Transcrição: Mamilos 82 - Suicídio • B9

Transcrição: Mamilos 82 – Suicídio

Jornalismo de peito aberto

por Mamilos
Capa - Transcrição: Mamilos 82 – Suicídio

Transcrição Programa 82

Esse programa foi transcrito por: Lu Machado, Débora Martins, Luisa Ambrosio, Henrique Tavares, Tati Criscione, Bruna Defert, Fernanda Cappellesso

Vinheta de abertura: Este podcast é apresentado por B9.com.br

Ju: Bem vindo ao Mamilos, uma rede com mais de 60.000 pessoas comprometidas em aprender e exercer a empatia. Um espaço para construir pontes pra aproximar pessoas com valores, visões e vivências diferentes ou até opostas. Um lugar onde o que temos em comum é mais importante do que as nossas diferenças. Eu sou a Ju Wallauer e essa semana a Cris não conseguiu estar com a gente. Abra o coração e a mente que hoje vamos falar sobre suicídio. E no Som do Mamilos, Caio o que sua curadoria mágica escolheu pra embalar o programa essa semana?

Caio: Olá personas Corraini aqui novamente para trazer a vocês os responsáveis por dar mais cor ao Mamilos dessa semana. Lembrando sempre que se você quiser colaborar com o conteúdo musical desse programa, pode nos recomendar bandas ou artistas independentes no e-mail [email protected] . E facilita e muito a minha vida se vocês nos enviarem os links do site oficial do artista ou então onde nós podemos buscar o download direto das músicas dele para utilizar no episódio. Eu preciso lembrar vocês novamente sobre a playlist do Som do Mamilos no Spotify? Não, mas eu vou! Então o link tá no post e eu queria mandar aquele salve de sempre pra MC e o Guilherme pelo corre. Nessa edição nós iremos ouvir a Yzalú uma cantora da periferia aqui de São Paulo cuja música tem referências de samba-jazz, rap, afrobeat e MPB então fiquem aí com a Yzalú no Som do Mamilos.

[sobe trilha]
… Quem não tiver ideias ficará no prejuízo
E no difícil eu insisto não mando recado
Humildade no alto nível pra não ser enquadrado
Só tem figura difícil
Quem não tiver ideias ficará no prejuízo
E no difícil eu insisto não mando recado
Humildade no alto nível pra não ser enquadrado …
[desce trilha]

Ju: Essa semana o programa vai ser um pouco diferente, a gente vai direto pra Teta e depois a gente volta com os recadinhos da paróquia que vocês já estão acostumados. Eu vou apresentar então os nossos colaboradores. Aqui à minha esquerda está aquele que vocês já conhecem do programa de Depressão e que vocês já adoram, Fê Duarte.

Fê: Boa noite, pessoal, meu nome é Fernando Duarte, sou psiquiatra, já estive aqui em outros Mamilos, trabalho em CAPS e em Nasf. CAPS é o Centro de Atenção Psicossocial um modelo de tratamento de saúde mental substitutivo aos manicômios, e Nasf, que é um modelo de apoio matricial na saúde atenção básica. Estamos aí pra desmistificar um pouco o tema do suicídio.

Ju: Muito bem. Estamos também com a Silvia. Silvia, quem é você?

Silvia: Eu sou Silvia, trabalho na CVV Pinheiros, que é o Centro de Valorização da Vida há 7 anos, como voluntária.

Ju: Então vamos para a Teta.

Depoimentos:
“O que eu mais queria ter ouvido é que alguém tivesse olhado pra mim e dito eu sei que não tá tudo bem, me diz o que tá acontecendo”
“Não deixe que a sua felicidade dependa de algo que não depende de você”
“Você pode estar completamente sozinha agora e sentindo que não tem ninguém do seu lado, mas algum dia você vai fazer a diferença na vida de alguém e aí você vai entender que valeu a pena”
“Cada pequena tarefa que a gente realiza no dia-a-dia já é uma grande vitória nesse momento”
“Não precisa seguir a nossa religião”
“Se eu fosse resumir, você pode estar surtando mas pare de se cobrar”
“Na hora H eu pensei ‘Ah, Flavia, pede ajuda, seja bem clara’”
“Calma. Se dê mais uma chance”
“Não tem que ter vergonha de buscar ajuda que você não tem motivo pra se sentir envergonhado”
“O mesmo potencial que a vida tem de ser amarga, injusta, cruel, difícil é exatamente aquele que ela tem de ser incrível, maravilhosa e muito prazerosa. Não desiste não, procure ajuda”
“Eu te amo e eu estou com você, me dê a mão e vamos caminhar juntos”
“Esse sofrimento vai passar, dias melhores virão. Porque quando você está naquela situação você acha que aquele sofrimento não vai acabar, que o único jeito do sofrimento acabar é dar fim à sua vida. É uma coisa muito difícil”

Ju: Pecado, egoísmo, exibicionismo, fraqueza, tabu. O suicídio é uma tragédia secreta de números impressionantes. Ele mata mais do que a soma de todas as mortes por homicídio, incluindo violências urbanas, guerras e acidentes automobilísticos. Mata mais do que HIV e a AIDS e já é a segunda causa de morte em jovens com idade entre 15 e 29 anos. Somos o oitavo país em número absoluto de suicídios (32 mortes por dia), o que quer dizer que enquanto você ouve esse episódio, uma pessoa no Brasil vai ter tirado a própria vida. Números tão assustadores mostram uma verdade que a gente prefere abafar e tem muito medo de discutir. Mas números são fracos para contar histórias. E é com histórias que a gente se conecta. Se reconhece. Se identifica. Por isso começamos a conversa com a voz de quem sobreviveu a uma tentativa de suicídio. Gente de diferentes idades, condições sociais, personalidades e experiências de vida. Cada um falando o que gostaria de ter ouvido naquele momento, que poderia ter feito a diferença. Porque outra verdade dolorosa é que essa é uma tragédia evitável. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 9 entre 10 suicídios poderiam ter sido evitados. Desde 2014, setembro foi eleito o mês de prevenção ao suicídio, o Setembro Amarelo. Um mês para falar, discutir e aprender a acolher esse que talvez seja um dos nossos maiores tabus. Até porque, sofrimento, dor, desesperança e medo não desaparecem quando empurrados para baixo do tapete. Falar é um passo importante para o processo de cura e para ressignificar o sentimento de quem ficou para trás, sem nem saber como nomear a sua dor. Então vamos começar a discussão entendendo com quem que a gente tá falando, entendendo qual o perfil de quem se suicida e de quem tá correndo o risco de fazer isso. E pra começar eu queria chamar o depoimento do Tiago Zortea, que é um estudioso sobre o assunto.

Tiago: Olá, meu nome é Tiago Zortea, eu sou psicólogo clínico e atualmente faço o meu doutorado na universidade de Glasgow, no sudoeste da Escócia, no laboratório de pesquisas sobre comportamento suicida. A pergunta “quem tenta suicídio?” é uma pergunta difícil de ser respondida porque a primeira coisa a ser considerada é a de que o comportamento suicida se caracteriza como fenômeno humano altamente complexo e nenhum perfil ou causa pode ser reduzido a um único fator. Quando se pergunta quem tenta suicídio, as respostas na verdade podem ser as mais diversas possíveis, mas as pesquisas têm indicado a possibilidade de se compreender o comportamento suicida por duas vias. A primeira por fatores de risco, né; esses fatores de risco são identificados através de pesquisas epidemiológicas, né, dos dados sociodemográficos, e do que é em termos de frequência se mostra mais dentro dessa temática, então, por exemplo 75% das mortes por suicídio no mundo ocorrem em países pobres ou em desenvolvimento. O suicídio, um outro exemplo, é a segunda maior causa de morte entre pessoas na faixa etária de 15 a 29 anos, né, e a diferença de gênero, por exemplo; apenas em três países do mundo um número de mortes por suicídio é maior em mulheres do que homens, ou seja, homens morrem mais por suicídio do que mulheres, apesar de que as mulheres se engajam em tentativas de suicídio mais do que os homens. Então há uma série de questões relacionadas a quem poderia, então quem é que tenta suicídio, olhando pela via de análise de fatores de risco, no entanto uma segunda forma de olhar sobre o perfil de quem se engaja numa tentativa de suicídio é através da análise de processos psicológicos envolvidos na produção do comportamento suicida. Então que processos psicológicos são esses? Bom, existem vários modelos dentro da psicologia que contribuem pra entender como esses processos ocorrem. Um dos modelos mais contemporâneos e que de certa maneira integra os modelos anteriores é o chamado modelo motivacional volitivo do comportamento suicida, que foi elaborado pelo professor irlandês Rory O’Connor, que hoje lidera o laboratório de pesquisa de comportamento suicida aqui na universidade de Glasgow, que por sinal é meu orientador [risos], mas o que esse modelo propõe? Esse modelo propõe que esse comportamento suicida seja compreendido através de três fases. A primeira delas diz respeito ao background dos fatores anteriores, ou seja, biológicos, genéticos, evolutivos e de história de vida. A segunda fase, que é a fase da formação das ideações suicidas, envolve uma série de processos, como a vivência constante de situações que produzem sentimentos e pensamentos autodestrutivos, de fracasso, de derrota e aprisionamento; esses três elementos são primordiais pra compreensão da formação das ideações suicidas. No entanto, a partir daí tem-se a terceira fase, que é a fase volitiva de como as ações de tentativa de suicídio, elas são produzidas em si mesmo, e aí outros fatores como impulsividade, fácil acesso aos meios de morte auto infligida, além de níveis, por exemplo, de baixos níveis de serotonina e outras variáveis também.

(Bloco 2) 11’ – 20’59”

Tiago:Então voltando à pergunta: quem é que tenta suícidio? Quem tenta suicídio é alguém que tem uma visão extremamente negativa sobre si mesmo, que se sente um peso e um fardo na vida das pessoas, que não consegue mais lidar com o sofrimento, com as dificuldades da vida, se sente aprisionada no sentido que não há saída, não há solução, não consegue enxergar nenhuma possibilidade de solução e de certa forma tem acesso a meios e a formas de tentar e de provocar a própria morte. Importante deixar esses aspectos bem claros, porque eles explicam de certa maneira quem são as pessoas que se engajam em tentativas de suicídio. E um dos fatores de risco que tem se mostrado muito importante na compreensão e no aumento de uma probabilidade de um engajamento e de uma tentativa de suicídio é também uma história prévia de tentativa de suicídio, ou seja, se alguém já possui um histórico de tentativa de suicídio, existe uma probabilidade maior de que essa pessoa vai se engajar novamente neste comportamento.

Ju: Bom, eu acho que então tem duas coisas que a gente tem que falar, duas dimensões; a primeira é todo mundo, que a questão do suicídio ela é uma escolha humana e portanto ela tá ao alcance de todos nós e que a ideação suicida, ter pensamentos suicidas, é muito mais comum do que a gente imagina. Então, em alguns estudos você vê que, sei lá, 17% das pessoas já teve algum pensamento suicida, em algum momento da vida, então, isso não quer dizer necessariamente que a pessoa vá tentar alguma coisa, mas pensamento suicida é uma coisa comum e frequente.

Fê Duarte: E às vezes a pessoa não chega a ter o pensamento suicida, mas tem todo aquele gradual que vem antes, né? Então a pessoa primeiro se imagina com muitos problemas, com dificuldade de resolver os problemas, se imagina saindo e andando sem rumo, ou então se imagina desaparecendo, ou então se imagina morrendo, como morrendo por um acidente, sendo atropelado ou com uma bala perdida, até que a pessoa começa a se imaginar se suicidando. Esse gradual, muito mais gente passa por esse gradual, pensa nessas coisas em algum momento da vida. E não quer dizer que isso seja, ou, um potencial suicida.

Silvia:É uma possibilidade. Talvez da vida, ou da morte, ou da escolha.

