem importante, né, quando a gente tá olhando pro papel do Estado nesse ponto. O Estado, pra maior parte das pessoas, enfim, pra gente, é que define nossa experiência visual. Claro que não é só o Estado, claro que tem as empresas, claro que tem os indivíduos. Mas o poder do Estado é muito grande, né, seja diretamente, seja indiretamente. A gente às vezes não pensa que o Largo da Batata é uma experiência estética, [Oga: Uhum.]mas também é. Então esse pra mim é uma discussão que o Doria explicitou. Ele não foi o primeiro, né [Oga: Não.] Acho que a Marta…
Cris: [interrompe] Na época do Kassab também teve muita polêmica, eu lembro disso, principalmente [Leandro: Isso é muito…] que ele tirou uma coisa visual da cidade.
Oga: [interrompe] O Cidade Limpa foi interessante num ponto porque antes, a gente não discutia tanto isso porque a publicidade era uma forma de pixo, de certa forma, publicidade cobria muito, então assim, eu acho que quando teve a Cidade Limpa do Kassab, quando… XXXX de São Paulo, foi quando tirou as publicidades de São Paulo, [Leandro: Os outdoors.], os outdoors, diminuiu muito, que isso ficou muito claro. E eu me lembro que a brincadeira dos pixadores era usar aquele espaço da loja, onde tinha o nome da loja gigante virou um novo espaço muito legal. Aquelas… aqueles arames, as estruturas que seguravam os outdoors virou, tipo assim, “cara, que coisa mais maluca, né. Agora fizeram uma moldura pro meu pixo”
Cris: (risos)
Leandro: E é muito interessante pensar que, por exemplo, alguns artistas, não sei se nos anos 90 ou nos anos 80, usaram o suporte do outdoor [Oga: Sim, sim.] pra fazer exposição. Não lembro se o Udnilson [Oga: Isso.], por exemplo, que usou o outdoor aqui na cidade, assim. Com o patrocínio estatal. Tem que lembrar um pouco disso [Cris: É…], o Estado patrocinou isso [Oga: Isso.]. Agora, essa discussão sobre Cidade Limpa, Cidade Linda… A Marta… [Cris: Cidade Cinza…] Cidade Cinza. A Marta, quando foi prefeita, que a gente esquece, mas os primeiros dias da Marta era Operação Belezura, depois veio o Kassab, [Oga: Nossa, verdade]. Cê lembra? A Marta quando assumiu: “a cidade tá muito feia, o Pitta deixou a cidade horrível”. Operação Belezura. Depois a Marta perde a eleição pro Serra…
Cris: [interrompe] Jura que tinha um programa que chamava… (risos)
Leandro: Opa.
Oga: Ótimo nome, né, não chama ninguém do marketing!
Edu: Ela se vestia de gari também?
Leandro: Não, [Edu: (risos)] a Marta não.
Oga: Mas seria a gari mais chique do mundo, né. Imagina.
Edu: De taí e Chanel, né. (risos)
Oga: É! (risos)
Leandro: A gente em São Paulo tem… e aí falando especificamente de São Paulo, a cidade tem um complexo, a gente pode extrapolar, dar uma viajadinha, né [Oga: Uhum]. A cidade tem um complexo de inferioridade estético tão gigantesco, tão gigantesco, que todo prefeito, pelo menos desde o começo dos anos 2000, de alguma forma tentou atacar a feiura da cidade [Cris: (risos)] de alguma forma. Então, o que eu acho interessante é que o Doria, de certa forma, da forma dele, enfim, não… acho que não é essa a pauta do programa. [Oga: É, não faz.]. Mas a Marta fez isso, o Kassab atacou isso com a publicidade, o Doria agora com o pixo. O que eu acho mais interessante dessas três coisas, ainda pensando no Estado como um grande curador, um grande mecenas, é que a gente sempre ataca aquilo que é mais polarizável, né. Uma coisa que você polariza rápido, né, então assim, primeiro as empresas de publicidade contra o Estado, os pixadores contra o Estado. Eu não lembro exatamente o que que a Marta polarizou, mas teve.
Oga: Acho que o problema era com o lixo também, com a Marta.
Leandro: Teve problema com lixo. O que acontece nesse ponto, né, quando a gente olha pra isso, nessa polarização. A gente não ataca de fato aquilo que é feio na cidade sob qualquer critério. Que é muito feio na cidade? Calçada é muito feio na cidade de São Paulo [Oga: Uhum.], porque não tem. A rua é muito feia na cidade.
Cris: Muito feia. É, e faz uma diferença estética enorme quando você vai numa rua e ela tá asfaltada, com asfalto sem irregularidade. Pra mim isso é o que dá a maior impressão que a cidade tá suja. Essa irregularidade de calçada, de astalfo. Nada, nenhum padrão! E aí ‘cê olha praquilo e mesmo que não tenha lixo, parece sujo.
Edu: Fiquei pensando no que você tava falando sobre definição de arte assim, né, que é sempre um ponto de partida [Oga: Total.] pra quando se conversa sobre isso [Leandro: Claro.] e é sempre uma pergunta cabeluda, né. E no caso do pixo, especificamente, é uma resposta meio sim e não, é e não é arte, mas acho que depende de cada pixador, né, depende do que o cara… [Oga: Intenção, né.] entende como aquilo. Pra alguns é arte, é estética, pra outros é declaradamente um vandalismo anárquico, né. Mas, acima de tudo, acho que o pixo é manifestação social e expressão visual, né. Só que o que é interessante, eu acho, nessa questão do pixo é que justamente por não ser a arte, é que o pixo tem se tornado uma expressão reconhecida como algo genuíno porque rola no cenário aí da arte moderna e contemporânea a valorização da anti-arte [Oga: Uhum.], né. Então o pixo em essência é anti-arte e isso é uma engrenagem aí que rola desde o final do século 19, né, porque lá no final do século 19, quem dizia o que era arte ou não era o Salão de Paris [Leandro: É.]. Paris na época era o centro cultural do mundo, não só pras artes plásticas, mas pra moda, pra música, pra arquitetura, então tinha lá um júri oficial do que era arte e o que não era, né. Então lá pelos idos de 1860 e poucos, os artistas que não passaram por aquele júri criaram o Salão dos Recusados, né, que ficou célebre aí, que atiçou a curiosidade das pessoas justamente por esse caráter marginal que essa exposição tinha, né, que era as obras que não tinha passado. Não demorou para que aqueles artistas, e a gente tá falando de Cezanne, de Manet, que aí dali que surgiu o movimento impressionista, né. Quer dizer, desde então é próprio da arte querer negar tudo aquilo que se conhece como arte, né, e aí eu acho que surge uma das questões-chave que a gente se pergunta hoje nesse tipo de conversa, que é: o feio de ontem se transforma no belo de hoje?
Leandro: Eu queria pegar esse gancho pra te perguntar uma coisa específica assim. O Keith Haring, que eu acho que é uma… uma… eu gosto muito da discussão que ele traz, né [Oga: Total.]. Porque o Keith Haring é de uma época em que o metrô de Nova Iorque era todo pixado, e a gente pode dizer, em várias estações era…
(Bloco 7) 1:01’00” – 1:10’59”
Leandro: …todo grafitado, depende do conceito que a gente quiser aplicar. Em 2013, teve uma exposição, para pegar o gancho parisiense, do Keith Haring em Paris. E várias das obras dele que estavam expostas eram portas de metrô, porque várias das intervenções que ele fazia era ali, ou era no vidro onde tinha um comunicado do metrô, e o que eu achei muito interessante ver naquela exposição foi o Keith Haring foi interpretado primeiro como transgressão em Nova York, né, ele tinha um diálogo maior com o hip hop e a relação mesmo conflituosa que a cidade de Nova York tem com o hip hop; hoje, mesmo Nova York tem quase aquela parte no Bronx, mas assim: grafite fica no Bronx, né? E…
Oga: É, eles acabaram com o Five Points, por exemplo, que era um espaço no Queens que era do grafite mesmo, ele foi, virou agora um prédio comercial [:total] e antes era uma Meca, era um lugar que ninguém queria destruir, você se cadastrava, que era um pouco a lógica que o Doria queria aplicar, um lugar permitido para o grafite, mas continua, Leandro.
