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Remake de “Suspíria” entende o original, mas caminha com as próprias pernas

Luca Guadagnino dispensa objetividade para criar experiência baseada em imagens e sons despidos de maior significado além do terror

por Matheus Fiore

É sintomático do nosso tempo que o público pareça ter perdido o interesse em qualquer modelo de narrativa que rejeite uma interpretação direta e objetiva. Não é à toa que cineastas como Christopher Nolan, que criam personagens que existem exclusivamente para ouvir explicações (a Ariadne de “A Origem”), sejam alguns dos mais cultados na década. O problema, claro, se estende também à parte da crítica: como pode um crítico de cinema, que tem como função expandir discussões sobre arte, se propor a explicar (ou seja, fechar o debate com uma conclusão) essa arte?

O “Suspiria” de Dario Argento foi analisado de diversas formas ao longo dos anos. As teses mais comuns para filme são sobre a trajetória da protagonista e sua relação com o mundo da arte, e também sobre a dicotomia entre o belo e o grotesco. Na premissa, o remake de Luca Guadagnino parte do mesmo ponto: uma jovem chega a uma tradicional escola de dança e se vê imersa em um ambiente sinistro e cheio de mistérios. O diretor compreende, porém, que o clássico de 1977 possui uma história e um roteiro que servem apenas como base. O que eterniza a obra de terror é uma experiência de gênero mais direta construída tanto pela trilha sonora (a clássica, feita pela banda Goblin) e pelas imagens (tanto os movimentos de câmera quanto as luzes e a direção de arte).

Guadagnino parece ter previsto que muitos tentariam avaliar e “explicar” seu filme de forma objetiva. É interessante, portanto, que “Suspíria: A Dança do Medo” não comece diretamente com a protagonista chegando à escola de dança, mas com uma das coadjuvantes indo a uma sessão psiquiátrica e apresentando um comportamento bastante peculiar. A sessão, obviamente, fracassa ao tentar explicar pela ciência o que aflige a personagem. É como se, já no primeiro capítulo de seu longa-metragem, Guadagnino avisasse que qualquer tentativa de cientifização ou análise objetiva de sua narrativa seria infrutífera e antagônica às pretensões sensoriais da trama.

Luca Guadagnino com Tilda Swinton no set

Há alguma contextualização política em “Suspíria”. A trama acontece em Berlim, durante um dos picos da Guerra Fria, quando confrontos surgem constantemente na cidade. Quando retrata cenas ambientadas fora da escola de dança, Guadagnino quase sempre filma seus personagens próximos ao muro, permitindo não só que essa contextualização política ganhe corpo, como também se confunda com a construção mística do filme. Afinal, em “Suspíria”, Susie (Dakota Johnson) adentra uma academia artística dominada por bruxas, e os muros da cidade acabam funcionando também para estabelecer um isolamento psicológico, como se a personagem fosse prisioneira das feiticeiras.

As bruxas, aliás, são outro elemento que é tratado de forma diferente em relação ao longa original. Na obra de Argento, a natureza misteriosa das mulheres que comandam a escola de dança só é revelada ao longo da narrativa, de maneira calma, construindo um clímax. Porém, no remake de 2018, essa natureza obscura é exposta desde os primeiros momentos em que Susie adentra o local. Ao abdicar do mistério, Guadagnino permite que seu filme foque na apreensão, na certeza de que algo nefasto está à espreita, podendo eclodir a qualquer momento. O medo do desconhecido cede lugar ao pavor que antecede o horror. O temor pelo mistério é substituído pelo terror de personagens que parecem estar prestes a perder o controle dos próprios corpos.

Há um esboço de aprofundamento na história das bruxas e suas origens, mas o roteiro trata as personagens de forma mitológica, como seres que trespassam toda a história da civilização humana. É como se todo momento de apreensão política, como era no contexto da Berlim da Guerra Fria, fosse o cenário ideal para as certezas se desintegrarem diante de eventos inexplicáveis pelos conhecimentos humanos, inconcebíveis de forma racional; eventos que pudessem apenas ser vivenciados. Ironicamente, o que há de mais racional em “Suspíria” é a belíssima trilha de Thom Yorke, que consegue ser convidativa e assustadora, já que aproveita tanto temas de cordas suaves quanto a voz fantasmagórica do cantor inglês.