Ju:É interessante também falar que você tem todos os momentos da vida públicos-alvo. Então a gente tava até discutindo antes do programa, quando a gente discutiu a pauta, por onde a gente ia passar, que assim, tem discussões muito importantes de grupos específicos, então por exemplo, a discussão sobre o suicídio masculino é uma discussão específica, que tem uma série de fatores agregados, que têm uma discussão muito grande do peso da masculinidade, da maneira como a gente construiu a masculinidade e como ela está sendo colocada em cheque, de como as pressões modernas, elas acabam sendo mais pesadas em cima dos homens, enfim, tem toda uma discussão grande sobre isso. Tem a discussão também sobre suicídio na terceira idade, que é um número muito expressivo também e que tem a ver com um outro tipo de problemática, que tem a ver com não querer dar trabalho, com falta de perspectiva.

Silvia:Não querer ser um peso, né?

Ju:Exato. Não querer ser um peso [Silvia: Pra um filho], então é outro tipo de discussão. Tem a discussão de suicídio na adolescência, que é uma discussão bem específica sobre causas, sobre como a internet acaba sendo um fator de, como é que fala, de validação, de incentivar né? De estimular o suicídio, sobre o que acontece nas escolas, sobre como os pais e os responsáveis podem estar cientes disso e agir, é uma discussão também especifica, também é outro tipo de conversa. Tem a discussão sobre suicídio na comunidade LGBT, que é uma comunidade que tem 4 vezes mais risco de suicídio do que a população, que a média da população, também é outro tipo de problemática, outro tipo de causa, outro tipo de maneira de lidar com isso. O que acontece é que a gente não tem como explorar cada um desses perfis em um programa só, então assim, a gente quer reconhecer que isso existe, que são discussões muito importantes e muito relevantes, são subtemas dentro do tema do suicídio, mas aqui a gente vai falar de uma maneira mais ampla, né? Fê, todo depressivo é suicida ou todo suicida é depressivo?

Fê Duarte: Nem um, nem outro né? Na verdade a maior parte dos depressivos não são suicidas, uma enorme parte das pessoas que, sim, se suicidam têm algum transtorno mental, estima-se que mais de 90% das pessoas que cometem suicídio, que fazem, realizam suicídio têm algum transtorno mental, né? E dentre esses uma grande prevalência tá nos depressivos ou nas pessoas que usam droga, algum tipo de coisa. Até por isso que a gente pensa, poxa, depressão é a doença mental mais comum que existe, é uma doença com potencial enorme de tratamento, né? Então, só por isso a gente já vê que é um fator de risco bastante modificável, né? Bastante previnível né?
Ju:O fato de recidivas, isso aumenta o fator de risco?

Fê Duarte: Sim, a cada tentativa de suicídio aumenta a chance da pessoa tentar suicídio novamente, tanto porque é comum a pessoa tentar métodos cada vez mais agressivos, também como é comum a pessoa sair de uma tentativa e se arrepender de ter ficado ali, se sentir mal por ter tentado suicídio, ficar num clima que aumenta o sofrimento pra ela, então a gente tem que olhar com muito mais carinho sim, a pessoa que já fez uma tentativa de suicídio porque ela tá, sim, num risco aumentado de fazer uma nova tentativa.

Ju: E a questão genética?

Fê Duarte: A genética é um outro fator de risco, também, pro suicídio. Há quem diga que é só por influência de convivência, acredita-se que existe alguma questão que passe de forma genética, não só pelo gene de forma exclusivamente biológica como também por convivência ou por histórias de suicídio na família. Mas existe um risco aumentado de suicídio em quem tem algum outro caso de suicídio na família; quanto mais próximo, parentes de primeiro grau, o risco é maior.

Ju: A cartilha da ABP também indica alguns fatores de risco, como eventos adversos na infância e na adolescência, abuso físico e sexual, histórico familiar e genética. Ela diz que “estudos de genética epidemiológica mostram que tem, sim, componentes genéticos, assim como ambientais envolvidos”. E inclusive, e aí corroborando mais o que você falou sobre a questão de convivência, fala que “o risco de suicídio aumenta entre aqueles que foram casados com alguém que se suicidou”. Até porque o trauma de quem fica, e a gente vai falar um pouco sobre isso também, né?

Fê Duarte: Tem até algumas culturas onde parece uma coisa completamente natural, do tipo “o cônjuge morreu, eu vou lá e me mato, porque não tem o menor sentido continuar sem, sabe?” Inclusive, claro, provavelmente na nossa cultura isso parece uma coisa completamente anormal, mas existem talvez outras culturas onde se vê isso como uma coisa aceitável, até, sabe? Como se fosse natural que o cônjuge fosse junto pro outro plano, sei lá.

Ju: Uma outra coisa que a gente tava falando, Silvia, é do impacto de casos famosos em uma determinada região, não necessariamente de estrelas de cinema, que é o que a gente fala bastante, mas mesmo por exemplo numa escola, quando acontece numa escola o fato disso estimular que outros casos aconteçam, né?

Silvia: Na realidade o que a gente vê é que as pessoas acabam não se conversando sobre o assunto, então acontece um fato de suicídio e todo mundo evita tocar, e esse evitar, você evita que as pessoas falem da angústia, dos sentimentos que podem estar ali latentes e que ninguém tem ouvido para ouvir, né? E que se a gente pudesse explorar toda essa classe que perdeu um amigo, a gente poderia ouvir um pouco mais dessa dor, dessa perda. Se a gente propiciasse essas escutas, talvez isso ajudasse bastante a todos que estão lá e que ficaram.

Ju: Mas ouvir casos de suicídio é gatilho pra quem tem ideação suicida, então, por exemplo, eu não sou amigo desse aluno, mas eu fiquei sabendo pelo jornal, ou pelas pessoas, enfim, de um menino que se suicidou na cidade, próximo da escola ou na escola vizinha, eu não tenho relação com ele, mas o fato de um suicídio que tem bastante repercussão, isso pode funcionar como gatilho?

Silvia:Eu acredito que não.

Fê Duarte: Eu acredito que é importante conversar sobre, é importante não esconder isso, eu lembro agora de cabeça pelo menos de um caso famoso, que foi do vocalista daquela banda INXS, que ele se suicidou se enforcando com o cinto e algum tempo depois havia uma fã da banda que fez o mesmo suicídio, se enforcou com um cinto também do mesmo jeito que o cara. Ainda assim, eu acho melhor conversar sobre o assunto do que tentar esconder essa história, tentar não falar sobre isso. A gente precisa falar sobre essas coisas.

Silvia: São conversas difíceis, mas eu acho, eu também sou favorável pra gente fazer essas conversas, por mais difícil que seja, às vezes, a gente nem sabe como começar, mas o importante é a gente falar um pouco sobre isso.

Fê Duarte: Eu até fico pensando, será? Será mesmo que se a pessoa nunca tivesse ouvido essa história, será que a gente teria prevenido aquele suicídio? Não sei, talvez ela encontrasse um outro modo, a gente não tem como saber, né?

Ju: Sim, vamo falar então um pouquinho, já que a gente tá entrando nisso, nas causas? O quê que leva uma pessoa a uma atitude tão extrema? Até pra gente entender quais são os sinais de perigo pra gente conseguir reconhecer o quê que tá acontecendo.

(Bloco 3) 21’ – 30’59”

Elaine: Meu nome é Elaine Alves, eu sou psicóloga, pós doutoranda pelo Instituto de Psicologia da USP, sou membro do laboratório de estudos sobre a morte do Instituto de Psicologia da USP e fundadora da empresa “Prestar Cuidados em Psicologia”, que é uma empresa voltada só pra atendimento para perdas, mortes e lutos, seja em situações de doença ou situações traumáticas, inclusive em desastre. E o suicídio, ele é o que faz parte disso. O suicídio, ele é uma morte abrupta, uma morte considerada escancarada, ela é uma emergência, é um desastre. Porque sempre pega as famílias despreparadas, pega as pessoas de surpresa mesmo quando é avisado. Quando me perguntam sobre quais são as causas do suicídio, isso me preocupa muito porque o suicídio é, eu imagino, eu vejo o suicídio de duas maneiras: eu vejo o suicídio com uma construção ao longo de uma vida, ao mesmo tempo que eu vejo o suicídio como também impulsivo, né? Com essas duas possibilidades. O que é isso? Ao longo de uma vida as pessoas vão encontrando ferramentas internas, né? Vão aprendendo a ler o mundo de alguma maneira, vão encontrando estímulos, educação, tem uma cultura, que faz com que ela responda às frustrações da vida de maneira distintas. E aí o suicídio vai fazendo parte dessa construção de vida, né? Uma pessoa que começa a pensar nisso e começa a pensar e às vezes muito cedo, muito antes do que a gente possa imaginar, lá na tenra infância, né? Ela vai construindo ao longo do tempo, só que ela não compartilha isso com ninguém, ou quando ela tenta compartilhar, ninguém leva isso a sério. Porque, principalmente no caso de criança, provavelmente essa criança tá brincando, isso não é sério, essa criança tá investigando. E aí as coisas vão passando. E de repente quando o suicídio acontece, que às vezes começou lá na infância, mas acontece na velhice, isso sempre é um susto. E que as pessoas ao fazer uma autópsia psicológica, que seria esse percurso do suicídio pra trás, pra entender o que aconteceu, é aí que se encontra vários sinais. E outra questão do suicídio impulsivo é aquele suicídio em que a pessoa de repente se vê frente a uma situação tão difícil pra ele de enfrentar, que não existe nenhum pensamento, não existe nada, absolutamente nada. Só o desespero, a dor e a vontade de deixar de sentir aquilo que está sentindo. Então, sem pensar em absolutamente nada, essa pessoa de repente ou se joga, ou de repente usa uma arma. O uso da arma, no caso do suicídio impulsivo, desde que a arma esteja ali do lado, porque se a pessoa tiver que procurar pela arma, ele deixa de ser impulsivo, né? Se a pessoa tiver que procurar um remédio, abrir um vidro de remédio, o suicídio deixa de ser impulsivo. Ele só é impulsivo quando você tem a possibilidade ali e não pensa. Por isso que se atirar de repente é o mais fácil na questão da impulsividade, né? E que geralmente não tem volta. Não necessariamente a pessoa quer morrer, em alguns casos existe inclusive arrependimento quando é possível conversar com a pessoa antes da morte, mas não tem volta, né? Não tem possibilidade de volta. Ou quando tem volta, as sequelas são muito grandes, mas a pessoa deixa claro seu arrependimento, né? No caso de um suicídio construído, eu falo que me preocupo porque é muito claro pra todo mundo, e é verdade isso, de que o suicídio tá muito ligado à doença mental e muito ligado ao uso de álcool e drogas. E o álcool, ele é realmente um grande estimulante para o suicídio, né? A doença mental também é um grande estímulo pro suicídio. Mas isso me preocupa porque eu acredito que o suicídio não é só isso. Eu acho que pessoas que estão bem, com sua saúde mental, também correm um risco de se matar, também pode se matar por questões outras, que precisam ainda ser investigadas. Como o suicídio é um tabu, até as próprias investigações também ficam muito difíceis. Na família onde tem um suicídio, aquilo vira um segredo, ninguém pode falar a respeito. E no momento que vira um segredo, você também não pode prevenir outros suicídios, e aí a gente está colaborando com as causas para o próximo, né? Porque num lugar que existe um suicídio, se isso for dito abertamente, as pessoas puderem fazer perguntas, puderem se questionar, puderem refletir, talvez alguém possa dizer: olha, eu acho que eu posso tentar fazer isso mais pra frente. E essa pessoa possa pedir ajuda sem ser vista com discriminação. Porque nós ainda vemos as pessoas que pedem ajuda com muita descriminação, ou é porque a pessoa tá, é… inventando, ou ela quer aparecer, ela tá manipulando, é chantagem, e na verdade ela tá pedindo ajuda. Mesmo que ela não faça isso em nenhum momento, ela tá dizendo pra gente que ela tá em sofrimento, que ela precisa de ajuda. E isso precisa ser ouvido! Então quando se fala em causas químicas, psicológicas, pressões do ambiente, eu considero que o suicídio é, sim, aquilo que o Caio falou lá trás como um social, porque muitas dos mortes, elas são porque a gente não consegue se adaptar a algo que a sociedade exige de nós, né? Hoje nós vivemos um momento de felicidade, de beleza, de necessidade, o ter é muito mais importante que o ser, e aí você não se adapta a isso e a sociedade cobra isso de uma maneira de você, que você não conseguindo responder a ela, a pessoa acaba se matando por conta disso, né? Então a gente viu agora o caso dessa pessoa que matou a família, jogou os filhos pela janela, se matou. O outro que pulou com o filho no colo, então são pessoas que na verdade acreditam que não vão poder dar à sua família aquilo que a sociedade exige hoje, a sua família vai sofrer por causa disso, essa pessoa… “Eu sou um fracasso”, a pessoa pensa, né? Ela é um fracasso, então pra que ninguém sofra com o fracasso dela, ela vai embora mas ela leva todo mundo junto. E é preciso, sim, fazer alguma coisa pra isso, né? Eu acredito no suicídio por contágio, ele existe, sim! Então o fato de se divulgar um suicídio pode levar outros suicídios, porém eu sou contra que não se divulgue. Eu sou contra que se divulgue como sensacionalismo, mas eu acredito que a mídia precisa ter o seu papel, que é o que tá acontecendo esse setembro amarelo, este ano acho que está muito diferente, tá muito mais forte, né? Que bom que essa campanha começou, porque eu tô vendo a mídia falar sobre isso com mais seriedade. Isso é preventivo, né? Utilizar a mídia também é preventivo, porque a mídia, ela pode sair por aí, né, levando pra dentro da casa das pessoas ou pra dentro daquilo que ela tá lendo, dizer pra ela quais são os riscos, fazer com que ela olhe pra quem tá correndo risco de verdade, né? E que não evite olhar. Então, sim, a mídia divulgar um suicídio, ela pode provocar outros, mas antes de provocar outros ela pode prevenir milhares. Se nós olharmos e ouvirmos aquilo que tá acontecendo. Então minha maneira de ajudar, ela é imensa, então existem questões químicas e biológicas, sim, existem pessoas que não aguentam as pressões do ambiente, mas veja, nem todo mundo vai se matar por conta das pressões do ambiente. Então não acho que as coisas não podem ficar só no ambiente, só na causa física, só na causa psicológica, na causa biológica. Atenção tem que estar em tudo. Quando você olha pra uma pessoa que diz: tá difícil pra mim. Pronto, fica atento. E vamos considerar que a vida nesse momento tá muito difícil, né? As pessoas estão com medo de perder emprego, e a gente tá tendo muito suicídio por conta da falta de emprego. As pessoas estão com medo de sobreviver a esse mundo que a gente tá levando, principalmente aqui no Brasil. Então tudo, tudo é motivo pra suicídio, ao mesmo tempo que a gente acha que nada é motivo pro suicídio. Então tudo que aquilo que você pensa que é uma bobeira pra alguém se matar, na verdade isso pode ser muito forte pra uma outra pessoa se matar. O que eu preciso é aumentar a minha escuta. Eu preciso que um psiquiatra, ao receber um chamado do psicólogo do paciente dele, né? Ou do clínico geral do paciente dele, eu preciso que esse psiquiatra ouça, não preciso que ele diga pra mim que ele não tem tempo. Ou que eles digam muitas vezes que o paciente precisa mudar de psicólogo, porque o psicólogo não está ajudando. É verdade! Muitas vezes ele pode estar ajudando. Por que a gente não trabalha em parceria? Eu posso identificar que eu não ajudo, junto com o profissional. Mas talvez a gente não esteja ajudando esse paciente. Eu vejo pacientes que vão se matar e que foge da minha alçada. Eu veja a família que não quer olhar pra isso, e ok, a gente chama a família, a gente faz tudo pra família se envolver, mas a família não dá conta de se envolver. É culpa da família? Não! Não é culpa da família. A família não dá conta de olhar, como é que eu olho pra alguém que eu amo e acredito que essa pessoa vai se matar, eu preciso negar. Então veja que a família precisa de outros recursos, né? Precisam de recursos maiores, então ela precisa principalmente que a sociedade esteja disposta acolher isso. Uma vez que o assunto é interdito, né? Então as pessoas não falam, quem pensa em se matar não pede ajuda, quem percebe também não pode falar com a pessoa que tá pensando, não pode falar com o resto da sociedade porque será julgado por isso. E aí esse silêncio, eu acho que umas das maiores causas do suicídio é o silêncio, né? Esse silêncio com a dor do outro é permitir que outro entre tanto na dor, que ele não encontre saída de jeito nenhum que não seja a morte. Então eu acho que a gente tem que ir pra além de buscar outras causas, né? E encontra que a causa tá em todos os lugares, de todas as maneiras e em todos nós.