Leandro: É isso! Então, o que eu acho muito interessante, pegando o teu gancho, e veio imediatamente na cabeça, é que o Keith Haring, ele foi do “este cara está contribuindo com a degradação urbana [Edu: Do lixo ao luxo.] da cidade para ele ter um mural em Pisa, para estar em galeria em Paris, assim, esse movimento eu acho muito interessante.
Oga: O Edu pode comentar também, mesmo o Basquiat, né, cara, o Basquiat vai ter uma exposição agora, quer dizer, a gente tá discutindo agora [Leandro: 2018 no Masp], e o Basquiat, ele usou o pixo como uma plataforma. Ele tinha noção de arte, ele tinha informação, ele sabia aonde ele queria chegar [Leandro: O Keith Haring também], mas o Keith, ainda, ele era acho que até mais underground em alguns sentidos, porque o Basquiat, ele circulava por música, por cinema; o Keith, ele era mais underground, ele tava na cena gay, ele tinha uma outra lógica ainda. Mas acho muito louco isso, né, por que que a gente aceita o pixo, o grafite, bah, nem digo só o pixo, mas o grafite do Basquiat agora?
Cris: No Pompidou, os 40 anos do Pompidou em Paris também foram comemorados com a exposição “Os grafites de Basquiat”, que é uma exposição elogiadíssima, que ele tinha ali toda uma linguagem de muro, ele era um pixador de 1958, meio quê… e ficou ali durante 25 anos escrevendo nos muros, a exposição fala “tá flanando os muros de Paris” [Oga: Uau!], o que é muito legal. Então, Edu, até caiu tudo em cima de você, mas veja bem, [Edu: Fala que eu te escuto], a gente, toda essa discussão, eu acho até que passa por Duchamp, com “o que que é a arte?”, ou “a arte é aquilo quando eu coloco naquele espaço para questionar”, então pegando esses três exemplos assim, para onde é que a gente vai quando isso muda de espaço?
Edu: É, muito louco, né? Mas só abrindo um parêntese, o Basquiat no Masp, achei uma grande sacada, assim, do Masp trazer essa exposição [Oga: Foi o timing perfeito…], o timing perfeito, assim, aliás o Masp tem se mostrado bem antenado nessas questões, né, e no caso do Keith Haring também: quando tem uma porta de metrô dentro de um museu, é quase que um registro histórico ali, né, daquele happening, daquele acontecimento. Isso tudo é muito louco porque é essa questão da anti-arte, né, os artistas que vão sendo reconhecidos pelo mercado e pelos espectadores, né, quer dizer, os artistas vão colocando essas obras no mercado, por mais duvidosas que elas pareçam, no começo, pra maioria da população, o mercado vai absorvendo tudo isso, né, e na história da arte a gente tem alguns momentos aí marcantes, que são marcantes justamente porque eles fizeram todo mundo refletir sobre “afinal, o que é arte?”, né, como a Cris falou, o Duchamp lá no final dos anos 10, quando colocou um urinol dentro de uma exposição ou, no final dos anos 40, o Jackson Pollock com seus quadros de pintura de ação, né, que hoje ninguém duvida aí que se trata de um gênio da arte, né, ou até nos anos 60, o Yves Klein, em Paris, que fez uma exposição de obras invisíveis, né, essa história é maravilhosa, aliás, não sei se vocês sabem [Oga: XXX], mas ele vendeu 8 telas nessa exposição. [Cris: Que maravilhoso! É muito bom isso] [Oga: XXX] e trouxe pro debate, é, quer dizer, ele trouxe pro debate da arte a questão da desmaterialização da arte, né, que eu acho que é um conceito chave pra gente entender aqui. Porque uma obra de arte, ela não se limita mais aí a um objeto ou a uma pintura, né? Ela se torna algo imaterial, e eu acho que é aqui que está a arte do pixo: veja bem, se a gente comparar com Marina Abramović, tá, vamos pegar aí, acho que é seguro dizer que é a artista contemporânea mais famosa da atualidade, né, vide as, a quantidade de capas de revista em que essa mulher está, né, gente, impressionante? [Cris: Vide que ela fez um clipe com Jay-Z, dentro do MoMA!], parceria com a Adidas, né, ela extrapola [Cris: Maravilhosa.] aí as barreiras da arte, está muito inserida na cultura pop, mas enfim…
Leandro: O Romero Britto, do seu jeito, agora é minha parte de vir, e fazer uma polêmica e ir embora. Brincadeira! [Oga: Dar uma pixada.] Desculpa, gente, eu vim aqui pixar o programa, perdão.
Cris: Desculpa, Marina, desculpa Abramović.
Edu: Ah, a gente pode discutir Romero Britto, acho um ótimo assunto. Aliás, Romero Britto que, assim que Doria ganhou, ele já mandou um retrato lá [Oga: Lógico, lógico, adoro o modus operandi], na hora. Mas o que eu ia contar sobre a Marina é sobre aquela performance célebre dela que aconteceu em 2010 no Museu de Arte Moderna de Nova York, chamada “The Artist Is Present”, em que ela ficou aí 736 horas sentada na frente das pessoas, que ficavam um tempo ali olhando olhos nos olhos.
Oga: Posso ter um momento babaca? Eu estava lá, no último dia… [Cris: Jura?! Você sentou?] Sim! Não, não sentei, tinha uma fila, era uma outra coisa, mas eu estava no último dia, nos últimos momentos. Foi foda! [Cris: Que legal!]
Edu: Foram mais de 1.500 pessoas que sentaram na frente dela, né, aí você pensa “Afinal, o que é a obra de arte nesse caso, né?”. Você pode dizer “É toda essa experiência que a Marina provoca nas pessoas, e oferece pras pessoas. OK, mas eu acho que esse é um dos lados da obra; a verdadeira obra de arte, no caso aqui, é a experiência que a Marina teve, que a artista teve lá sentada todas essas horas vivendo. E aí entra o pixador: eu acho que a verdadeira obra de arte está lá naquele momento, naquela coisa muito individual do pixador, a adrenalina, o correr da polícia, o risco de morte, de você cair lá do alto, né, eu acho que é aí que está o estado da graça de todo o negócio.
Oga: Mas você acha que mesmo essa estética, porque, no meu Facebook, um lugar que não é bom para polêmicas, não é a melhor plataforma de discussão, mas é a que temos, eu percebia muito isso, né, que é uma dúvida que eu jogo para vocês três aqui, né: Por que é que as pessoas discutem muito? É arte o que eu gosto, sabe? Eu não consigo conceber isso, sabe? A música: a música que eu gosto é boa, a que eu não gosto é ruim? Né? A impressão que eu tive é que ficou muito nisso, porque eu acho que tem um valor estético, o que eles fazem, mesmo que eu não goste. Eu lembro que eu entrei em uma discussão com um amigo que ele falou assim: “É, Oga, se pixassem a sua casa? O que você ia fazer?”, eu falei “Cara, tem o pernilongo, ele me pica, tem a abelha, ela me pica, eu não quero matar todas as abelhas, eu tenho que conviver com elas”, sabe? E era o mesmo amigo que estava defendendo o filme dos Sinais, que vem os ETs e fazem pixo com fumaça, e a gente precisa chamar alguém que entenda de Linguística. Quer dizer, se os ETs viessem para São Paulo, os pixadores iam falar “Tá fácil!” [risos] “Meu irmão, que que você tá escrevendo aqui?”, eu acho que tem um valor que é tão maior, você tem um grupo de moleques da periferia que escrevem códigos, que fazem um jogo, eles usam a cidade como suporte para um jogo deles, sem pedir, cara, eu acho isso tão artístico, eu acho isso tão genial, só queria falar rapidinho porque você botou um ponto que eu achei incrível, que é o lance da anti-arte. Tem um cara que chama KR, é o Kraig, que ele tem uma tinta que chama Krink. Então assim: esse moleque era um grafiteiro em Nova York, ele fazia tags, que é a assinatura de lá, né, ele fazia essas tags e ele começou a estudar química para aprender a fazer a tinta dele, que virou a Krink, a fábrica, e ele fazia o anti-grafite, que aliás o MIS de São Paulo teve um tempo, a fachada do MIS ficou com um borrifo de tinta que escorria até embaixo, e a brisa maior do Krink era o lance de, tipo assim, “cara, eu preciso desenvolver a tinta que cubra qualquer grafite embaixo, qualquer pixo, porque eu sou o anti-grafite, porque eu destruo o dos outros” [Cris: É maravilhoso, eu amo esse cara.], é assim, você vê que o cara pegou esse conceito e foi além, ele produziu a tinta dele, uma tinta que destrói tudo, ou que cobre tudo, cara, eu acho isso muito genial, assim, aí você começa a questionar; não é a estética. A estética é isso: ficou um escorridão de tinta linda, mas, eu entendo que muita gente não entende essa estética: “Cara, escorreu o pincel, quem fez isso? O pintor esqueceu ali, ou isso é proposital?” Por isso que eu acho interessante essa provocação do pixo.
