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“O Mau Exemplo de Cameron Post”, um coming of age interrompido

Filme traz personagens que vêem sua adolescência sendo esmigalhada pelo conservadorismo

por Matheus Fiore

“O Mau Exemplo de Cameron Post” apresenta um conflito interessante: o que há entre o espaço onde a trama se passa e os sentimentos dos personagens que ocupam esse espaço. No novo filme de Desiree Akhavan, uma adolescente (Cameron, vivida por Chloë Grace Moretz em sua melhor forma) é enviada para uma casa de “recuperação” após ser flagrada se relacionando com outra menina. Chegando ao local, Cameron se vê diante de um ambiente feito unicamente para fazer lavagem cerebral nos jovens que lá estão: todos devem, primeiro, admitir seus pecados para, então, se recuperarem desse pecado e se transformarem em pessoas heterossexuais. Está posto, então, o conflito: no ambiente onde o filme majoritariamente se passa, personagens têm suas próprias existências estigmatizadas e atacadas por uma visão de mundo cristã.

Mas o filme vai além disso. Por se tratar de um longa que traz personagens adolescentes, é inevitável a associação com o coming of age, gênero que fala justamente sobre amadurecimento e transformações na juventude. Em “O Mau Exemplo de Cameron Post”, a ideia de Akhavan para abordar o gênero é mostrá-lo em doses homeopáticas, pois ele não possui espaço para existir. Pelo fato de haver esse choque entre personagens e cenários, não há o amadurecimento, não há a vida do jovem, há apenas a doutrinação e a lavagem cerebral.

Desiree Akhavan (à direita) no set do filme

Akhavan tem ideias muito interessantes para estabelecer o clima de opressão no filme. O primeiro plano, por exemplo, é uma bíblia na mão de um jovem. Mas antes mesmo de este plano ser projetado, durante os créditos de abertura, já ouvimos uma voz masculina falar sobre como o pecado desvia o jovem dos caminhos de Deus. Na obra (como é em muitas realidades), a catequização é algo tão opressor que extrapola até mesmo o universo diegético do filme e nos força a ouvir sobre o cristianismo antes de qualquer outra coisa.

Essa constante repressão, imposta ao que é diferente ou externo ao mundo cristão, é algo usado repetidas vezes, e sempre de maneiras eficientes. Quando vemos Cameron chegando de carro no instituto onde será confinada, a cena já começa com o som de uma rádio cristã, que toca no carro de sua mãe. O mesmo acontece quando ela entra no lugar: antes mesmo de conhecer as pessoas e entrar no cenário, ela e o público já ouvem o líder do local tocando uma música religiosa no violão. Em “O Mau Exemplo de Cameron Post”, a opressão da fé intolerante vem não por meio da agressão ou necessariamente de uma repressão física, mas da impossibilidade de ter sequer um minuto sem que haja alguma forma de pregação que tenta conduzir os personagens para o caminho “certo”.

Cameron se vê diante de um ambiente feito unicamente para fazer lavagem cerebral nos jovens que lá estão

Esse ambiente opressor também é bem utilizado por Akhavan para representar os desejos de fuga de sua protagonista, que constantemente é filmada diante de janelas ou observando a parte externa do plano, sugerindo que ela está o tempo todo pensando em sua liberdade – porque, afinal, Cameron está de fato em uma prisão. Os únicos momentos nos quais a personagem consegue vislumbrar algum relaxamento são em seus sonhos. O interessante é que essa fuga não é algo criado apenas quando Cameron chega ao instituto; ela se faz presente desde a primeira cena, quando a protagonista aparece indo embora, de costas com sua companheira, enquanto ouvimos a pregação de um pastor. Esse encaixe de imagem e narração acaba por sugerir um distanciamento inconsciente de Cameron de todo o universo cristão.

É eficiente também a forma como Akhavana filma as cenas de sexo do filme. Se a primeira relação de Cameron, ainda do lado de fora do instituto, é uma cena apaixonada, com foco nos corpos se entrelaçando no banco de trás de um carro, as outras cenas de sexo recebem uma abordagem diferente quando vistas apenas pela imaginação da protagonista. Cameron passa a imaginar o sexo como um ato de resistência e rebeldia, recusando-se a ceder à lavagem cerebral que tentam lhe impor. Não por acaso, Grace Moretz exibe sempre uma feição de alívio nessas cenas, mostrando como sua imaginação lhe traz alguns segundos de paz.

Apesar de certa sobre sua sexualidade, a personagem possui nuances ao longo da trama. No início, Cameron parece disposta a tentar passar pelo experimento e se tornar heterossexual, algo que é desconstruído a medida que ela percebe que é impossível manipular seus desejos, e que nem os próprios líderes da comunidade têm muita noção do que estão fazendo. A trajetória da personagem parece ser a de reafirmar sua orientação sexual. Nesse ponto, “O Mau Exemplo de Cameron Post” apresenta elementos narrativos dignos de um belo coming of age.

O filme é um coming of age sufocado pelo conservadorismo

Esse conflito entre os personagens, que simplesmente tentam ser eles mesmos dentro de um espaço que não os aceita, faz com que “Cameron Post”  apresente também um conflito em relação ao gênero. O coming of age é sufocado pelo conservadorismo. Há uma cena na qual Cameron sobe na mesa da cozinha e dança e canta – digna de John Hughes –, e percebemos que, aos poucos, ela contagia os demais personagens, que também começam a cantar e se animar. A cena termina com uma das líderes do local chegando, desligando o rádio e punindo os personagens. É como se houvesse o embrião de um filme sobre juventude e amadurecimento que é sempre agredido por essa visão de mundo extremamente conservadora e manipuladora.

É bem coerente, portanto, que Akhavan construa seu filme com tantos close-ups e planos fechados. Há um mundo inteiro a ser explorado e descoberto por aqueles personagens, mas eles não têm acesso a ele. A câmera fechada em seus rostos expostos, desgastados, mostra como eles são sufocados pela doutrina dominante. “O Mau Exemplo de Cameron Post” é um coming of age que teve sua existência negada. É uma juventude que teve sua liberdade e jornada pelo autodescobrimento cerceada. Um filme que, sem apelar para o melancólico, mostra como ideias terríveis como a “cura gay” só servem para colocar as pessoas no caminho oposto ao que elas gostariam de estar. Nada poderia ser mais simbólico do que um jovem, que está na fase de descobrir seu corpo, cometer um gesto de ódio contra esse corpo – algo que acontece ao longo do filme. “O Mau Exemplo de Cameron Post”.

Capaz de estudar seus personagens sem se debruçar sobre seus dramas de forma apelativa e ainda assim imprimir complexidade a todos eles, o filme de Akhavan funciona tanto como exercício de gênero (o anti-coming of age proposto é extremamente bem executado, já que os elementos comuns do gênero surgem e são prontamente cortados), quanto como retrato de um triste acontecimento: a lavagem cerebral que priva pessoas de serem simplesmente o que elas são.

nota do crítico

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