Fê Duarte: São várias as possibilidades, os motivos que podem levar uma pessoa a fazer o suicídio. Uma pessoa pode querer se suicidar por estar com um sofrimento, com uma dor muito grande e imaginar que o suicídio seria uma alternativa, seria uma opção de acabar com aquela dor. Ela também pode estar com uma raiva muito grande de outras pessoas e fazer o suicídio com a intenção de machucar, de magoar essas outras pessoas. Ela pode, às vezes, sentir que a presença dela é um peso, é um problema muito grande, e ela quer ajudar a resolver o problema, né?

Ju: Uma das coisas que achei interessante quando eu tava estudando pra pauta, foi falar que no momento que a pessoa tem ideias suicidas ela geralmente combina dois ou mais sentimentos ou ideias conflituosas. Então é o que a gente chama de ambivalência. Então você tem, por um lado, ela buscando atenção por se sentir esquecida, ignorada ou ter essa sensação de estar só, uma solidão sentida, é isolamento insuportável. Então ao mesmo tempo ela sente isso e ela quer atenção. Tem gente que tem desejo de revide ou imposição de sentimento negativo aos outros que isso que você falou, da raiva, né? Querendo que as pessoas sintam o mesmo que ela sente. Outras pessoas têm vontade de desaparecer, de fugir, de ir pra um lugar ou uma situação melhor. Assim, eu recebi muitos relatos de tentativa de suicídio durante essa semana porque as pessoas souberam que a gente tava fazendo essa pauta e o que eu mais ouvi foi justamente isso: a tentativa de fuga. Não é que eu quero morrer, eu quero que a dor pare, né? Não é que eu quero acabar com minha vida, eu só quero silenciar a dor.

(Bloco 4) 31’ – 40’59”

Fê Duarte: Tem alguns casos assim da pessoa que se suicida por vergonha, por, assim, ser descoberto. A pessoa foi descoberta porque tinha feito uma coisa e não consegue conviver com aquilo, né, e daí acaba se suicidando, porque…

Ju: Não vê alternativa.

Fê Duarte: Sim, a própria imagem acabou, né.

Ju: É.

Fê Duarte: Enfim, a motivação para o suicídio pode ser inúmeras. Das pessoas poderem ver alguma coisa. Existe inclusive o suicídio como uma forma de chamar atenção praquilo que a pessoa tá querendo falar, que o primeiro caso que me vem na mente agora é o do Getúlio. Ele se suicidou, ele deixou uma carta, e essa carta teve uma força política enorme, principalmente pelo fato dele ter se suicidado no momento que ele fez aquilo.

Ju: Sim.

Fê Duarte: Então, enfim, motivações para os suicídios podem ser inúmeras e não há como negar que um evento desse tipo chama atenção…
Ju: Sim. Eu achei outra definição, achei interessante, que é: “o ato derradeiro de uma vida cujo sofrimento se tornou insuportável, intolerável. É querer morrer pra fazer a dor de viver parar. É um ato repleto de ambivalência entre querer morrer e o querer viver de maneira diferente.”

Silvia: Acho que o que a gente pode deixar bem claro é mesmo essa dor insuportável, né. Se a gente imaginar uma dor que não passe, em nenhum momento, né, eu fico sempre imaginando aquele copo transbordando, e ele transborda de dor e você não tem como cessar. Então é… é o sentido que a pessoa dá pra passar a dor: “eu vou lá e tiro a minha vida”.

Ju: Eu acho isso bem interessante da gente construir, que dificilmente é uma coisa. Que nem o Fê falou “ah, eu fui descoberto”, né. Porque assim, você foi descoberto, todo mundo é descoberto todo dia, então a gente lida com isso. O fato de você estar temporariamente incapaz de lidar, é porque, justamente como você falou, Silvia, o copo já foi enchendo. Então é uma série de coisas progressivas que vão acumulando ao longo da vida, uma série de outros fatores que culminam com uma gota d’água, [Silvia: Com esse ato.] com o ato. Então é aquela coisa que…

Fê Duarte: [interrompe] E o que aumenta… à medida que isso vai acumulando, vai aumentando a sensação de que a pessoa não tem saída, de que os problemas se acumularam demais e não existe mais solução, e que a única solução seria a morte, né.

Ju: É, tem aqui na pauta que, assim, são raríssimos os casos, pra não dizer inexistentes, em que a tentativa de suicídio possui uma única motivação. A ideia suicida vem do acúmulo de situações, como um copo que vai enchendo e transborda com uma gota d’água, que pode ser a perda do emprego, levando à sensação de total impotência e desespero. Então isso que eu acho que é importante, a gente mostrar que é uma construção, porque se você consegue enxergar que é uma construção, o jeito de lidar com isso, o jeito de prevenir, o jeito de tratar, é completamente diferente. Uma coisa que tá interessante, que tá na pauta, uma psicóloga que ela fala que a depressão acontece ou no momento que a pessoa tá descendo pro fundo do poço, ou quando ela tá subindo, porque no fundo do poço não tem força pra fazer isso. E aí ela fala que é justamente quando a pessoa começa a sair desse estado de completa letargia da depressão que é o maior perigo, porque ela tem força pra se matar.

Fê Duarte: É, isso chegou a ser escrito como o suicídio paradoxal, porque houve uma época onde começaram a prescrever os antidepressivos, e à medida que a pessoa começava a tomar um antidepressivo, ela ia lá e se suicidava. E o pessoal não entendia isso, falava “poxa, ela tava péssima, ela começou a melhorar, como que isso foi acontecer?”. E a principal hipótese é porque no início do tratamento da depressão a pessoa melhora a disposição, ela tem mais energia, só que às vezes ela não melhorou o humor ainda, ela continua depressiva, e às vezes ela não melhorou o sintoma da desesperança. Ela continua desesperançosa em relação ao futuro, e acaba sendo esse o momento mais crucial, acaba sendo esse o momento onde ela mais precisa conversar. Porque a desesperança também melhora, só que às vezes ela leva um pouquinho mais de tempo. [Ju: Sim.] Então é por isso que a gente precisa conversar bastante sobre o assunto, pra que as pessoas tenham um pouco de paciência. “Espera, vai melhorar”.

Ju: Também acho interessante a gente falar sobre as questões que saem um pouco do indivíduo e vão pra sociedade. Então a gente tem uma série de pressões de critérios estruturais que acabam pressionando pra diminuir a qualidade da saúde mental da população, né. Então o fato da gente viver cada vez mais isolado, o fato da gente ter uma cultura cada vez mais individualista, o fato da gente ter uma cultura muito materialista, muito consumista. Então as pessoas se sentem também muito descartáveis…

Fê Duarte: E muito imediatista também.

Ju: Sim.

Silvia: A gente tem aquela amizade superficial, né. A gente tem milhões de amigos em tudo quanto é site, [Fê Duarte: Amigos virtuais.] e nós não temos ninguém próximo, alguém que olhe no nosso olho e esteja disponível realmente pra gente. Então são poucas as pessoas que têm essa disponibilidade realmente pra te ouvir, né. Então a gente até brinca que ‘cê fala assim com vizinho “Oi, tudo bem?”, que já é pro vizinho responder “Tudo bem, e você?”, e acabou a conversa.