Leandro: Não, eu gostei muito desse ponto que você falou: “O que é arte para mim?”, “O que não é arte para mim?”, e sobre fruição, né? Eu acho muito interessante quando o Doria puxa num ponto que é: “77% da cidade concorda comigo”, ou quando ele vai para uma praça e fala “Pixador é bandido ou não é?” colocando a questão nesses termos. Eu gosto de pensar, na verdade, nas pessoas com quem a gente não está falando, ou seja, vamos olhar, fazer um exercício de empatia pro conjunto da cidade de São Paulo e pras pessoas que não moram aqui no Uruguai paulistano: Pompeia, Perdizes, Santa Cecília, vamos olhar um pouco além da nossa própria bolha. Aí eu acho que tem uma questão que é muito poderosa, que é que a maior parte das pessoas dessa cidade, a maior parte das pessoas desse país, está privada, por uma série de razões, dessa discussão que a gente está tendo aqui. E a maior parte dessas pessoas não teve educação, não teve tempo, não teve espaço para ter o mínimo de contato possível que fosse com essas discussões que a gente está fazendo aqui. A vida, numa cidade desse tamanho, é muito brutalizada, é muito bruta. E aí, eu gosto de pensar um pouco que, às vezes quando elas olham para um pixo, e aí elas acabam: “É bandido!!!” como aconteceu lá, é uma coisa que me assusta muito, né, esse negócio de “é bandido ou não é”, isso é uma coisa que me dá pânico, por definição, eu fico pensando, essas pessoas fazem uma fila gigantesca quando tem qualquer exposição aqui no Uruguai paulistano, né, é só ver o que acontece no Tomie Ohtake, ou quando você tem no Centro Cultural Banco do Brasil, as pessoas fazem fila, porque o conceito que elas têm é o seguinte: “pô, o museu está me dizendo o que que é; eu não sei, mas o meu filho tem que aprender”.
Oga: Só um breve, e aí é muito louco, porque é sempre um conceito meio elitista, lembra do Rodin?
(Bloco 8) 1:11’00” – 1:20’59”
Leandro: Simm, sim, sim, sim, mas faz uma experiência por exemplo, pô em vários, quando você entra em várias casas na periferia de São Paulo que seja, a pessoa tem alguma referência ao classicismos né, assim o que é bonito é meio clássico, vai ter colunata grega, vai ter um monte de coisa que a gente vai falar “meu, que foda!” ou quando você passa pela faria lima e olha aqueles prédios neoclássico [Oga: nossa…] que eu não gosto, mas ai as vezes eu tô no ônibus a pessoa fala “bonito heim!” e cê fica pensando: “cara o que ela tá contrapondo é um lugar em que tem alguma organização de mundo, alguma experiência que se contrapõem ao lugar onde ela tá”.
Oga: É, mas você, uma provocação assim, mas você falou, mas não é uma questão só de grana, assim e isso eu questionado isso [Leandro: educação também] com meus amigos assim, nessa questão estética do cara olhar um tênis ele gosta do que tem o logo de tal marca, a gente sempre associa, acho que a gente sempre faz associação pra arte também, eu lembro de usar tênis de skate que eram mais baratos [Leandro: é, é…] só que eles não eram da marca tal, tô tentando não falar a marca gente, mas eu vou falar, eles não eram nike air max 90, nos anos 90, eram tênis skate, eu falava “cara”, tipo amigos meus amigos achavam muito louco meu tênis mas eles preferiam ter o air max, eu vejo isso com a arte [Leandro: é…] eu gosto muito quando você fala da questão, quando você vai num lar mais simples e você vê uma arte que é mais classicista mas eu acho que também tem uma influência da arte sacra pra gente [Leandro: claro, claro…] então assim tanta gente que não teve toda essa vivência de arte, ela acha que a arte bonita é a reprodução da realidade…
Cris: então, mas eu acho que a partir daí que a gente joga o poder que a gente tem da curadoria e a gente, principalmente nos espaços de não discussão artística, a gente tem a influência do que é belo muito centrado no europeu, que foi onde começou e onde se determina o que era arte, então quando a gente vê a Beyoncé, colocando as fotos dela de grávida feita com uma linguagem visual completamente fora da estética que as pessoas estão acostumadas, existe o estranhamento, então eu acho que a pergunta que a gente deve se fazer é “quem é o curador? Quem é aquele cara que tá colocando determinada peça num espaço onde se colocam somente peças de arte?” porque a partir do momento que quando deixa, pega o urinol, mictório, vou vulgarmente chamar de mictório e coloca dentro do espaço artístico ele ganha outra conotação, a conotação do questionamento, então o curador que a gente tem no Brasil, no mundo, é uma pessoa que tem acesso a arte, é ele que determina o que é belo e o que não é belo, o que é digno de contemplação e reflexão e aquilo que não é, então o espaço dita muito do valor, quando a gente pega a Bienal que teve esse ano que foi extremamente questionada, porque ela trouxe muitas obras fora do cotidiano, do que uma Bienal tava acostumada, como filmes, exposições muito ligada ao som, uma estética que algumas críticas foram chamadas até de infantilizadas, o que que me faz dizer que aquilo é belo se não o meu próprio ponto de partida ou se eu simplesmente me deixo me influenciar pelo curador que dita pra mim o que é belo ou não
Oga: É, é eu acho que a gente falar o que é belo, na minha concepção… enfim, pra mim já tá errado sabe, porque a arte não precisa ser bela [Edu: total…] ela precisa provocar pensamentos é muito mais isso, por isso a gente já saiu desse suporte da pintura, da tela, da escultura na arte contemporânea, ela já saiu disso, tem gente que faz a arte botando vírus no próprio corpo, sabe a gente ta num outro nível
Cris: A gente tem uma primeira dama que falou que “olha que horror isso, essa bienal tem pneu na bienal” e ela é artista, então esses questionamentos eu acho que leva a gente pra um lugar de se perguntar se eu to deixando de ver algo com o olhar de belo, simplesmente porque não me foi exposto ou mesmo como reflexivo, de que reflexão eu vou fazer vendo isso aqui [Edu: é…] porque ela tá fora do espaço que esse questionamento é feito.
Edu: é, e eu acho que tá além do gosto e não gosto também né, a arte é um convite aí pra, um convite raro inclusive, hoje em dia, pra contemplação né, a capacidade de contemplação acho que é algo que falta muito na nossa sociedade né, o desenvolvimento da sua intuição também, eu acho que são coisas que a arte proporciona e acima de tudo um autoconhecimento também né, vejo a arte muito como a uma ponte mágica pra tantas outras fontes de conhecimento, história, psicologia, sociologia, sei lá, filosofia né, a arte é um trampolim pra tudo isso e o resultado de tudo isso acho que é o autoconhecimento né, você se conhecer e saber o porquê você gosta e o porquê você não gosta né