Há um esboço de aprofundamento na história das bruxas, mas o roteiro as trata de forma mitológica

Para “justificar” essa impossibilidade de total compreensão da situação e ainda evocar uma presença mística em cada fotograma da obra, a direção de fotografia de Sayombhu Mukdeeprom e a montagem de Walter Fasano são essenciais. A fotografia aposta bastante no zoom, técnica que teve seu uso reduzido após a Nova Hollywood e que, só por se fazer presente, faz parte de uma reconstrução estética nostálgica de Guadagnino e escancara o saudosismo do cineasta. Para o misticismo, o zoom é importante, pois ajuda na noção de que a câmera é “viva”, como se o espectador assumisse o ponto de vista de uma presença não explicada. Quando Susie chega na escola de dança pela primeira vez, por exemplo, um zoom brusco em seu rosto mostra como há algo misterioso no ambiente.

A montagem de Fasano, por sua vez, picota muitas cenas sem um critério aparente, o que funciona de diversas formas ao longo do filme. Na cena inicial, quando acompanhamos uma sessão psiquiátrica, a montagem picotada parece sugerir o desequilíbrio psicológico de uma personagem. Aos poucos, porém, compreendemos, como já foi dito neste texto, que se trata, na verdade, de uma questão extra-física, de algo místico. A montagem, portanto, cria um estranhamento estético, como se o espectador não estivesse no controle do próprio olhar – assim como, em muitos momentos, as personagens parecem não estar no controle de seus próprios corpos –, já que a câmera parece não seguir necessariamente os focos dramáticos de cada cena. Há, por exemplo, momentos nos quais a câmera filma um grupo de personagens interagindo, e se afasta e filma objetos como um espelho, como se houvesse algo ali que não fosse possível de se ver com nosso olhar.

Os espelhos, aliás, ganham uma atenção especial de Guadagnino. “Suspíria” trabalha reflexos tanto no sentido visual quanto no alegórico. No visual, é uma constante a movimentação da câmera para filmar um diálogo ou uma dança não diretamente pelos personagens, mas pelo reflexo deles no espelho, como se a obra não fizesse distinção entre o que é físico e o que é apenas imagético – de fato, não faz, trata tudo apenas como um meio para alcançar uma experiência de gênero mais crua, proporcionada pelo terror e pelo grotesco.

O zoom é importante pois ajuda na noção de que a câmera está “viva”, assumindo o ponto de vista de uma presença não explicada

Já quando trabalha os reflexos de forma alegórica, Guadagnino consegue reverenciar o clássico de Argento ao falar sobre o belo e o grotesco – vide, por exemplo, a dança de Susie, que tem seu “reflexo” projetado em outra sala da escola de dança: enquanto com Susie a dança é bela e mística (pela sensação de que a personagem de Tilda Swinton está “enfeitiçando” os membros da protagonista), por trás dessa dança, há uma cena tortuosa e grotesca em uma sala espelhada. A sensação é a de que Guadagnino está entregando, ali, que a beleza e a plasticidade de todos os movimentos visualmente agradáveis de “Suspíria” são apenas uma maquiagem para algo nefasto que ocorre por baixo da superfície.

O coroamento do remake de Guadagnino, porém, não está nos sutis simbolismos, nem na plasticidade de suas cenas e muito menos na forma como a decupagem constrói uma narrativa que vê beleza no bizarro e abraça uma incoerência (pela montagem surtada) visual como característica que expõe a presença de algo sobrenatural em cena. O que torna “Suspíria” arrebatador é saber abstrair de qualquer significação objetiva para ter uma narrativa que possui apenas alguns vislumbres do que realmente acontece na mente de suas personagens.

Mais do que contar uma história tematicamente complexa, Guadagnino quer envolver seu espectador com apreensão e pavor por meio do choque e do encantamento de uma experiência audiovisual direta. O horror vivido pelas personagens que têm seus corpos desafiados pela dança e pela magia a todo momento é, aqui, bem mais atraente do que a possibilidade de politizar a trama e buscar alguma linha intelectual para o roteiro. Ruim para quem busca “explicar” arte e tentar ver sentido em cada frame projetado; melhor para quem está disposto a embarcar na viagem.

nota do crítico

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