Ju: Sim.

Silvia: Ninguém mais pergunta pro outro “Como você está?”, “Como é que você vai?”, né, porque aí eu desperto uma conversa no outro e acho que essa é a grande possibilidade da gente ter tempo pra ouvir o outro.

Ju: É, e também, se você for pensar, que a gente tá falando de uma sociedade onde cada vez menos o erro é tolerado. Então é tudo muito plástico, tudo muito perfeito, tudo muito correto. Você tem que ser tudo certo o tempo inteiro. E isso é uma pressão muito grande.

Silvia: Isso.

Ju: A gente já falou aqui sobre maternidade, então sobre como você tem que ser perfeita em cada uma das coisas. ‘Cê tem que amamentar perfeitamente, cê tem que ter o parto perfeito. Tem um jeito perfeito de fazer cada uma dos micro-estágios da maternidade, tem jeito perfeito. Então é uma bomba de frustrações… [Fê Duarte: Responsabilidades.] Não, de frustrações, porque se a sua expectativa é desse tamanho, é não ser nada menos do que perfeita, porque essa é só a atividade mais importante da vida, então não como não ser perfeita?, já está posto que vai ter muita frustração. E aí além disso você tem que ser um profissional perfeito, e além disso você tem que ser um marido perfeito, e além disso você tem que ser o filho perfeito e o amigo perfeito e ter o corpo perfeito e a conta bancária perfeita e as experiências perfeitas e fotos perfeitas e… assim, quem é que dá conta dessa vida?

Fê Duarte: E é estranho a gente pensar que talvez é isso que tem que mudar pra gente conseguir passar a prevenir o suicídio que anda tão prevalente, sabe. Porque parece que é uma coisa que tá em outro âmbito, né. O suicídio é uma questão de saúde pública. Agora, é uma questão de saúde pública as exigências, a perfeição, sabe. A gente pensa: como que o ministério da saúde vai agir nisso? Como que vai ter uma campanha pra isso? Tipo “exijam menos das pessoas”?

Silvia: “Aceite-se mais”, né.

Fê Duarte: É, enfim, quem sabe no próximo setembro amarelo…

Ju: [interrompe] Mas sabe o que é engraçado? Porque assim, a gente já chegou a ter essa discussão aqui. O Alain de Botton propõe essa discussão, que é o quê? A gente tinha, bem ou mal, uma religião que era dominante na definição do modo de pensar da sociedade, né. Então o que é, querendo ou não, com uma série de ressalvas, mas ela te mostra pra onde você vai, ela te dá respostas de conforto pra dor, ela te dá saídas mais coletivas do que individuais, ela promove momentos muito marcados, no calendário, de reflexão, de limpeza mesmo, né, de você pensar e deixar todas suas mágoas para trás. Então assim, a religião tem, sei lá, toda semana o ritual de reflexão, uma vez a cada X tempos o ritual de congregação, de ter aquele senso de pertencimento, de estar todo mundo junto. Não sei a cada quantos meses, depende da sua religião, tem essa coisa de expiação, de você deixar todos os seus pecados, todos os seus fardos pra trás. Então, de uma forma ou de outra, na sociedade, a religião tinha um papel na sociedade de fazer isso. Quando a gente como sociedade abre mão da religião, você tem que ter uma coisa pra colocar no lugar. Então essa discussão que você tá falando, antes ela podia ser feita pela religião. Se você não tem uma religião, você tem que ter uma filosofia que te dê essa explicação. Você tem que ter… e não uma filosofia abstrata, e é isso que o Alain de Botton fala sobre religião para ateus, que ele fala que, olha, então a gente precisa de uma forma estruturada de pensar sobre essas coisas, uma forma estruturada de criar o senso de comunidade, de fortalecer o senso de comunidade, que é isso que a Sílvia falou, que é eu olhar no olho e eu conhecer as pessoas que estão ao meu redor, e eu conhecer a dimensão humana delas. Porque quando eu conheço a dimensão humana dos outros eu também enxergo a minha dimensão humana. E aí quando eu erro é tão normal, porque eu conheço a humanidade, eu conheço o fato de que a gente é assim, e de que a gente é falho, e que o que a gente pode esperar de um ser humano são falhas: e levantar e cair, levantar e cair. E que você vai ser bom umas coisas e não vai ser bom em muitas coisas, e que seus fracassos não te definem. Mas essa discussão é uma discussão, por exemplo, que a religião faz paulatinamente, então todo o sermão de domingo você vai ter essa discussão e que se você não vai na igreja… Qual é o seu espaço de reflexão disso?

Fê Duarte: E também… [Ju: entendeu? Coletivo mesmo.] Fê Duarte: é interessante de você ter seu próprio momento de pensar sobre si próprio, sobre os seus princípios, sobre os valores e sobre como que você quer agir na vida, que isso também costuma ser uma coisa da prática habitual das religiões, né. E que talvez quem não tenha isso vai ter que exercitar ouvindo o Mamilos, né.

Ju: É, mas… é exatamente isso, o Mamilos acaba sendo o espaço, vai, estruturado da religião que é: vamos sentar aqui e pensar sobre o que nos faz humanos, vamos pensar entre as coisas que nos aproximam e vamos conversar abertamente sobre as nossas dificuldades, né. Então assim, de alguma maneira a gente precisa ter esses espaços, espaços de identificação também, que a gente consiga se enxergar e sentir que a gente faz parte de alguma coisa, né. Sentir que a gente é aceito do jeito que a gente é, e que a gente tem uma importância, né, que a gente importa pra um grupo de pessoas, que vão sentir a nossa falta.

Silvia: Porque eu acho que é importante a gente pensar mesmo, né. Esses dias eu tava voltando do metrô com um voluntário, que a gente foi fazer uma atividade num determinado lugar, e eu comecei a olhar aquelas pessoas todas dentro do metrô e, assim, e eu falei pra ele assim: “Nossa, olha quanta gente, a gente se encontra o tempo inteiro, e a gente não olha no olho das pessoas. Tá todo mundo o tempo inteiro correndo. Quantos desses rostos não tariam precisando de uma conversa, ou de um colo, de estar junto naquele momento?”. Né, e você começa a olhar as feições, e realmente tem feição de tudo quanto é jeito. E tem umas assim que você vê latente a necessidade de, se você chegasse, a surpresa que ia ser, e que tipo de conversa não poderia surgir dali.
(Bloco 5) 41’ – 50’59”

Ju: É, a gente tá acostumado a ver o outro, nesses os espaços públicos… Os espaços públicos deixaram de ser espaço de encontro e passaram a ser espaços de tensão. Então, por exemplo, o outro é o cara que tá fazendo a fila ficar grande demais, o outro é o cara que tá atrapalhando no trânsito, o outro…

Fê Duarte: [interrompe] É uma disputa, uma guerra.

Ju: É, o outro atrapalha minha vida, né, o outro é um entrave pra minha vida. Minha vida seria melhor se não existisse o outro. E uma desconfiança também que o outro é o que tira, né, o que vai roubar, o que vai… Então, a gente se espanta… Eu achei muito legal acho que ele foi no nível do Tony Judt, O Mal Que Ronda a Terra, se não me engano, que ele fala do quanto curioso a reação das pessoas, em situações de catástrofe e tal, a gente sempre fica muito espantado com a solidariedade das pessoas.

Silvia: Sim.

Ju: Pode ver qualquer notícia, sempre nos traz as pessoas foram tão solidárias, como se isso fosse fora do padrão, porque a gente espera do outro nada mais do que violência, nada mais do que te tomar coisas, nada mais do que a indiferença. Quando nada poderia ser mais mentiroso, a verdade é que do outro lado, se a gente ousasse bater, a verdade é que do outro lado, se a gente ousasse se expor, teria uma pessoa que sangra que nem a gente, e que é capaz de compreender, porque também faz parte da mesma condição humana, porque também compartilha a mesma condição humana que a gente tem, é capaz de nos compreender e é capaz de compartilhar com a gente essa existência, que é tão difícil, que dói pra todo mundo.

Fê Duarte: Sim.

Ju: Fê, fala um pouco pra gente sobre os sinais de alerta, porque a gente tá falando então que não é um episódio singular, não é uma coisa só, mas pra quem tá ao redor, pra quem quer ajudar, quais são os sinais que podem acender uma luzinha vermelha?

Fe Duarte: Em geral aquelas frases que demonstram baixa auto-estima ou que demonstram desesperança, como uma pessoa falando que “ah, eu não presto pra nada mesmo”, “eu sou um inútil”, “seria melhor se eu já não tivesse mais aqui”, “seria melhor se eu morresse de uma vez”, “ah, por que Deus não me leva?”. Frases desse tipo, que às vezes a pessoa fala sem ‘tar óbvio a questão da morte na frase, sem estar óbvio a intenção de suicídio, mas demonstra que a pessoa não tá bem, tá triste, tá desesperançosa, não tá vendo muitas soluções assim na vida dela.

Ju: Eu achei interessante, assim, falar que tem interesse de matar nunca é pra ser levado levianamente.

Fê Duarte: Sim.

Ju: Falar que não tem mais razão pra viver, achar que é um fardo pros outros, que se sente preso, que tem uma dor insuportável, prestar atenção em mudança brusca de comportamento. Uma coisa que achei interessante, cê até falou no episódio de Depressão, abuso de álcool e de drogas, você falou disso.

Fê Duarte: Falei, e abuso de álcool e drogas é outro fator de risco importante, até porque muitas vezes a pessoa faz o uso ou se torna dependente de alguma dessas drogas e vai ficando cada vez mais difícil de parar, de interromper seu uso, e às vezes a pessoa pensa que a única solução é morrer mesmo, que ela não conseguiria ficar sem.

Ju: Agir imprudentemente, isso pra homem é muito importante, adolescente mais ainda.

Fê Duarte: É, a gente sabe que adolescente já tem, por si só, mesmo sem risco de suicídio, adolescente já tem uma coisa de se expor mais a riscos, em geral. Então já tem aquelas ações mais de confronto, ou de se expôr mesmo. Adolescente, deprimido, e tudo, esse risco aumenta demais.

Ju: É, e se isolar, eu acho que isso é um sinal que a gente deveria prestar muita atenção, né.

Fê Duarte: Pois é, em geral a gente pensa que “quem está isolado quer mais é ficar isolado mesmo, vamos respeitar aquela pessoa que tá lá”.

Ju: Isso.

Fê Duarte: Eu concordo que seria, assim, a gente também não quer incomodar a pessoa, sabe, é muito importante respeitar. Mas às vezes aquele isolamento é um pedido de ajuda, um pedido de socorro, né.

Ju: Sim.

Fê Duarte: A pessoa se isola porque ela tem a sensação de que ninguém no mundo consegue entender ela. Isso pode ser um sinal de alerta. De repente ela tá deprimida, né.

Ju: E aí vamos falar então sobre o que que a gente pode fazer. Primeiro, pra quem tá pensando em suicídio. Então, falando pro primeiro grupo, pras pessoas que tem ideação suicida, quê que existe de tratamento, Fê?

Fê Duarte: Em primeiro lugar, quem está pensando em suicídio a primeira coisa que eu ia pensar: “Por quê?”. Eu preciso escutar essa pessoa, tá. Essa pessoa tá pensando em suicídio: “Quê que aconteceu? Quê que tá tendo?”, tá. Uma das grandes causas aí de motivos pra pessoa estar pensando nisso costuma ser depressão, sintomas depressivos ou mesmo drogas. Tem tratamento pra caramba, né, pra depressão, pra dependência. Hoje a gente tem tratamento pra essas condições na rede pública, em… Tem Unidade Básica de Saúde, CAPS, ambulatório, tem vários serviços pelo Brasil, disso hoje…

Ju: [interrompe] É gratuito, Fê?

Fê Duarte: Isso só tô falando de tratamento gratuito, tá, que são as Unidades Básicas públicas, os UBs, os CAPS, e eventualmente, dependendo da cidade, tem alguns ambulatórios de saúde. E todos eles a ideia é fazer o tratamento dessas doenças, dessas condições. Toda cidade tem algum serviço de saúde local e vale a pena procurar mesmo. Acredite, vale a pena tratar todas essas condições.