Leandro: Eu acho que fechando aquele ponto e aquele que eu tinha puxado, das pessoas que estão além da gente, pegando esse teu e tal, pra mim fica muito claro o quanto a gente menosprezou e continua menosprezando a ideia de educação artística pras pessoas, como uma coisa fundamental na formação assim, eu acho que as pessoas, a gente tem que ter aulas incríveis de matemática na escola, né, eu sou super a favor, tem que sair da escola sabendo fazer fração pra não ser enganado no banco de microcrédito, mas também tem que ter educação artística para que a discussão sobre picho na cidade possa ser melhor pra todo mundo né, quando você fala do Pollock por exemplo, às vezes eu faço isso com amigos, ou faço isso com família né, cê fala “ah legal, você viu Pollock né?”, aí cê fala “Pollock não é arte porque é aqueles rabisco”, daí cê fala “pô”, eu fico pensando qual a melhor forma de explicar pras pessoas e elas não precisam gostar, elas precisam entender e em muitos casos a gente nem permite que as pessoas entendam o movimento do mar né, entendam o movimento das coisas, então cê fala “pô”, a arte começa super figurativa, vamos dizer… começa não, porque essa pode ser uma discussão mais complicada, mas vamos lá, coisas que tem na cabeça das pessoas: renascimento né, a arte dentro de igreja né, barroco e tal, aí cê vai explicando pras pessoas, depois, como os artistas vão deixando de pintar paisagens, pessoas [Oga: e que foi junto com a evolução da fotografia] junto com a evolução da fotografia! E elas vão mudando a ponto de um cara falar “eu quero pintar o movimento, eu quero pintar aquilo que a gente não consegue ver, eu quero fazer, eu quero oferecer pras pessoas outras experiências além daquilo” e uma experiência, pra mim é muito boa é quando cê fala, quando cê coloca isso num frame a pessoa fala “é verdade! Eu continuo não gostando do Pollock, mas eu entendi” aí eu acho que esse é o grande a grande graça desse programa de hoje é que ninguém precisa concordar com a gente sobre picho ou não picho, graffiti ou não graffiti, mas eu sinto de fato que falta, não só pras pessoas mais pobres, mas pra uma parte gigante da classe média e mesmo das pessoas mais ricas, às vezes simplesmente uma compreensão de conceito básico assim e não é vergonha não saber, vergonha é não querer saber
Cris: e é disso que a gente fala de espaço de convivência, porque o picho ele é imposto [Leandro: claro!] se eu quero ver arte eu vou numa galeria, vou num museu, mas o picho, grafitti, ele ta a céu aberto então eu sou obrigado a conviver com algo que não necessariamente me agrada, igual eu também sou obrigada a conviver com tantas outras coisas, então eu acho que esse entendimento vai além do vandalismo, é vandalizar, porque eu to sendo audacioso, eu to sendo anárquico indo ali e inferindo diferenças no patrimônio, então é vandalismo, eu estou vandalizando, eu estou trazendo pro espaço algo que não foi pensando para ele, então a discussão nem é tentar descaracterizar esse ato rebelde [Oga: claro] mas é entender conviver e ir além, entender que tipo de mensagem pode ter alí, que tá sendo desconsiderada.
Edu: contemplar aquela mensagem né, eu acho que a gente vive uma cultura muito irreflexiva hoje em dia, parece que a gente tá muito condicionado a procurar respostas prontas pra tudo né, uma geração google assim, é uma experiência de pensamento muito empobrecida que a gente tem hoje e acho que a gente tem que se perguntar sim, porque existe tanto picho? Por que tem tanto picho na cidade de São Paulo? Não é por acaso né e o que ele te causa? O que esse picho te causa? como você reage a esse picho? E o que isso diz sobre você? Assim, no final do ano passado agora eu fiquei chocado quando o facebook fez aquele, aquela retrospectiva de fim de ano que tinha quantos likes você deu e tal, que ai cai aquela ficha assim que são cinco reações né, que o facebook coloca, tem o like, tem o hahaha, tem o raivoso, sei lá quais são os outros [Oga: tem o amo e tem o choro] como se tudo que você colocasse pra fora pudesse ser regido por alguma dessas [Oga: uma carinha só] dessas formas, quer dizer, tem todo uma zona cinza que é ignorado do sentimento humano e parece que a gente nunca acessa né, eu acho que as respostas da arte, as respostas do picho, do graffiti, tão aí nessa zona cinza né?

