- Criatividade 17.dez.2025
20 anos de Super Bonder “Reality Advertising”: quando a DM9 colou um monitor na parede e prendeu a internet
Em 2005, a antiga DM9DDB provou a força da marca e a potência da web com um dos primeiros virais interativos
Em 2005, enquanto o mundo ainda tateava os limites da internet e o YouTube engatinhava, um monitor de 11 quilos apareceu colado de lado em uma parede. Ele transmitia mensagens em tempo real, 24 horas por dia. Sem cortes, sem truques. Era uma campanha de Super Bonder criada pela DM9DDB para a Henkel, num experimento radical para provar que a cola grudava pra valer, ao vivo, diante de qualquer cético que tivesse uma conexão com a web.
Reality Advertising era tosco, real e impossível de ignorar
O projeto foi batizado de “Reality Advertising” e virou o primeiro reality show da propaganda brasileira, em uma época que os realities dominavam parte da cultura pop. O Big Brother Brasil, por exemplo, estavam apenas na terceira edição e cópias se espalhavam pela TV.
“A ideia nasceu num brainstorm livre, desses que geralmente morrem na falta de tempo ou apoio”, relembra Pedro Gravena ao B9. Pedro foi um dos criativos por trás da ação, junto com o time da DM9, colando o monitor com as próprias mãos. Nos anos seguintes, ele colecionaria mais de 40 Leões em Cannes Lions.
“A gente sabia que era diferente, mas não tinha noção de que ia ser tão disruptivo. Podia dar em nada ou dar em tudo.”

O viral analógico que colou a internet
Visualmente datado, conceitualmente intacto
A lógica era direta: colar um monitor com 0,3 grama de Super Bonder e transmitir a façanha 24 horas por dia, com uma webcam fixa e um site tosco, mas funcional. Qualquer pessoa podia mandar mensagens de até 15 caracteres e vê-las aparecer ao vivo na tela colada. Enquanto isso, funcionários da agência passavam ao fundo, riam das frases bizarras e acenavam para a câmera. O que parecia piada virou obsessão.
No ar durante 57 dias (e colado por 123), o site recebeu mais de 1 milhão de acessos. Teve pedido de casamento, recado cifrado, mensagem em caps lock. O vídeo travava e a conexão caía às vezes, é verdade, mas isso só deixava tudo mais crível. Demonstrava que era real.
A DM9, inclusive, publicou um vídeo de making of que deixava claro: não havia fios, truques ou suportes. Um cartaz colado no vidro pedia: Please don’t touch… it’s an advertising.


Bastidores e tecnologia improvisada
Como streaming em tempo real era quase ficção científica em 2005, a campanha exigiu gambiarras técnicas. A transmissão rodava no primeiro servidor Flash Media Server do Brasil, instalado pela própria agência. Nada foi terceirizado, da fixação física à moderação das mensagens.
A parede do prédio era de mármore, e a cola não grudava. Gravena resolveu o problema comprando por conta própria uma placa de PVC para fixar o monitor. “Ninguém quis aprovar a compra, então fui lá e resolvi.” O monitor, aliás, foi resgatado do almoxarifado do TI, prestes a ser descartado. “Não vejo glória nisso. Foi a força de um pequeno grupo, não da estrutura da agência.”
Os limites técnicos, como os 15 caracteres e o vídeo engasgado, viraram parte do charme. Não se tratava de tecnologia ou de aproveitar a tendência da vez. Era uma ideia simples, clara e bem executada.
Contra a corrente da própria estrutura
“Foi a força de um grupo pequeno, não da estrutura da agência.”
Mesmo sendo uma das agências mais premiadas do Brasil, a DM9 relutou em apoiar a ideia desde o início. O projeto foi tocado por um pequeno grupo que bancou a execução na raça, sem orçamento ou aval formal. Lembrando: a agência não quis aprovar a compra de uma simples placa de PVC.
“Não teve empolgação, não teve reunião de status. A ideia só existiu porque a gente quis muito fazer”, relembra. Mesmo após o Grand Prix em Cannes, segundo ele, nada mudou. “As dificuldades continuaram as mesmas, talvez até maiores. O sistema não premia risco. Mas a gente entendeu que dá pra hackear isso com vontade e teimosia.”
Essa dissonância entre o discurso da indústria e sua prática permanece atual, aliás. Agências celebram inovação, mas muitas vezes travam as próprias ideias com burocracia e medo. Reality Advertising virou um lembrete de que criatividade exige não só ideia, mas insistência.

A virada em Cannes (e no mercado)
A campanha chegou a Cannes como uma anomalia. Não era filme, nem banner, nem site bonito. Era um monitor colado de lado transmitindo recados ao vivo. Simples assim.
Levou o Grand Prix de Cyber em Cannes Lions 2005, o primeiro do Brasil na categoria, que depois foi extinta mas durante anos foi símbolo de criatividade digital. Também ganhou ouro no El Ojo de Iberoamérica, prata no Andy Awards e bronze no New York Festivals. A DM9 foi eleita Agência do Ano em Cyber.
“A gente descobriu ali que a propaganda podia ser feita com ideia, improviso e insistência. E que mesmo sem estrutura, se for bom de verdade, o mundo presta atenção.”
Um experimento que antecipou o digital
“O sistema não premia risco, mas o público sim.”
Hoje é fácil falar em live, stream, interação em tempo real. Em 2005, isso era um experimento. O termo “viral” ainda era usado com aspas. O público mal sabia o que esperar de uma marca online. Fernanda Romano, outra criativa da campanha, definiu bem à época: era “prova de que dá para sair do PowerPoint e colocar a ideia no mundo real”. Gravena reforça:
“A gente aprendeu que dava pra criar propaganda sem depender de portais, banners ou formatos impostos. A liberdade da internet ainda existia, e a gente explorou isso até o limite. Hoje, infelizmente, vejo mais obediência aos formatos do que vontade de subverter.”
Vinte anos depois
Rever Reality Advertising hoje é abrir uma cápsula do tempo. Visualmente datado, tecnologicamente frágil, mas conceitualmente intacto. Um lembrete de que impacto não vem da complexidade, e sim da coragem. Em tempos de IA, realidade aumentada e deepfakes, talvez o mais convincente ainda seja um monitor colado na parede com Super Bonder.
Ironia do destino: o monitor caiu ao vivo, empurrado acidentalmente pelo próprio Gravena. “Ele caiu no meu colo. Pensei: ninguém viu, vou colar de volta. Mas aí as mensagens começaram a pipocar: ‘Caiu! Caiu!’”, ri. O momento virou cena final da ação.
“Mudou minha vida. Não pela fama ou prêmio, mas porque me ensinou o que a publicidade pode ser quando a gente acredita. E teima.”
CRÉDITOS
Anunciante: Henkel
Produto: Super Bonder
Direção de Criação: Sergio Valente; Marcos Medeiros; Fernanda Romano; Wilson Mateos
Direção de Arte: Cris Santoro; Pedro Gravena; Mauricio Mazzariol; Alexandre D’Albergaria
Redação: Keke Toledo
Na série Clássicos que Mudaram o Jogo, revisitamos campanhas que ultrapassaram a categoria “anúncio” e ajudaram a redefinir como a publicidade conversa com o mundo. São peças que marcaram época e ainda provocam debates sobre criatividade, tecnologia e cultura.

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