Ju: Mas, Silvia, eu não tô conseguindo levantar da cama pra ir até o… pra unidade de saúde, quê que eu faço?

Silvia: Nós temos um telefone, que é o 141, que a pessoa liga e vai cair em qualquer posto do CVV, que é o Centro de Valorização da Vida. E através do telefone a gente tá lá, os voluntários disponíveis, pra gente estar ouvindo e conversando, compartilhando um pouco dessa dor.

Ju: Você nunca tá sozinho, né.

Silvia: Não.

Ju: Você tá a uma ligação, a um chat de alguém que realmente se importa, e que vai te escutar.

Silvia: É por isso que nós estamos lá.

Ju: Quem quer ajudar, a gente vai escutar agora Larissa falando sobre o quê que a gente pode fazer para ajudar.

Larissa: Pensar no problema do suicídio hoje em dia, como uma questão de saúde pública, envolve primeiramente reconhecer os dados epidemiológicos em relação às taxas de suicídio, né. O suicídio hoje mata mais do que todas as mortes por homicídio, o que inclui as violências urbanas e as guerras e também somados os acidentes automobilísticos. Suicídio mata mais do que todos esses tipos de morte juntas, hoje, de um ponto de vista global. No Brasil o suicídio é a terceira principal causa de morte da população jovem e chama a atenção dos pesquisadores na área reconhecer que nos últimos 50 anos houve um aumento das taxas de suicídios em 60%, né. Isso envolve tentar buscar obviamente que elementos da, pra muitos reconhecem como pós-modernidade, fomento suscitam novas formas de sofrer, né. Que elementos poderiam estar associados a esse aumento do número de suicídios. Quando obviamente um programa de rádio, né, um podcast como de vocês, resolve convidar ou convocar um profissional da área de saúde mental, um psicólogo, um psiquiatra pra falar sobre isso, isso envolve claramente o lugar da era da Ciência, da Técnica, que nós estamos inseridos, né, de reconhecer a necessidade de um acompanhamento de um de um profissional para tratar e abordar dessas questões. Apesar de no momento eu estar representando uma categoria profissional, eu como psicóloga, e também como voluntária do CVV, Centro de valorização da Vida, eu aproveito a ocasião pra abrir um espaço pra problematizar um pouco esse lugar idealizado que é do profissional, no sentido de tentar pensar outras vias de acolhimento de pessoas que estejam em crise. Vias que possam ir além de uma escuta qualificada do profissional, do lugar do profissional, né, que essa escuta ela não necessariamente deve estar somente vinculada à pessoa que recebeu uma qualificação ou treinamento específico, né. Nem sempre as pessoas têm acesso a Serviços de Saúde e é possível que haja um treinamento da população geral em relação a como abordar, como interagir com uma pessoa que esteja em crise suicida. Em primeiro lugar, é importante reconhecer que nem sempre nós podemos intervir, uma pessoa comum, né, de uma pessoa diante uma tentativa de suicídio, uma pessoa armada, uma pessoa que possui meios pra se matar. É importante nessas ocasiões que nós possamos acionar serviços especializados como o SAMU ou o Corpo de Bombeiros. Ainda que muitos pensam que esses serviços podem demorar, são recomendações da Organização Mundial da Saúde, que reconhece o risco de uma pessoa comum assumir essa posição de tentar fazer a contenção de uma pessoa em risco, né. São riscos graves, são riscos sérios de poder ser ferido numa intervenção, então nessas ocasiões em que o sujeito se encontra de fato diante de uma tentativa de suicídio, não adianta, é melhor não intervir, em função dos riscos. Em casos de pessoas que estão pensando ainda no nível da ideação, pensando em morrer mas não planejaram, não estão tentando, existem formas de escuta que são bastante recomendadas, né. É importante que a pessoa que esteja se disponibilizando pra fazer esse tipo de escuta, ela se coloque disponível com paciência e que evite dar conselhos, né, que reconheça ou legitime os sentimentos dessa pessoa. Em geral nós temos um padrão de respostas comuns, que nós aprendemos na nossa socialização, que não são respostas interessantes para intervenção do indivíduo suicida, né, que são aquelas respostas simpáticas, que na verdade elas negam o estado de sofrimento da pessoa. São respostas como “não pensa nisso não, no final vai dar tudo certo, vai ficar tudo bem”. Embora sejam formas simpáticas de tentar acolher alguém, essas respostas prontas, elas além de não fornecerem nenhum tipo de acolhimento, elas acabam negando o estado de sofrimento da pessoa, né, quando a gente diz “não pensa nisso não”. Então as recomendações, elas envolvem a gente tentar fazer a pessoa gastar esses sentimentos, que são reconhecidos na literatura como Afetos Intoleráveis, né. Desespero, desesperança, humilhação, culpa, raiva: são afetos que nenhum ser humano aguenta por muito tempo e que nesse sentido, entre aspas, eles são gastáveis, né. É importante que nós possamos reconhecer esses sentimentos como legítimos, né. É importante num discurso de alguém em sofrimento tentar identificar que sentimentos são esses e acolher, ao invés de tentar simplesmente fazer algum aconselhamento, né. Raramente nós temos algo realmente relevante pra dizer que vai resolver um sentimento de uma pessoa, e também na maioria das vezes a própria pessoa é quem vai reconhecer e buscar suas próprias vias pra resolver esses problemas. Em caso de dúvidas existe o Centro de Valorização à Vida, um serviço de acolhimento emocional que funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana, inclusive feriados, através do número 141 (é um número nacional), ou pelo chat online, ccv.org, só pesquisar lá no Google. É um serviço que presta atendimentos emocionais, né. Tem como foco a prevenção do suicídio. Possui uma equipe qualificada pra conversar e acolher pessoas – não apenas as pessoas que estão pensando em se matar, mas também pessoas que estão diante de alguém em crise, né.

(Bloco 6) 51’ – 1:01’39”

Ju: Mas Silvia, uma coisa que eu achei muito interessante, assim, se a gente falou, se a gente entendeu antes que as causas do suicídio têm mais a ver com o copo cheio, do que necessariamente um evento, é fácil entender o que a gente pode fazer, né? Que é ajudar o copo a não encher, né?

Silvia: A não encher. É porque o suicídio é um processo, né? E esse processo é que a gente tem que cuidar, né? Então, se eu, no comecinho do meu copo eu acho alguém que me escute, consigo esvaziar, esse copo nunca vai encher, né?

Ju:Eu achei muito interessante, eu nunca tinha ouvido essa abordagem que ela falou de que esse sentimentos que são arrebatadores e desesperadores eles são justamente tão fortes que eles não conseguem perdurar por muito tempo. A cada episódio, então, se você sentar e ouvir, você deixa aquilo transbordar e você alivia a pressão. [Silvia: Alivia.] Eu achei muito interessante, porque assim, o que mais perguntaram quando a gente postou que ia falar sobre suicídio e perguntou o que as pessoas queriam saber, o que mais vem é: “Como ajudar?”, “O quê que eu faço?”, “O quê que eu poderia ter feito?”, “O quê que eu deveria fazer?”, “O quê que eu faço?” e o engraçado é que, e assim, muito assim “O quê que eu falo?”, “O quê que é pra falar?”, “Quando alguém vier falando isso e isso e isso, o quê que eu falo?”. E a questão é muito interessante, porque a resposta é: não fale! Escute!

Silvia:: Escute!

Fê Duarte:Eu acho que escutar é o mais importante e uma das frases que o pessoal costuma falar com a intenção de demonstrar empatia que é “eu sei o que você está passando”, “eu entendo o que você está sentindo”, provavelmente isso não vai ser muito bacana, não. Vale mais demonstrar que a gente tá ouvindo de verdade, né? Então, ouvir com atenção, prestando atenção, falar assim: “Me explica isso.”, “O quê que tá acontecendo?”, “Fala pra mim”. Talvez quanto menos, falar melhor, né? Só deixar a pessoa falar. E se for pra falar alguma coisa, falar com curiosidade. Com interesse.

Ju e Silvia: Interesse.

Ju:É, Silvia, você há muitos anos tá escutando, como que a gente escuta?

Silvia:Então, a gente sempre no CVV, a gente faz todo um treinamento, né?, pra poder ouvir, até pra gente deixar esse lado de dar palpite, que a gente tem mania de dar na vida de todo mundo. Todo mundo sabe o que é melhor pro outro. Então, a gente tem que reaprender mesmo a ouvir, né? É tentar realmente, tá atenta, ver o interesse da pessoa, mas principalmente tentar despertar pra que ela fale sobre a emoção, né? Daquele fato que ela tá me contando, o quê que cê tá sentindo, né? Porque eu acho que na hora que eu consigo expressar que sentimento é esse, porque a gente não tá acostumado a falar dos sentimentos, né? Desde de pequenininho, esconde o choro, não fala o que cê tá pensando, ninguém pode saber, então a gente bota uma capa de proteção tão grande que na hora que perguntam assim: Que sentimento é esse? Gente, eu nem sei que sentimento é esse. Eu não sei se é raiva, se é tristeza, né? Então a gente poder falar sobre as nossas emoções, eu acho que é uma das coisas que nos ajudam a que o copo não transborde.

Ju:É, e esquecer que o que funciona pra você não vai funcionar pra pessoa, [Silvia: Não vai] então não adianta. E o lugar que você tá é muito diferente do que o lugar que a pessoa tá. Eu tava assistindo um TED, todo, a gente viu muita coisa pra essa pauta, eu vou colocar link de tudo no post, tá? Então vale a pena dar uma olhada, eu vou colocar em cima as coisas que eu acho mais importante como os primeiros links. E no meio disso tem um TED de um menino falando o porque a gente se suicida, um menino que já teve algumas tentativas e ele tava falando sobre esse assunto e ele falou bastante sobre a situação de alteração de percepção que ele tinha, então ele dá exemplos muitos gráficos de como a sua visão fica completamente turva, o jeito que você experimenta o mundo, porque o mundo não é, o mundo é como a gente sente ele, então quando essa percepção tá desequilibrada, não adianta uma pessoa de fora vir te contar como que é o mundo. Você não tá enxergando daquele jeito, você não tá sentindo daquele jeito. Então você não tá ajudando.

Silvia:Eu sempre falo assim, não adianta eu querer colocar cor, se o mundo tá preto e branco, né? Se o outro tá sentindo preto e branco não adianta eu vir lá com o meu rosa, com meu verdinho pra tentar botar uma florzinha ali, que não vai ter cor. [Fê Duarte:Quem vai colorir é ele.] É, é ele que tem que achar que cor que tá o mundo dele, não sou eu que vou com a minha, né? Que não vai dar certo.

Ju:É, então assim, eu acho que é interessante a gente falar isso, porque isso é uma coisa que funciona pra todo mundo, eu acho que todo mundo tem que aprender a escutar, né? Eu lembro que quando eu era pequena, tinha um livro que eu adorava, que chamava “Manu, a menina que sabia ouvir” que era justamente sobre isso, era uma menina sensacional, ela era algo no mundo, não existia menina que nem ela, meramente porque ela sabia sentar e escutar, porque a gente cada vez tá se distanciando mais. A correria, a pressão, tudo o que a gente já falou de individualização e tal, deixando a gente cada vez mais apressados, então justamente isso também é uma forma de ter um atalho, né? Você tá me contando uma história e eu já quero chegar no final dela, então eu vou preenchendo as lacunas, eu nem te deixo falar, né? Então, como a gente tem que exercitar a escuta, porque pra todo mundo que nos perguntou: O quê que eu posso fazer? É ouvir, né? Que é uma coisa que pra gente parece muito passiva, né?