(Bloco 9) 1:21’00” – 1:30’59”
Oga Mendonça:Teve um questionamento por mim que foi muito legal nessas discussões de Facebook. Eu lembro que a primeira vez que fui pra Nova York, uma coisa que me pegou muito era ver que o grafite foi super condenado lá. Um grafiteiro podia pegar até quinze anos de prisão como, um estuprador, que era a lei da tolerância zero pra eles. Então o grafite diminuiu muito em Nova York, só bem afastado de Manhattan que tinha. Eu lembro que me chocou muito, os carros as vans grafitadas. E lá eles falam (aquela letra gordinha grafitada). Coisa que aqui em São Paulo que carro é Deus, então a gente não vê. O meu amigo Cleiton levantou isso, porque tem o lance do grafite e do pixo em São Paulo. Eu sempre vou trazer a questão do dinheiro, porque eu acho que é isso que dá o recorte que o Leandro estava falando, esse recorte quase social. A gente respeita, tem uma ética dentro desse jogo. Por que o carro não, o carro é quase ferir a pessoa. Então mesmo dentro dessa lógica do vandalismo, só que em Nova York não, os caras pixavam todas as vans de entrega, tinha um troap gigante que é a mesma lógica que os grafiteiros de Nova York. Eles pixavam trem porque a arte deles viajava, então é muito louco como esses caras não ligam pra gente, eles criam outras regras. E isso é muita arte.

