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“No Coração do Mar” entretem pela jornada, mas subaproveita seus melhores temas

Em prol da ação e sobrevivência, diretor Ron Howard fica na superfície das reais inspirações de “Moby Dick”

por Virgílio Souza

A primeira impressão causada por “No Coração do Mar” é de que o contato do filme com a lenda retratada jamais ultrapassa a superfície. A essência da história é a busca de um grupo de marinheiros por algo fantástico: a grande baleia que inspirou não apenas o livro de mesmo nome escrito por Nathaniel Philbrick, em que o roteiro se sustenta, como também “Moby Dick”, clássico de Herman Melville. Curiosamente, a reação imediata ao assistir à produção é semelhante à trajetória de seus personagens, mas sem o final redentor. Há motivos para confiar e investir nessa jornada rumo ao desconhecido, mas o resultado inevitavelmente deixa o espectador à deriva.

Estruturalmente, a proposta é conservadora. Longos flashbacks, interrompidos brevemente para que certas questões sejam pontuadas, apresentam cronologicamente os acontecimentos que levaram ao famoso naufrágio, desde a montagem da tripulação e as primeiras saídas ao mar. Os relatos sobre a fascinante criatura marinha são transmitidos de Thomas Nickerson (Brendan Gleeson), sobrevivente daqueles eventos, para o próprio Melville (Ben Wishaw), um escritor ainda em processo de amadurecimento que busca as últimas fontes restantes para escrever sua obra-prima. O responsável por narrar a trama havia participado das expedições do navio Essex ainda garoto (aqui, interpretado por Tom Holland), ao lado do capitão Pollard (Benjamin Walker) e do primeiro imediato, Owen Chase (Chris Hemsworth), além de outros tripulantes.

Ron Howard (à esquerda) e Chris Hemsworth no set

Ron Howard (à esquerda) e Chris Hemsworth no set

Heart Poster

A relação entre autor e náufrago é estabelecida de modo a equilibrar o legítimo interesse do primeiro no passado do segundo e a resistência deste em finalmente expor seus traumas após décadas de silêncio e agonia. O descompasso entre as duas coisas é fundamental para alguns dos trechos mais genuínos do longa, sobretudo quando o diretor, Ron Howard, explora a carga dramática dessa dinâmica e Gleeson mostra seu valor.

Contudo, a partir do momento em que adentra a trama, em si, o filme parece perdido em meio a suas próprias possibilidades. Uma série de fatores é abordada superficialmente, mas o roteiro opta quase sempre por aqueles de menor potencial até que, caminhando para seus momentos derradeiros, os abandona por completo em prol de uma ideia banal de ação e sobrevivência que transforma o filme em uma versão menos impactante de “Invencível”, dirigido por Angelina Jolie.

Dentre os aspectos subaproveitados, cabe mencionar o embate entre homem e natureza, a obsessão do rapaz pela baleia e o que ela representa e as diferenças de origem e postura de Pollard e Chase. É evidente que não se deve cobrar de um filme aquilo que ele não se propõe a fazer, mas em todos os casos citados há menções claras a respeito da importância de tais elementos — o que não há é desenvolvimento. O problema é a inabilidade de Howard em tratá-los devidamente, o que talvez tenha origem na construção dos principais personagens, quase todos donos de apenas uma característica definidora, quando muito.

Heart Sea

Embate entre homem e natureza, a obsessão pela baleia e o que ela representa, e as diferenças de origem dos protagonistas são temas subaproveitados

Por essa razão, há pouco o que destacar em termos de elenco e, não por acaso, o severo emagrecimento dos envolvidos (principalmente Hemsworth) surge como grande atrativo extra-filme, tendo menos força na tela do que fora dela. As atuações são competentes, mas Howard não parece muito interessado nos personagens e, por isso, não conduz seus atores a um patamar digno de nota como em trabalhos anteriores — o exemplo mais recente é Daniel Brühl, capaz de conciliar transformação física e uma performance bastante segura em “Rush: No Limite da Emoção”.

Visualmente, o projeto possui maiores ambições. Auxiliado pelo mesmo trio de seu filme de automobilismo (o diretor de fotografia Anthony Dod Mantle e os montadores Daniel P. Hanley e Mike Hill), o cineasta estabelece um ritmo ágil, especialmente no segundo ato, quando lança o navio em busca da baleia. O Essex é retratado por meio de close-ups, o que mantém certo dinamismo e criam familiaridade com aquele espaço restrito, ocupado por quase uma dúzia de pessoas.

A estratégia só naufraga em função da repetição excessiva, como se Howard adotasse uma fórmula para registrar os acontecimentos e dela não se livrasse. Assim, é frequente o recurso a planos em que a câmera observa os marinheiros da altura da água, ora mergulhando, ora subindo ao nível deles, uma composição que desperta curiosidade de início, mas que logo se esgota. O mesmo pode ser dito para os momentos em que Chase é colocado no centro das atenções durante as sequências de caça, tornando claras as limitações dos efeitos especiais, que evidenciam o distanciamento entre o ator e o cenário.

Heart Sea

É difícil imaginar qual livro Melville teria escrito a partir de uma composição dos fatos como essa

É natural, portanto, que “No Coração do Mar” ganhe potência quando ao investir em esquemas mais criativos, como os planos aéreos que mapeiam as posições dos botes e oferecem noções mais claras do gigantismo do animal em relação à fragilidade dos homens. No que diz respeito ao período em que os personagens estão à deriva, é eficaz a forma como diferentes lentes, ângulos improváveis e contrastes exagerados de cores criam desconforto e resgatam a atenção — sob esse aspecto, a tela de cinema e o poder do som são imprescindíveis para que o longa alcance seu objetivo de imersão.

Heart Sea

Causa estranhamento, por outro lado, essa estética com ares de delírio em um filme que preza tanto pelo ordenamento dos fatos, preenchidos com detalhes muito precisos, que se sustentam na narração de Nickerson. Na busca por velocidade, o trabalho de montagem estabelece elipses e saltos de tempo imprecisos (a calmaria instantaneamente se torna tempestade, o naufrágio gera inanição quase imediata), fazendo com que a obra, como um todo, perca em coesão e escorregue no tom.

De maneira similar, por vezes há confusão com relação ao ponto de vista adotado, e não se sabe se o que se vê é o olhar do garoto, um resgate de memória de um senhor já envelhecido ou a perspectiva de Chase na relação com a baleia — há espaço até mesmo para planos sob a ótica do animal, que carecem de propósito e pouco acrescentam.

Em síntese, é difícil imaginar qual livro Melville teria escrito a partir de uma composição dos fatos como essa. Parece simples afirmar que certamente não seria “Moby Dick”, mas uma versão bem inconsistente, em que a promessa de alcançar o inalcançável e dominar o desconhecido só funciona quando é apenas promessa, não decepção confirmada.

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