Silvia:Então, tem aquele vídeo da empatia e da simpatia, que é muito interessante mesmo, de quando eu consigo chegar no outro, colocando-me próximo do outro, né? Não acima do outro, né? Que faz toda a diferença, quando eu realmente, vou pro buraco junto com ele e consigo sentir o sentimentos que ele ou me aproximar, né? Porque sentir o que o outro tá sentindo eu nunca vou conseguir, mas me aproximar um pouco mais dele e o quanto isso faz diferença pro outro.

Ju:É, eu acho interessante porque você falou assim: Ah, falar já ajuda. E parece, que gente, mas falar é tão pouco, né? Mas quando você fala, você também pensa [Silvia:Sim, sim, Você reflete]. quando você fala, você também coloca outra perspectiva sobre aquele mesmo pensamento que você tinha, né? Que ficou recorrente, que ficou circular na sua cabeça enquanto você tava sozinho, no momento em que você desenrola pra contar pra alguém, você escuta sua própria voz falando e você tem que fazer sentido do que você tá falando pra explicar pra pessoa, você enxerga aquilo sob uma outra luz.

Silvia:Então na realidade quando a gente tá conversando com o outro a gente também tá tendo tempo pra gente refletir sobre as nossas ideias. Então no momento em que a gente tá atendendo uma ligação a gente, as, muitas vezes muda as palavras que o outro está nos falando pra que ele possa se ouvir, né? E nesse momento ele vai se reorganizando as suas ideias e repensando o quê que ele tá sentindo.

Ju:Agora que a gente já falou o quê que o indivíduo pode fazer. O quê que as pessoas ao redor dele podem fazer pra ajudar. Eu queria que a gente discutisse um pouco o que a gente, como sociedade, pode fazer. E eu acho que tem duas esferas disso, e a gente um pouco já falou sobre isso, só aprofundar um pouquinho mais. A primeira questão de cultura, que é a questão do tabu: que o tabu de falar sobre suicídio é muito grande e eu acho que aprofunda o problema, né Silvia?

Silvia:É, na realidade, assim, nós precisamos conversar sobre isso né? Eu acho que não tem como a gente colocar a questão do suicídio embaixo do tapete. Acho que Setembro Amarelo é algo que vem mesmo trazer pra vista de todos nós essa questão.

Ju:Mas por que tão tabu? Por que a gente não fala de suicídio? Por quê que antes de fazer essa pauta eu jamais ia imaginar que matava mais do que acidente?

Silvia:A gente tem medo, talvez, porque a gente não tenha a sensação de… A morte pra gente ainda é uma interrogação.O quê que acontece depois da morte. Acho que também tem a questão da religião, que a maioria encara o suicídio como algo ruim, [Ju:Como um pecado.] algo como um pecado ou algo perverso, né? Eu acho que tem é mesmo, as nossas questões mesmo, de poder olhar pra isso sem fantasia né?

Ju:É, eu achei interessante pensar que suicídio, o tabu do suicídio é filhote do tabu da morte. Então a partir do momento em que a morte tá cada vez, a gente tem um programa chamado “A boa morte”, um programa muito legal, quem não escutou vale a pena escutar. A gente fala nesse programa sobre isso, que antes a morte era parte da vida, ela tava mais próxima, as pessoas morriam em casa, eram veladas em casa, então, era parte do ciclo da vida. Isso era, tava mais próximo, da mesma maneira o fato da gente tava mais próxima do campo, uma vida mais próxima do campo, a morte, ela era mais natural e tava mais no dia-a-dia. E a gente foi se afastando cada vez mais e deixando a morte cada vez mais estéril, relegada ao hospital, ao cemitério, né? Isso tá muito distante da vida normal, da vida comum do nosso dia-a-dia, e quanto mais tabu fica a morte, maior tabu é falar do suicídio. Porque também faz parte do mesmo grupo de discussão.

(Bloco 7) 1:01’39” – 1:10’12”

Fe Duarte: E me parece, parece que você tá juntando dois tabus, que é o da morte com o do assassinato, né?

Ju: Exato.

Fe Duarte: Que é, imagina, que é uma coisa que é mais natural das pessoas pensarem como sendo uma coisa muito errada mesmo. Inclusive, existe uma tentativa de tentar diferenciar o que que é a boa morte, ou o que seria a eutanásia de um suicídio. É claro que assim, pra muitas religiões, pra muitos pontos de vista, as pessoas tendem a ver a eutanásia exatamente como sendo sinônimo de suicídio. E tem outras pessoas que tendem a não ver a eutanásia como suicídio. Teve alguns pesquisadores que eles propuseram a seguinte diferenciação: se uma pessoa, enfim, está doente ou tem qualquer problema de saúde, a gente tá pensando numa situação assim, hospitalar. Se ela se suicida porque ela sente que ela não tem nenhuma outra opção, nenhuma outra escolha, a doença dela não tem cura, não tem como melhorar. Mas a família dela ou a equipe médica discorda, acha que tem chance, tem como melhorar, isso é suicídio. Se a pessoa tem essa mesma sensação, a família concorda com ela e a equipe médica também concorda com ela, isso é eutanásia.

Ju: Entendi. A gente não pode negar que tem um peso da religião pra transformar isso em tabu. Tem o peso, assim, quem não tem religião, mesmo o peso da nossa própria sociedade, que é a sociedade do sucesso, [Silvia: Sim.] então o suicida é um fracassado, né, uma pessoa que não deu certo, uma pessoa que desistiu, é uma pessoa fraca, é uma pessoa egoísta. Então, a gente tem camadas e camadas de preconceito, de tabu, pra se discutir sobre isso. Então, por exemplo, se você morreu de um acidente de carro, vão conversar sobre isso. Mas se você se suicidou, não se fala disso. [Silvia: Não se fala disso.] Justamente por conta do tabu. E aí, acho importante assim, se a gente já tá falando que como sociedade, a primeira coisa é levantar o tapete, [Silvia: Sim.] e olhar pro que não é agradável de ver e discutir o que é difícil de discutir, é importante a gente conversar um pouco sobre o Efeito Werther, que é o efeito de copycat, que a gente chama, que é de pessoas imitarem suicídios quando escutam falar de suicídio. Então, que foi uma das coisas que mais contribuiu pra que não se falasse sobre suicídio. Então, na maior parte dos manuais de redação, tem alguma parte falando sobre não dar espaço pra suicídio, não espetacularizar o suicídio, não entrar em detalhes sobre o suicídio, e em grande parte das vezes, evitar mesmo, de qualquer maneira conversar. Acho que por isso que suicídio é um tema que foi pedido desde o primeiro programa, porque no primeiro programa do Mamilos eu falei “olha, gente, eu acho que é proibido noticiar suicídio”. E aí, vieram falar assim, não, não é que é proibido, é manual de redação. Melhor não. E aí, estudando pra essa pauta, é uma grande discussão isso, né? Falar ou não falar?

Fe Duarte: As pessoas tem medo de falar por causa dessa história, né? Teve aí o livro Werther, onde o cara colocava de uma maneira tão romantizada, né? Escreve longamente sobre todos os problemas, sobre todos os… e chega à conclusão que não tem outro jeito e se suicida. Depois disso, um monte de gente no mundo se suicidou.

Ju: E o livro foi proibido em um monte de lugares.

Fe Duarte: Sim, por motivos óbvios. Provavelmente, o melhor que tínhamos que fazer era discutir a respeito do assunto, né? Claro que não devia ser a única opção praquele cara, pro Jovem Werther mas, enfim, ele romantizou isso, ele colocou como se fosse.

Ju: Sim.
Fe Duarte: Né? Isso é um problema. A gente sabe que, hoje em dia, quando tem uma celebridade que se suicida, isso gera sim uma comoção no mundo todo. Na verdade, você vê, nem precisa se suicidar, depois que o Michael Jackson morreu, por exemplo, e que ele morreu de um acidente, teve um monte de gente, de fãs, que se suicidaram, sabe? Mas, a ideia, eu ainda acho que é a gente não proibir o assunto. Eu acho que quando a gente proíbe o assunto, a coisa fica mais complicada.

Ju: Não, não é sobre proibir, mas é como falar, por exemplo, tem um relatório da Organização Mundial de Saúde, de 2014, que inclui cobertura sensacionalista da mídia como fator de risco, seja pra contribuir com imitação ou estigmatização das pessoas. Então é assim, é colocar imagens de corpos ou detalhes do método utilizado, indicação do local da morte, usar “suicídio” na chamada, descrição de como os corpos estavam e chamadas dramáticas. Tem que se evitar isso, como que foi feito na cobertura dos últimos casos de suicídio no Rio de Janeiro e em São Paulo não falando, mas dando prioridade para outro tipo de cobertura, que promove um debate aprofundado. Então é isso que tá falando, não é “não se fale”, mas é “não explorar a notícia sensacionalisticamente pra ter clique”, porque isso tem consequências.

Fe Duarte: Sim. Isso provavelmente, exige uma responsabilidade muito grande de quem tá escrevendo.

Ju: Né. O que a Associação Brasileira de Psiquiatra fala na cartilha é: acredita-se que carregar a reportagem de tensão por meio de descrições e imagens de amigos e familiares impactados, acabe por encorajar algumas pessoas mais vulneráveis a tomarem um suicídio como forma de chamar atenção ou de retaliação contra outros. Não se deve mostrar o suicídio como se fosse uma coisa sensacional. Deve se mostrar a dimensão humana e como problema de saúde mental. Não é um problema de polícia, de celebridade ou de justiça, que é justamente o foco que a maior parte das reportagens dá, né. Então acho interessante falar sobre isso, que assim, as coisas tem muitos tons de cinza, né? [Silvia: Tem.] Então, se a gente coloca assim, “ah, não é pra falar” ou “é pra falar”, “tudo pode ser falado”, não é exatamente assim, não é nem cá nem lá. Não pode falar de qualquer jeito, mas também não adianta não falar de jeito nenhum, a gente tem que abordar.

Fe Duarte: É engraçado que quando a gente fala “precisamos falar sobre o assunto”, essa frase, ela carrega um tom de empatia. Quando a gente tá falando da espetacularização do suicídio ou da romantização do suicídio, não sei, parece que tá carregando junto não uma intenção de saúde, em geral quem tá criando uma manchete dessa não tá preocupado com a saúde da população. Tá preocupado em vender mais jornal. [Ju Sim.] Tá preocupado em vender mais manchete, ou em vender mais livro, sei lá. [Ju Sim.] Parece que a intenção é outra, né?

Ju: É, mas eu achei interessante quando a gente tava estudando pra essa pauta, que assim, até entre os médicos, isso não tá muito claro. Então existe um medo de se falar sobre o assunto. Então, por exemplo, em Londres se fez um estudo, e viu que dois terços dos médicos não perguntam se o paciente tem ideação suicida porque acham que isso pode dar ideia.

Fe Duarte: Isso é verdade. Tem muitos médicos que ainda tem esse preconceito, e assim, especialmente, eu costumo trabalhar com muitos médicos de família, e existe um outro problema que é um problema sistêmico. Em geral, o tempo que eles têm de atendimento numa unidade básica de saúde é muito curto. O mais normal é você ver um médico que precisa atender em 15 minutos. Então tem muitos médicos que simplesmente não perguntam isso, porque eles têm medo de perguntar e a pessoa começar a falar e estourar o tempo que eles têm pra atender, e também tem muito médico que não pergunta porque na hora que o paciente fala “é, realmente, eu to pensando em me matar”, ele não sabe o que ele vai fazer com isso. Sabe? Fala, “Ish, e agora que ele falou isso? O que que eu faço? Pra onde eu mando? O que que eu prescrevo? O que que eu falo?” E aí por desconhecimento, isso acaba, enfim, não sendo abordado.

Ju: É, então assim, a primeira coisa que tem que ficar muito claro pra profissionais de saúde que você não vai dar ideia de suicídio se você pensar, se você perguntar se a pessoa tem ideação suicida. E que assim, isso tem que ser tratado tão francamente quanto qualquer outro assunto, é diretamente perguntar.