Cris:No seriado “The Get Down” é muito interessante porque o discurso que o candidato a prefeito faz é idêntico ao do Dória, nos anos 80.
Então a hora que ele fala sobre o pixo, sobre o grafite e sobre a penalização e a criminalização. Como que as pessoas reagem aquilo e o que aquilo significa para as pessoas envolvidas ali. E não é uma questão de coitadinho, ele não existe, ele só existe exatamente no momento que ele pixa. Existe sim um reconhecimento e um status social, mas existe um Q de anárquico, e isso é político. Tem um historiador de arte, o Ernst Gombrich, ele afirma que “Nada existe realmente que se possa dar o nome de arte, existe somente o artista”. Então, a intenção, ela carrega muito a construção. A pessoa sai de casa com qual intenção? Com qual batalha? Qual batalha ela vai vencer? Então isso leva pra uma discussão muito mais ampla.

Oga Mendonça:Tinha uma anedota que a gente usava quando eu estudava arte. Fiz técnico, desenho de comunicação, então tive que estudar todos os movimentos e fazer um trabalho inspirado em cada movimento. Eu lembro que quando chegou no movimento mais modernista, eu lembro de um aluno da sala falar assim “Ah, professor. Se eu colocar um tijolo no canto da sala é um tijolo. Agora o cara chega e coloca um tijolo na sala porque ele estudou e não é um tijolo?” e o professor: “É isso mesmo”. Porque ele é um artista, ele não esqueceu ali, ele botou com intenção. Você sabe a história dele? Você sabe a bagagem dele? Você perguntou? Você entendeu? E aí eu aprendi uma lição tão incrível. Se você vai na Bienal, se você vai na galeria. Quem é sua experiência primeiro sensorial de você vê a obra, mas é muito legal quando você pede curadoria quando você vê o cara te contando. Não tem problema ter o primeiro choque, a primeira experiência de olhar aquilo. Por que às vezes o cheiro te lembra, às vezes a cor te lembra daquela calça jeans que você teve lá trás, não tem nada ver com arte, mas te ajuda na compreensão. Eu gosto muito quando o Edu fala do tempo de contemplação que a gente perdeu, a gente faz tudo rápido. Isso é muito legal, mas também é legal quando cê entende da intenção do cara, porque dá um ressignificado. Outro ponto que eu queria colocar também, a gente fica discutindo agora todo tempo. Inovação. Você precisa ser criativo, precisa olhar com uma outra perspectiva, precisa ser empático. A arte é o melhor lugar pra isso, por isso que eu acho muito legal essa coisa quando você fala, Leandro que é aprender educação artística na escola, cara vai te ajudar a ser criativo em tudo. Porque ele tá te dando um tutorial de como fazer, “olha como esse cara resolveu isso”, “olha como esse cara fez aquilo”.

Leandro Beguoci:No começo do programa você falou “O pixo é o indicador também”. é o indicador sobre de como está uma área da cidade como está a área da cidade. E quando você tem essa formação artística, quando você vai pra esse espaço de contemplação, você pode inclusive ler melhor a cidade porque tem isso ou porque tem aquilo, e aquilo muda não só a sua relação com a arte e com a cidade.

Cris:É um olhar mais humano, porque te traz a informação. Aquilo não passa apenas como um borrão, é um dado.
Leandro Beguoci:Você fala: pô se tá assim, tem alguma coisa acontecendo…

Oga Mendonça:Uma coisa que acho muito incrível, eu gosto muito de skate, fez parte da minha formação. Eu sou um skatista medíocre, mas toda música que faço aprendi por causa de skate, estudei Design por causa de skate. E era muito louco quando eu comecei a entender a Arquitetura pelo skate. E quando você é skatista você olha para as coisas de uma forma diferente, você pensa na fluidez, você tem outro jeito de olhar. E eu fico pensando assim, quando tiver a primeira geração de arquitetos que realmente entendem o pixo, imagina como os prédios vão ser? Porque ele vai pensar nessa circulação, ou contra ou a favor. Eu não quero que o pixador suba aqui, então meu andar tem que ser diferente, minha encosta não pode ser assim. Ou não, eu quero que alguém suba. Como que é uma janela pra não ter um pixo, pro cara pixar meu prédio e não vê minha casa dentro. Como que é essa janela? É isso que eu fico pensando, a gente tem uma visão tão careta, porque eu acho que de certa forma o pixo é um pouco, você está olhando às vezes verts. Como eu gosto de pixo, gosto do fenômeno. Eu vejo e consigo ler, então pra mim é muito legal, fico pensando assim: “Nossa, Lixomania aqui. Nossa, dos anos 80 nesse lugar, aqui é um lugar que é só um buraco pra maioria das pessoas” é um lugar que tem o pixo do Lixo Mania de não sei quantos anos. Caralho, em. Você começa a ressignificar os lugares que você não olha. Fora esse primeiro raciocínio muito simples “Como esse cara subiu ali?” Que já é divertido.

Cris:Eu acho que do último na ponte Estaiada não tem como não prestar atenção. E ai, desculpem. Na hora eu descobri que foi uma menina que tinha feito
Eu pensei “UAU, que legal”, são 140 metros que tem isso. É muito bom.

[risos]

Edu Biz:Tem muita pixadora, a gente acha que é só homem. Mas tem muita mulher pixando.

Leandro Beguoci: O que dá uma ótima discussão sobre gênero, arte, espaço urbano que é espetacular também. Quando você pega uma série de coisa, coisa muito comum é muito machista.

Edu Biz:Mas quando você fala do arquiteto do futuro, eu tava pensando no pixo, o meu lado pesquisador de tendência tá sempre olhando também pra esse lado do futuro. Eu fico pensando nos próximos anos, como que vai ser o pixo daqui alguns anos no sentido de absorção do mercado mesmo, porque tá começando a rolar esse movimento. A gente já está vendo aí nos últimos anos exposições em galeria de pixo. Aqui em São Paulo recentemente teve uma exposição na sétima do Di que é o pixador que fez o conjunto nacional nos anos 90 e recentemente teve uma exposição muito interessante no espaço novo aqui de São Paulo que chama Humanar do Cripta djan. Telas de pixadores a venda, eu perguntei o preço inclusive de algumas telas, eram caras. Muito louco pensar nisso, o que vocês acham, é contraditório?
Cris:A percepção que eu tenho com o pixo enquanto linguagem, enquanto função desafiadora da sociedade, o dia que ele for incentivado, abraçado e querido, ele acaba. Porque o fundamento dele é contraventor, então quando o cara faz um muro, faz um quadradinho “Dedicado ao pixador” ele vai pixar fora, porque pixar é isso. Então ele serve como um termômetro pra mostrar um lugar, pra trazer uma mensagem e pra dizer que é impossível ter o controle total, no dia que ela for abraçada…

Edu Biz:Mas aí vira produto, porque a gente tá vendo aí marcas de moda se inspirando na estética do pixo. Outro dia eu vi uma design que fez porcelana…

Cris:E eu não sabia, então a hora que eu vi “gente que rápida!”
[risos]

Edu Biz:O que é muito legal de pensar é que o pixo é o indicador de um limite que a sociedade aceita ou não, que a maior parte das pessoas aceitam ou não. Então quando a gente olha pra arte, pra intervenções urbanas na cidade, tem sempre alguém puxando sempre o limite da nossa própria tolerância, tem sempre alguém puxando o limite do que a gente aceita ou não. Porque daqui a pouco a gente fica velho, e aí vai ter algumas coisas que pra gente vão ser mais legais ou não. E eu acho muito interessante fazer essa provocação, o que vai no futuro nos incomodar tal como o pixo incomoda um monte de gente hoje, se é que vai. Eu gosto de puxar esses limites assim, porque isso acontece em vários lugares. Quando a gente fala, questão de gênero. A gente tava conversando esses dias, “pô, as pessoas estão muito mais tolerantes, dez anos não tinha mulher em liderança”, aí tá bom, “Com quantas travesti você já trabalhou? Com quantas trans você já trabalhou?” tem sempre um limite, quando você fala isso pras pessoas mais progressistas dá tela azul. Da mesma forma como a gente tá tendo essa discussão de pixo, com certeza vários dos nossos ouvintes mais abertos (e tamo junto de coração junto) vão falar: pixo é longe demais, e eu gosto de fazer essa auto provocação porque assim, o que que me incomoda? O que tá puxando o limite?

(Bloco 10) 1:31’00” – 1:40’59”
Cris: O que é que eu ainda não olhei com um olhar questionador?
Edu ou Leandro: [interrompe] O que é que eu ainda não olhei…
Oga: É e acho que também vocês citaram ali no começo, a nossa posição aqui não é convencer que pixo é legal… [Edu ou Leandro: Exatamente.] Me deixe pixar a sua casa porque você está com uma obra incrível de estética e de design que pode te inspirar no futuro a criar… Não, não é isso. Acho que é justamente assim “Cara, é uma resposta da cidade, da sociedade… É uma manifestação que tem algum valor estético ali mesmo que você não goste”.
Edu ou Leandro: [interrompe] É um indicador! Lê [leia] isso! Tenha curiosidade!
Oga: E para mim é uma obra fantástica que tem ali.
Cris: [interrompe] Eu acho que quando a gente vê a relação de outras grandes metrópoles com o pixo a gente entende que é enxugar gelo. Em Barcelona, em Tóquio, em Nova Iorque, em Paris, em Londres e em Berlim existem medidas, existem leis e todos eles sofrem com a mesma dinâmica de contravenção porque a linguagem… Você pode não concordar que é arte, mas você é obrigado a concordar que é cultura porque faz parte e reflete o meio onde aquelas pessoas estão inseridas. Então pixo é uma coisa que nunca vai ser eliminada. [Oga: Não!] É meio que enxugar gelo. Então a ideia: é como dialogar com isso, como ler isso de uma outra maneira para entender como isso de alguma forma e traz novos dados, novos olhares, novas percepções e te ajuda a estender a sua tolerância para algo que existe e sempre vai existir.
Oga: Eu só queria só pegar um ponto que o Edu falou e que eu acho bem interessante que é: a street art, de certa forma, já foi assimilada pela publicidade de um jeito gigante, não… Além do Keith Haring, ele foi o primeiro cara a sacar isso, ele misturou a street art com design porque ele produz muito produto em série… Ele produzia… Ele foi o primeiro cara a vender caneca, camiseta, as marcas faziam collab com ele. Então ele foi o primeiro cara…
Edu ou Leandro: [interrompe] Como é o nome daquele… Eu esqueci o nome daquele grupo de Hip Hop que foi…
Oga: Run DMC tem uma história que é incrível e que eles chegaram, tipo, no Brooklin, enfim, eles… Nenhuma marca de esporte chamava artista de rap, não tinha essa associação do street wear, né, e nenhuma marca de esporte entendia “a lá aquele monte de preto usando meu tênis. Caralho, eles vão acabar com minha marca”, que é o que a gente faz hoje com os funkeiros, né? Se esses cara andam com o óculos da Okley… [Edu ou Leandro: A mesma coisa…] “Caralho, eles vão acabar com minha marca”. Só que…
Cris: [interrompe] Ou o Dória usando um Ralph Lauren…
[Risada da Cris]
Oga: É… Também… Mas o Dória é sapatênis… Mas não quero falar em sapatênis que é outro programa. Enfim, muito legal isso porque o empresário da Adidas, que depois virou o diretor da Vibe, da revista, ele teve uma sacada, ele falou assim “Quero falar com o diretor de marketing da Adidas”. Falou “Menino, vocês tem aquela música em que vocês falam ‘My Adidas’…”, que é o Adidas Cubs, aquele branco, bem bonitinho, bem clássico da adidas de couro. Ele chamou o cara e falou assim “Ó! Se você vir aqui no Brooklin…” que era um lugar muito longe naquela época, nada hispster… “Se você vir aqui em Bed Stuy vão ter mais de mil moleques levantando um Adidas, um par de Adidas, no final do show e se tiver, você fecha um contrato com a gente”. Cara, foi isso, os caras foram para lá, cantaram My Adidas, aí tinha um branquinho lá no meio falando “[Som de espanto] Meu deus!”, o diretor de marketing da Adidas tendo um choque e aí a partir disso, o J pegou a Le Coq e todas as marcas foram procurando um rapper e assimilando. O que eu queria entrar no lance da street art é um artista, que é o Eduardo Sword, ele usa a cidade sempre como suporte, tem obras que questionam muitas coisas na cidade. Quem é de São Paulo já deve ter visto que ele botou garrafas PET no Tietê, ele botou trampolins de gente pulando no Tietê e tal… Ele fez várias obras questionando o uso da cidade sempre com um fundo ecológico só que recentemente ele tinha posto carros, de carrinhos de supermercado, espalhados na cidade, carrinhos gigantes. Então você passava lá e falava “Meu, o que é que é isso?”. E aí, ele explicou, era uma questão da crítica ao consumo só que, também, era uma campanha para um aplicativo que chama Homerefill, de compra. [Risada da Cris]. Então, assim, quando chega nesse momento que o momento em que os cara hipster que nem eu, “véio”, “Eu não quero mais essa bosta. Isso está comercial”… O pixo, eu acho que nunca vai chegar nisso mas vai ser assimilado como trabalho dessa designer que via, antes dessa questão, então o trabalho dela é 2015, acho que ela falou assim “É… Isso aqui parece letra grega… É isso aqui tem um valor”…
Edu ou Leandro: [interrompe] É… Egípcia…
Oga: É. Então isso daqui tem um valor. Tem essa questão da assimilação cultural e da apropriação, isso também é outro podcast, e, assim, a gente vai ficar testando esses limites. Por isso que eu acho isso tudo muito legal do tipo “Meu…”… Quando a molecadinha começou a botar piercing dentro do olho, mesmo tatuagem no olho, é uma coisa que me incomoda muito e eu sou um cara que, em teoria, gosta de tatuagens, usa dreadlocks[Risada da Cris] Mas piercing no olho eu fico assim: “o que é que você pensa?”. [Risos]
Cris: Eu acho que ter um limite não é errado. [Edu ou Leandro: Não.] A suma disso aqui, até caminhando para uma finalização, é “como estou disposto a conviver com uma linguagem que não necessariamente me atrai, não necessariamente conversa comigo, mas como eu posso usar dessa linguagem a favor do meu conhecimento…
Oga: [interrompe] Que não gosta de você. [Cris: É!] Que não quer que você a aceite. Ela não está pedindo para ser querida.
Cris: É bom isso. Não é [sou] só eu que não gosto, ela também não gosta de mim, né? Então como que a gente vai conviver no mesmo espaço urbano.
Edu ou Leandro: E acho que uma questão que dá para puxar muito fácil é que, uma pessoa que eu adoro que é a Jane Jacobs na “Morte e Vida das Grandes cidades”, né, que é… No final das contas, essa discussão, da forma em que a gent está colocando, da forma que está sendo colocada, é simplesmente aceitar que a cidade é um bicho vivo, que as pessoas estão, a todo momento, disputando a cidade…
Oga: [interrompe] Negociando espaços.
Edu ou Leandro: Negociando espaços. E ainda, puxando para esse ponto, a Jane Jacobs, nesse livro, ela fala… Ela começou, ela não era urbanista. Ela começou sendo urbanista porque um dia queriam passar um minhocão gigante na Washington Square, que “Pô”, é o final de toda comédia romântica que se passa em Nova Iorque e ela falou “Vocês vão destruir esse lugar”. E aí, acho que essa discussão que a prefeitura colocou, mais do que a discussão em si, a forma com que a prefeitura colocou. Não é que é assim “Pixador é bandido, vou colocar isso dessa forma”, ela na real é uma tentativa vã do Estado de controlar a cidade, que é um bicho incontrolável por definição. Aí você pensa “Tá! o que é que você faz em cima disso?”. Esse que eu acho que é o grande desafio que eu acho que a prefeitura não responde que é “Qual é o plano desta prefeitura para a cidade, uma vez que, durante quatro anos, você vai ser o grande curador dessa cidade?”.
Oga: Legal. Legal.
Edu ou Leandro: Qual que é o seu plano? Não sei.
Oga: Só uma palavra minha que é um pouco o fechamento do raciocínio que a discussão foi muito boa, quando eu via notícia… É justamente a discussão dessa mesmo: o que é pixo, o que é arte, o que a gente vai fazer com a 23 de Maio, porque assim, por causa dessa discussão eles chegaram numa solução que achei a melhor de fazer a parede viva em grande parte da avenida. Então assim, não vai ser só [grafite]… Vão ter pedaços que vão ser grafite e vão ter pedaços que vão ser parede viva. E eu fiquei pensando, “Cara, realmente, por planta na 23 de Maio me parece ser uma solução mais inteligente até… Eu prefiro ver planta lá do que ver trezentos quilômetro de grafite que eu vou passar por lá muito rápido e não vou conseguir ver direito ou vou ter que fazer um rolê voltado para isso…
Edu ou Leandro: [interrompe] Trezentos quilômetros de cobra…
Edu ou Leandro: Aliás as plantas estão servindo como… Hoje eu passei na frente…
Oga: [interrompe] Nação antibicho, né?
Edu ou Leandro: É. Na minha rua tem um prédio onde estavam começando a dormir um monte de moradores de rua, assim, de pessoas em situação de rua passando a noite ali. Hoje eu passei lá na frente do prédio e encheram de vasos de planta enormes, assim, uns vasos que não dá para mover. Tipo assim, enfeitaram o prédio com as plantas mas também resolveram o “problema” das pessoas que estavam dormindo.
Oga: [interrompe] É, até na 23 de Maio, eu acho que ainda não tem um, pelo menos para mim, essa idéia de gentificação agressivo, mas ali naquele espaço, naquele caso eu pensei assim “Cara, na prefeitura do Haddad a gente não ia discutir isso porque ele a recebeu um jeito de estressar essa discussão ”, a gente recebeu um caminho do meio que eu falei “Cara, é esteticamente bonito, né, as plantas, todo mundo concorda, os setenta porcento que o Dória falou concorda…
Cris: [interrompe] Setenta e sete.
Oga: Os setenta e sete por cento podem falar “Planta é bonito”…
[Risos]
Edu ou Leandro: Vão a um lugar que todas gostam. [Riso a Cris]. Isso eu acho muito interessante e acho que de certa forma o nosso programa aqui ele vai fazer um pouco isso de conseguir chegar a algum caminho do meio com essa discussão.
Cris: É ampliar a mente. Edu, conclua seu pensamento.
Edu: Eu queria voltar no pensamento quando você citou os outros casos das outras cidades e tal, né, as grandes capitais do grafite, eu acho que cada uma tem características muito próprias, né? Nova Iorque tem um estilo, Berlim, Montreal, cada uma tem um DNA e São Paulo também tem de que o pixo faz parte da paisagem de São Paulo, uma marca inconfundível que a gente tem mas também é crime, né? Quer dizer, a rua é o espelho do povo e é a questão que você colocou: como que a gente vai conviver com isso, né. Acho que essa é a questão que a gente deve refletir porque, assim, a pichação ainda vai continuar na cidade, né, isso é fato, e o que a gente sabe é que quanto maior a repressão, como o governo atual propõe, maior também a transgressão. Então a gente vai ver aí, sem dúvida, o pixo por aí e eu acho que o pixo tem potencial de se tornar um diálogo com o prefeito, eu acho que a gente vai começar a ver nos muros vozes ajudando o prefeito a governar a cidade e dicas, alguma coisa nesse sentido, o que eles tem a dizer sobre governar a cidade.
Cris: É uma boa audiência pública. Bom, e eu quero encerrar com o Jean Pierre Faye que tem uma fala que cabe muito bem aqui na nossa conversa: “Devemos trazer a história às palavras, não levando em consideração o que dizem os homens mas com a atenção voltada às imagens que a sua própria movimentação desenha”.