Silvia: E é tão interessante que no momento que você pergunta “mas, você tá me falando que você tá pensando em tirar sua vida?”, a pessoa às vezes cai em si e ela “nossa, eu to falando isso mesmo”. Porque às vezes a pessoa não se dá conta do que ela tá pensando.

Fe Duarte: É, a ideia é perguntar exatamente, com todas as palavras. “Você tá pensando em morrer? Você tá pensando em se suicidar?” Se a gente não pergunta com todas as palavras, a pessoa também pode responder de uma forma meio ambígua, do tipo “Ai, eu estou muito cansado, às vezes eu não vejo esperança” e não fala aquilo que se quer saber. E pra gente, enfim, avaliar mesmo a pessoa, a gente precisa perguntar, enfim, com toda a honestidade, com todo o carinho. Lembrar que a gente não tá dando essa ideia. Quando a gente pergunta isso, [Silvia Já tá lá, já tá lá.], a pessoa já tá pensando nisso há muito tempo. A pessoa não vai falar “Olha só, [risos] boa, agora que você tocou nesse assunto, eu não tinha pensado isso mesmo, to indo lá fazer isso!” Não, isso não existe. A pessoa já tava pensando nisso há muito tempo.

Ju: Vamos então falar um pouco sobre o luto, e pra falar sobre o luto, a gente vai chamar a Paula Fontenelle, que é autora, jornalista e autora do livro “Suicídio, futuro interrompido – Guia pra Sobreviventes”.

(Bloco 8) 1:10’12” – 1:20’59” Bruna

Paula: O luto pelo suicídio é um luto diferente, porque é um luto muito silencioso, é difícil pra gente que passa por uma perda desse tipo conversar sobre o assunto porque, principalmente, no início a gente não sabe exatamente porque aquilo aconteceu e também as pessoas que têm uma dificuldade enorme de falar sobre isso. No meu caso, meu pai, ele se suicidou em 2005. No momento em que aconteceu toda a família passou pelo choque, que é natural, que é o choque inicial. Algumas fases são bem comuns às famílias que passam por isso. A gente tem o choque, depois vem a pergunta do porquê. Tentar entender por quê que a pessoa fez aquilo, chegou naquela situação limite de tirar a própria vida, depois vem a culpa, né, de você começar a se perguntar como é que eu não enxerguei os sinais, como é que eu não vi que ele tava com uma dor desse tamanho, será que ele não deu algum sinal que eu não consegui enxergar. É muito normal a gente se sentir culpado, e não é só com familiares né, qualquer pessoa que passa por uma situação dessa.
Depois vem a raiva. A raiva é de “como é que ele fez isso comigo?”. Que aí vem aquela discussão de “nossa, como ele foi egoísta de fazer isso com a família e deixar aqui um filho, deixar uma mulher”. E por último, que é uma situação também comum e que eu lembro que minha irmã passou por isso, minha irmã mais velha, é o medo da hereditariedade do suicídio, o que não é verdade, o suicídio não é hereditário, o que às vezes pode ser hereditário, claro, é um transtorno mental que tem um histórico familiar, mas eu lembro que o que minha irmã passou, ela uma vez falando comigo assim muito assustada porque ela teve depressão depois da morte do meu pai e ela dizia, será que isso vai acontecer comigo, eu não posso deixar que isso aconteça comigo, eu tenho uma filha e eu não posso deixar que ela passe por isso. E ela fez um tratamento, eu também passei por depressão, fiz tratamento de depressão uns dois anos depois que ele morreu. Então é muito assustador, é normal que a família sinta isso. Mas por quê que eu digo que é silencioso? Porque numa morte normal, uma morte por acidente, uma morte por doença, as pessoas vêm pra você, pergunta o que aconteceu, querem saber os detalhes, como foi, como que tava o tratamento, há quanto… como que foi a morte, quem foi o culpado, se foi uma acidente; no caso do suicídio, não. Eu lembro também que minha irmã mais nova, e comigo aconteceram dois fatos assim muito dolorosos. Minha irmã logo, poucos dias depois da morte do meu pai, falando com uma pessoa, a pessoa perguntou o que que tinha acontecido, né, que soube da morte dele e quando ela disse “foi suicídio”, ela virou pra mim, essa pessoa virou pra minha irmã e disse: “Nossa! Mas cê sabe que o suicídio se a pessoa ela é religiosa, cê sabe que seu pai tá num lugar horroroso porque é considerado o maior pecado que uma pessoa pode cometer, então seu pai agora tá sofrendo muito!” Você imagina o que é pra uma filha ouvir um absurdo desse poucos dias depois da morte do pai. E comigo também aconteceu, uma amiga muito próxima perguntou o que tinha acontecido com meu pai, que soube que ele tinha morrido e eu disse: foi suicídio. Porque na minha família a gente tem essa vantagem, a gente fala sobre a coisas. No momento em que eu disse, foi suicídio, ela disse: Nunca mais repita essa palavra, Paula! Não diga isso pra ninguém, porque… Aí eu perguntei pra ela: Mas porquê não? Mas foi isso que aconteceu. Ela disse não, porque é uma palavra muito difícil pras pessoas lidarem. Eu disse olha, difícil pra você lidar, pra mim é necessário dizer que foi suicídio, é um tabu e eu acho que não adianta nada a gente silenciar e fingir que não aconteceu. Então no que diz respeito ao luto, foi isso que eu passei na pele, minha família passou, que a gente teve muita dificuldade era de lidar com esse silêncio. Eu lembro que logo que aconteceu eu fiquei com todas as dúvidas que são normais né, pra quem passa por essa situação e eu comecei a estudar muito pra entender porque como não tinha com quem conversar, a gente conversava muito entre nós, era muito mais difícil. Então a minha interpretação do luto do suicídio é essa, é que além da dor natural da perda tem a dor de não ter com quem falar e das pessoas não te procurarem pra falar sobre isso, de ter dificuldade de ouvir, então você não fala e as pessoas não sabem como reagir até à palavra suicídio.

Fe Duarte: Praticamente todo mundo que sobra né, que sobrevive aí, que fica depois do suicídio, é muito natural o familiar inicialmente sentir muita culpa e de pensar “puxa vida se aquele dia eu tivesse conversado, se aquele dia que a pessoa falou pra mim alguma coisa se eu tivesse me interessado mais, se eu tivesse saido com ele..” sabe é muito natural toda família se sentir extremamente culpada pelo que aconteceu. Também é muito natural a família ter raiva, de falar “poxa, olha só o que fez com a nossa família, olha só…

Ju: Que egoísta né.

Fe Duarte: Isso, é natural, isso deve acontecer em quase todas as famílias, sabe, dos familiares sentirem inicialmente culpa ou raiva ou um misto dos dois ao mesmo tempo. Porque não é fácil lidar com isso. Na semana passada eu ouvi uma história de uma adolescente que tentou suicídio por… se sentia muito sozinha em casa, mil problemas, enfim. Foi levada a um serviço de saúde, foi atendida e o profissional que atendeu ela assim que chegou o pai né, explicou o que aconteceu: Olha, então, ela fez uma tentativa de suicídio e vai ser necessário tratamento e tudo. O pai foi com ela pra casa e assim que chegou em casa ele bateu nela, deu um murro na cara dela.

Ju: Parabéns, realmente vai ajudar.

Fe Duarte: Porque é… cê vê só, ele ficou morrendo de raiva, falou assim, pensado ele: Poxa, eu trabalho o dia inteiro, me dôo o máximo, faço de tudo pra não faltar nada em casa, cê vai e faz uma besteira dessa. Pois é, cê vê só.

Silvia: Acho que pensando um pouco nisso né, o CVV criou o GASS (Grupo de Apoio aos Sobrevivente e aos Suicidas). Então é um grupo que se reúne na quarta-feira, toda primeira quarta-feira do mês em Pinheiros, que a gente tem um grupo lá no sábado, e nas quarta-feiras na Abolição, são dois grupos que a gente tem, é exatamente para que a pessoas possam falar sobre essa questão, que às vezes é difícil eu falar com quem não passou. Então o outro talvez me entenda, não venha com tantas críticas, com tantos tabus e possa me escutar um pouco melhor, então a gente pensando nessas pessoas foi criado esse grupo e que tá funcionando e que as pessoas tão indo. Eu acho que é importante esse espaço.

Ju: É, até porque, eu achei interessante que, por exemplo, todo mundo afetado por um suicídio é chamado de sobrevivente. Isso mostra o tamanho do trauma, porque eu não sou sobrevivente da morte da minha vó, agora se ela tivesse se suicidado eu seria uma sobrevivente disso. Justamente pra dar a dimensão…

Fe: [interrompe] Do impacto.

Ju: … de como é traumático, como isso afeta né.

Silvia: Então, e parece que tem uma, uma… o pessoal da Organização Mundial da Saúde, parece que eles dão uma estatística né, de cada um que se mata impacta no mínimo dez pessoas, então é bastante gente né.

Ju: É e é interessante deixar claro que os efeitos desse luto, a diferença do luto de suicídio é mais intenso, é mais duradouro, justamente por essa questão, pela busca do sentido, de porquê que aconteceu. Porque ninguém procura um sentido num acidente, né, numa doença, “porque que eu tive câncer?” Teve câncer, fim. Agora a questão do suicídio ela carrega todo esse peso de também se buscar uma explicação, de um porquê e isso acaba aprofundando e alongando o luto né.

Fe: Vou ler aqui um relato de uma colega psiquiatra e que ela, enfim, teve um paciente que ela acompanhava que se suicidou, enfim, quando eu perguntei pra ela se ela podia fazer algum depoimento, ela mandou esse texto que eu vou ler aqui. “Quando o Dr. Fernando me pediu para contar sobre o meu paciente que se matou, senti que tinha uma função ética de contar a história dele para que as pessoas pudessem entender um pouco mais sobre o suicídio. Também por ética preservo a identidade dele e a minha. Durante cerca de cinco anos acompanhei Renato mentalmente. Renato era um homem que tinha depressão e transtorno de personalidade Borderline. Esses são os diagnósticos que ele possuía do ponto de vista psiquiátrico, mas que muito pouco fala sobre quem era ele. Era um homem que tinha uma sensação constante e persistente de desamparo, um homem que se angustiava de ser quem era, que sentia que o mundo não dava o que precisava e que se sentia sempre vazio e insatisfeito com a vida. Um homem que não conseguia lidar com as frustrações. Durante esses anos tivemos muito contato. Ele se sentiu melhor com os remédio, mas a sensação de ser rejeitado e de vazio por dentro permanecia. Toda consulta eu insistia na necessidade de terapia, de aprofundar na sua dinâmica de mundo interno, mas Renato não queria, se recusava consulta após consulta. Eu o acolhia nos momentos mais difíceis, manejava a medicação quando necessário, sempre me mostrava disponível para ajudá-lo. Até que a vida fez com que Renato entrasse numa grande crise, seu casamento acabou, perdeu o emprego. Renato precisava crescer, mas se recusava a entrar em contato com a sua angústia. Renato não suportava sentir, não podia sentir. Renato começou a usar maconha, começou a usar remédios pra emagrecer mesmo contra as minhas orientações. Parou de ir às consultas, parou de tomar os remédio de depressão, perdeu as esperanças. Renato se matou sem pedir ajuda, sem avisar ninguém, sem deixar nenhuma carta. No dia em que soube da sua morte me senti devastada, pensei em desistir da profissão, me senti culpada, tentei achar algum erro que eu poderia ter cometido. Senti raiva também, me perguntava por que ele não me avisou, por quê não me pediu ajuda se sempre me mostrei tão solícita? Por que não me ligou quando se sentiu desamparado? Por quê, ao menos, ele não me escreveu? Demorou muito para que eu pudesse fazer o luto de Renato, para que eu pudesse não me sentir suicidada também. A devastação provocada pelo suicídio é terrível, a família de Renato sofre muito até hoje. Ninguém se mata sem matar junto todos que o amam. Hoje entendo que Renato foi dois, que Renato possuía dentro de si o assassino e a vítima, que a família sobre o mal que o Renato assassino causou: a perda do Renato vítima e, sobretudo, a falta de quem ele poderia ter sido. Entendo também que eu tive a chance de cuidar do Renato por um tempo, mas que Renato era um homem impedido de crescer e Renato não conseguia ter espaço dentro de si para se amparar, para suportar. Hoje eu entendo também que a morte não é o contrário da vida; que o oposto da morte é o nascimento. Renato, como o significado de seu nome, aliás, expressa, era alguém que precisava voltar a nascer. Eu só sinto muito que ele não pôde fazer isso em vida. que ele não pôde suportar, vivo, a dor que antecede todo o parto.”