(Bloco11) 1:41’00” – 1:50’59”
[Sobe Trilha]
[Desce Trilha]
Cris: Vamos então para o Farol Aceso? Oga, querido, que que ‘cê tem pra indicar no Farol Aceso essa semana?
Oga: Olha, vou indicar umas dentro do tema, tá? Ah, tem um documentário do pixo, do John Byner, esse acho que todo mundo já chegou no meio dessa discussão aí, pra você discutir com seu amiguinho no Facebook, ‘cê já deve ter visto. Se não viu, tem no youtube, é bem facinho de achar. Outro documentário, esse já vai pro grafite, e na verdade pra Street Art, é um documentário do Banksy, aquele artista famoso de Londres, chama Exit to the Gift Shop. Ele é muito legal, eu não vou ficar dando spoiler, porque ele tem reviravolta, enfim. Mas é muito legal porque ele questiona realmente esse mercado todo da arte… [Cris: É muito bom, é muito bom]. É muito interessante.
Cris: E o Banksy é bom que você nunca sabe o que que é verdade, que que é mentira, o que que é a própria arte…
Oga: De nada mesmo, né, de nada mesmo. Tanto que tem assim, muita gente questiona: é um estúdio, não é um cara só, tem várias coisas aí no meio, né . Enfim, Exit to the Gift Shop. Ó a aula de inglês, hein? Brasil! [Cris: (risos)] Tem um outro documentário, que aí eu acho mais incrível ainda, que chama Graffiti Wars, que ele conta uma treta muito pesada que teve entre um cara que chama King Robbo e o Banksy, em Londres. Eu nem vou dar spoiler, mas assim, assista. Tem no Vimeo, tem no Youtube. E mostra um cara que era Blek Le Rat, que é um artista da França, e que o Banksy se inspiroooooou um pouquinho [Cris: (risos)] no cara, vejam que é muito legal. Por último, eu já tinha citado no meio da conversa do Krink, desse cara que fez uma fábrica de tinta, o trabalho dele deixou de ser só ser o anti-grafite, como ser empresário. Ele fez um aplicativo, que aliás eu já usei em trabalhos meus, aplicativo dele [Cris: Que legal.] É um aplicativo que você simula as tintas. Então você bota no iPad ou no celular, você escolhe o canetão que você quer, a tinta que você quer, e você pode fazer sua própria tag, ou sua própria letra de pixo. Então é muito legal [Cris: (risos), Olha o pixo virtual!]. Ali limpinho, bonitinho, higienizado, você mostra pro amiguinho. Mas legal porque ele simula mesmo as tintas. Eu tenho os canetões, e ele simula o tempo que a tinta cai. Cara, eu achei isso tão incrível porque assim, é outro jeito de você comprar tintas. É o melhor jeito de comprar tintas. A Suvinil fez aqueles app careta [Cris: (risos)] que você pinta parede, aquilo não tem nada a ver perto disso. A experiência é demais. E é isso, galera.
Cris: Edu querido, que que você recomenda?
Edu: Olha, queridos ouvintes, o pessoal aqui dos Mamilos me autorizou a puxar uma sardinha pro meu lado, então vou falar do Artikin que é um aplicativo pra quem gosta de visitar exposições, porque assim, quem gosta de visitar exposições já deve ter passado aí por um problema que é a fartura de opções que existem nas grandes cidades. Tô falando de São Paulo e Rio de Janeiro que são as cidades que o aplicativo cobre atualmente. Então pra quem gosta de ir no máximo de exposições que consegue, né, o Artikin é muito útil porque ele organiza as agendas de exposições por ordem de data de encerramento. Então as exposições que vão sair de cartaz mais rápido são as que ficam ali no topo da lista. Tem essa contagem de dias. E além de um map com os pins das exposições próximas de você e tudo mais. O aplicativo é gratuito, tá disponível pra iPhone, pra Android, com as agendas de São Paulo e Rio de Janeiro, baixem, se escreve A-R-T-I-K-I-N. E o projeto também tem um c anal no Youtube com o mesmo nome, tamos começando ainda, tem oito episódios já no ar falando de história da arte com um recorte aí metade do século 20 pra cá, falando aí de conceitos e fundamentos da arte contemporânea. É isso.
Oga: Recomendo, hein cara, é muito muito muito bom esses vídeos.
Cris: Vou aproveitar que o Oga falou e vou falar também. É… a gente tava falando sobre ter tão pouca educação artísticas e o Edu dá um presente pras pessoas, sabe. ‘Cê vai lá e você fala “puxa, realmente”. E aí você vê um pedacinho da história da arte, e você… sua mente abre, você começa a ver as coisas de uma outra maneira, então o Artikin é o Mamilos da Arte. Então vai lá no Youtube, assista, tem muita coisa, eles trazem imagens daquilo que ele tá falando, ajuda a contextualizar melhor, entender um pouquinho sobre isso. Na minha opinião a arte é a maneira de não enlouquecer, ou é a maneira de enlouquecer com beleza, então acho impossível viver sem arte, acho que o Edu faz isso brilhante assim, entrega lindos presentes lá no canal dele.
Edu: Obrigado, Cris. Deixa um comentário lá no Youtube dizendo que chegou via Mamilos. [Cris: (risos) Isso!] Vamos ver quantos serão!
Cris: Tomara que muita gente!
Oga: E avalia bem na Apple Store, que isso é positivo.
Edu: Boa!
Cris: Fala Beguoci, que que você tem de bom aí.
Leandro: Vou recomendar uma viagem. Eu acho que quando a gente fala de mudar a perspectiva, eu viajei recentemente pra Cuba, e acho que é o lugar mais diferente que eu já fui no planeta Terra, assim, dos que eu conheço.
Oga: Já tinha ?? já foi pra Diadema?
Leandro: Conheço Diadema, sou de Caieiras, Franco da Rocha, [Oga: Então tá.] Francisco Morato. [Cris: (risos)] Fala umas cida… um lugar da Grande São Paulo (risos) . [Oga: Né.] E pra mim, o que é muito doido quando você vai pra Cuba é que ela funciona em outro tempo, né. O fato de não ter internet, pra maior parte das pessoas, nas casas delas, muda a relação com o tempo. O fato da internet estar na praça, né, as pessoas precisam comprar um cartão e usar internet na praça, muda a relação com o espaço público.
Oga: E ela é vigiada a internet ainda, ou não?
Leandro: Cara, Cuba faz de um jeito muito… primeiro que a internet de Cuba é espanhola, né. Os servidores ficam na Espanha. Então, por uma série de razões, enfim, uma delas o embargo. E aí o que você percebe é outra relação com a cidade. Porque a maior parte das pessoas, como eu disse, não tem internet em casa, a internet funciona na praça, funciona mal, então assim, eu fiquei dezesseis dias sem internet de fato, e era basicamente uma experiência maluca de “cara, o que está acontecendo agora?”. Não tem 3G, não tem Wifi, cara, muda a relação…
Oga: [interrompe] Não tem Waze, como você andava lá, né?
Leandro: Eu ando a pé, eu não sei nem dirigir.
Oga: Mas mesmo assim você usa, né, com Google Maps, e nada né.
Cris: Descobrir os lugares…
Leandro: Uma coisa muito louca…
Cris: [interrompe] É uma viagem totalmente exploratória, né, porque hoje a gente viaja muito com roteiros pré-prontos [Leandro: É.] e “fui em tal lugar, tal lugar, tal lugar”, e o aplicativo, e a internet, e tudo serve pra isso [Oga: Não, eu vi isso, é.] e de repente você vai pra um lugar e te solta e fala: “anda aí, amigão”.
Leandro: Eu acho pra mim foi uma baita experiência [Oga: É mais essa mágica.] de funcionar em outro tempo assim. Claro que tem mil problemas, não vou ficar… enfim, ninguém aqui vai fazer apologia, mas se você quer ter uma… e provavelmente um dos pouquíssimos lugares no mundo que dá pra ter essa experiência hoje, assim. Então pra mim foi a experiência hoje de dezesseis dias rodar em outra rotação [Cris: Muito legal.] e isso pra mim foi incrível.
Oga: E agora, a única menina da mesa. Cê vê que a gente não é machista, mulheres por último, né. (risos)
Cris: Ahh tá. Só que quem é a chefe aqui sou eu, eu que mando!
Oga: Ai. Ai. Tomei bronca. [Cris: (risos)] [EDU OU LEANDRO? Acho ótimo.] Cris, quais que são suas indicações?
Cris: Vamos lá, eu quero indicar uma série no Netflix chamada Merlí, que trata de filosofia. É uma série muito good vibes, é a respeito de um professor muito cafajeste. Sabe aquele cafajeste antigo, que é aquele cara maroto, que usa todo o charme dele, e o conhecimento pra envolver as pessoas da maneira que ele quer? Ele é manipulador, ele mente, ele é politicamente incorreto, cê é apaixonado por ele.
Edu: Que amor!
Cris: Sabe, é aquele anti-herói que todo mundo ama mas sabe que tá errado. Ele é professor de filosofia, ele deve ter uns 50 anos e mora com a mãe e o filho adolescente gay vai morar com ele. Eu ainda não cheguei na parte se ele sabe, se ele não sabe, mas pra mim é óbvio que ele sabe. E eles convivem ali e ele acaba se tornando professor do filho na escola, [Oga: Olha, que legal.] justamente onde o filho estuda. E cada episódio discutem um filósofo numa turma secundarista, então você volta praquele tempo de adolescente que você só zoava na escola, mas tem um professor brilhante, e aquele professor te envolve no questionamento, na reflexão, no “pra que serve a filosofia?”. E a gente tá falando aqui de arte, eu acho que a filosofia vem aí dentro desse mesmo universo, acho que pra quem ama educação, quer saber um pouquinho mais de filosofia de uma maneira rasa, mas de uma maneira interessante, colocada de uma maneira apetitosa. Merlí, série do Netflix.Oga, temos um programa?
Oga: Com certeza, temos um ótimo programa.
Cris: Tá certo. Eu agradeço muito a vocês, em especial ao Oga que veio aqui me dar essa força. Ju, eu espero que a gente tenha honrado aqui o seu nome, mandem beijo pra Ju pra ela voltar morena, ela vai voltar morena semana que vem.
Oga: Volta Ju! Depois de descansar, é claro.
Cris: (risos) Gente, é isso, muito obrigada, um beijo, valeu!
[Sobe Trilha]
[Desce Trilha]