(Bloco 9) 1:21’00” – 1:30’59”

Ju: Então aí a gente tá falando do, cê vê, o impacto não só nas pessoas queridas, mas na profissional que se sentia responsável pela saúde mental dele. E aí eu vou pra Associação Brasileira de Estudo e Prevenção do Suicídio, que é aquele número que você citou, que ela estima que 60 pessoas sejam intimamente afetadas em cada morte por suicídio, incluindo família, amigos e colegas de classe. Então assim, você falou em 10…

[Silvia ao fundo]: 10.

Ju: Porque provavelmente eram…

[Silvia ao fundo]: … os mais ligados
Ju: …os mais ligados, que é: família. Mas acontece que não é só família.

[Silvia ao fundo]: Sim.

Ju: É um episódio tão traumático, que o alcance dele é muito maior.

Fê Duarte: E tem um estudo também que fala sobre profissionais de saúde mental que cerca de 50% ao longo da carreira acaba tendo pelo menos um paciente que se suicida, e isso, esse evento, pode ter um efeito devastador na pessoa, dela se sentir extremamente culpada, como se tivesse fracassado enquanto profissional. Também é muito complicado pro profissional que lida com isso.

Silvia: Porque é difícil a gente entender que também é o, foi a opção dele, né? Se a gente se coloca no lugar, é difícil a gente pensar nisso como opção pra nossa vida, e acho que é por isso que fica difícil a gente entender.

Ju: E também, Fê, acho que a gente tem que abordar aqui um outro ângulo da questão do suicídio que é, muitas vezes essa medida extrema, ela também pode ser uma usada como uma forma de fazer as pessoas sofrerem, né? Então, como é uma coisa muito extrema, uma arma muito extrema, é um jeito de que você tem de, como a gente tava falando, você falou de chamar atenção pra um ponto. Então quando você quer falar uma coisa e você acha que não tá sendo ouvido, que você não tá sendo levado a sério, ou quando você acha que não está sendo valorizado, quando você acha que as pessoas não estão te dando a atenção devida, também é um arma que pode ser usada contra as pessoas que gostam de você, né? Não tô falando que isso é assim, mas isso também pode ser assim.
Fê Duarte: Pode, e acho que até por isso que muitas das pessoas ao redor acabam sentindo raiva, porque a pessoa se sente manipulada, se sente, nossa, olha só o que ela tá fazendo, ela tá obrigando que eu mude o meu jeito, tá obrigando que eu pare tudo que está acontecendo para dar atenção pra essa pessoa. E…

Ju: Ela tá forçosamente se colocando no centro da família, dos amigos.

Fê Duarte: Isso. E às vezes a pessoa realmente tá precisando de atenção. E daí ela toma medidas extremas.

Ju: Eu queria finalizar falando rapidinho alguns mitos que tem sobre suicídio.

Fê Duarte: O primeiro mito que eu acho que vale a pena a gente quebrar é que quem fala sobre isso, quem vai escutar uma pessoa tem que ser alguém da saúde mental. Tem um estudo que diz que de todas as pessoas que se suicidam, cerca de 75% das pessoas estiveram em consulta com algum profissional da saúde geral contra apenas 33% que estiveram em consulta com algum profissional da saúde mental. Isso no último ano antes da morte por suicídio. Se a gente levar em conta só o mês em que a pessoa se suicidou, 45% esteve em consulta com algum profissional de saúde geral e apenas 20% teve em consulta com algum profissional de saúde mental. Ou seja, claro, é importante que o pessoal de saúde mental saiba abordar, saiba lidar com isso e talvez prevenir muitas dessas coisas, mas é muito mais legal que outros profissionais da saúde em geral saibam o que fazer, saibam conversar, saibam tentar prevenir.

Ju: Quem quer mesmo se matar não fica avisando, cão que ladra não morde.

Fê Duarte: É, esse é outro mito também, né.

Ju: Perigoso, né?

Fê Duarte: Super perigoso. Essa história de cão que ladra não morde, eu cheguei a escutar até de professores. Não é verdade, a maior parte das pessoas dá algum tipo de aviso, né. Seja falar, seja escrever alguma coisa, e é nesse momento que a gente tem que levar a sério mesmo, de repente a gente tá conseguindo prevenir uma morte.

Ju: Quem tenta suicídio merece morrer porque não respeita a vida.

Fê Duarte: Isso pra mim também é uma bobagem sem tamanho, sabe. Eu acho que, na verdade, quem tenta suicídio foi quem passou por um grande problema, um grande stress naquele momento. Eu até anotei aqui o nome de algumas pessoas famosas que tentaram suicídio em algum momento da vida, que tavam passando por algum problema e acabaram fazendo coisas muito bacanas depois. Então, eu vou citar alguns nomes aqui, como Elton John, Drew Barrymore, Tina Turner, Ozzy Osbourne, Brigitte Bardot, Britney Spears, e até Walt Disney, que o Walt Disney tentou suicídio quando ele tinha por volta de 30 anos, ainda foi antes dele fazer tudo aquilo. Assim, você vê, a gente pensa nessas pessoas, provavelmente tem muitos outros famosos.

Ju: Claro, isso é o que gente sabe, né? Porque por ser tabu, ninguém vai falar sobre isso.

Fê Duarte: É, tem muitos dos famosos que não devem nunca querer colocar isso no currículo deles. Enfim, a gente sabe que, poxa, uma pessoa que pode ser ajudada nesse momento de dificuldade ainda tem muita vida pra ser vivida.

Ju: Quem tenta só quer chamar atenção.

Fê Duarte: É, isso é outra bobagem que a gente precisa urgentemente desmistificar. A gente sabe que uma pessoa que tem uma tentativa de suicídio, ela tem de cinco a seis vezes mais chances de fazer uma nova tentativa de suicídio. A gente sabe que 50% das pessoas que se suicidam já tiveram pelo menos uma tentativa de suicídio antes. E a gente sabe que de uma a cada cem pessoas que acabaram de tentar suicídio que procuram ajuda num pronto-socorro, uma de cada cem vai morrer de suicídio dentro de um ano. Ou seja, a gente precisa dar atenção e carinho pra cada uma dessas pessoas que tentaram suicídio, porque é um número enorme delas que acaba, sim, de fato se suicidando.

Ju: Ah, não presta nem pra morrer, não conseguiu fazer nem isso direito.

Fê Duarte: Isso é um outro preconceito assim, que as pessoas acabam tendo em relação a quem tenta suicídio, né? A pessoa faz uma tentativa e as outras pessoas comentam como “nossa senhora, essa pessoa não serve nem pra morrer, é inútil até pra se matar, não consegue nem isso, nossa, ela tinha mais é que morrer mesmo”. Todos esses tipos de comentários, que são comentários super maldosos, super cruéis, fazem com que a pessoa que sobrevive de uma tentativa de suicídio experiencie uma vergonha muito grande, e isso aumenta a chance da pessoa tentar uma nova vez com muito mais ênfase, com muito mais energia. A gente não tem que falar essas coisas mesmo, sério. A gente tá aumentando o suicídio ao fazer esse tipo de comentário.

Silvia: Acho que esses julgamentos, né, não ajudam, né, porque isso, você tá pondo um valor aí, como se você soubesse o que é melhor pro outro.

Ju: Tem outras duas que eu queria falar, que é assim, se a pessoa tentou se suicidar, ou se ela pensa em se suicidar, ela tem um risco pro resto da vida.

Fê Duarte: Isso também não é verdade. Eu acho que tem muitas pessoas que tão passando por um momento difícil na vida, e parece que naquele momento a única alternativa é essa, e as coisas mudam, né. A vida pode melhorar, de verdade.

Ju: É, principalmente, em 97% dos casos quem se suicidou apresentava algum transtorno psiquiátrico, então isso tratado, acabou o transtorno, acabou.

Fê Duarte: Melhora. Isso. E tem até um dos vídeos que acho que a gente vai colocar na pauta depois como recomendação que é aquele vídeo do TED que fala do policial que trabalhava lá na ponte do Golden Gate. Ele fala que das pessoas que sobreviveram àquela ponte, praticamente todos, assim que saía da ponte se arrependia. E essa sensação de arrependimento às vezes previne que a pessoa tente de novo.

Ju: Outra que é muito similar a essa é de que, e que tá muito arraigada, por isso carrega tanto preconceito, é de que o suicídio é uma decisão individual, já que cada um tem pleno direito de exercitar o livre arbítrio. É importante falar isso, porque quando a gente fala que boa parte das pessoas tem algum transtorno mental ou está com algum transtorno mental, ou seja, que é aquele vídeo, o menino explica muito bem, com algum distúrbio na percepção, então você não tá fazendo uma escolha. Que escolha é essa se, pra você, é a única alternativa?

Fê Duarte: A verdade é que nem sempre as pessoas tomam decisões de forma tão clara. Em geral quem acaba optando pelo suicídio está com uma visão bastante estreitada, pensando que não existe outra opção. E a maior parte dessas pessoas quando tratadas, quando bem cuidadas, quando ouvidas, a visão muda, sabe? As coisas melhoram. Então eu acho que não vale a pena a gente pensar desse jeito mesmo, que, ah, é uma escolha da pessoa, a gente tem que respeitar e se ela quer se matar, é decisão dela e ponto final. Não é bem assim, a gente precisa ver com muita calma se por acaso ela não tá com algum problema que tá distorcendo a visão dela, o ponto de vista dela.

Ju: É isso?

Fê Duarte: Acho que temos uma teta.

Ju: Bom, então acho que, pra amarrar, se a gente fosse resumir aqui, o suicídio não faz parte de uma casta de pessoas, de um tipo de pessoa, de pessoas fracas, de pessoas que fracassaram, de pessoas… Isso é uma decisão, uma escolha que é inerente à nossa condição humana, porque vivos temos a escolha a todo o momento de se vamos terminar com a nossa vida ou não. É uma escolha que fica absolutamente comprometida em alguns momentos chave da vida, quando a gente já passou por uma série de fatores e o nosso copo lá já encheu. É uma decisão que, nove em cada dez vezes pode ser revertida, então essa escolha, essa decisão de se fazer um suicídio…

[Fê Duarte ao fundo]: Pode ser prevenida.

Ju: …ela pode ser prevenida. E uma vez tomada, ela pode ser revertida, se você tiver acesso à pessoa, se você conseguir conversar com a pessoa. O que a gente melhor pode fazer, todo mundo que tá ao redor: primeiro, prestar atenção pros sinais, e agir antes, para que o copo não encha. E uma vez que você tá nesse momento que a pessoa está numa tentativa de suicídio, ter a situação de que se ela tá alguma forma de… Alguma arma, alguma forma de atentar contra a vida dela, que você chame ajuda, espere que a ajuda chegue, e que você sempre esteja disponível para escutar. Mais do que falar, escutar. É isso?

(Bloco 10) 1:31’00” – 1:40’59”

Ju: E que a gente possa, todos nós, pensar em maneiras mais saudáveis de cuidar da nossa saúde mental. Então, se a gente faz um check-up pra testar o nosso corpo físico anualmente, que a gente também faça um acompanhamento da nossa saúde mental, que a gente faça uma higiene mental, que a gente construa vínculos, construa relações, que a gente possa, à nossa maneira, cada um do jeito que achar melhor, é… Encontrar jeitos de estabelecer conexões, de encontrar sentido e de fazer essas reflexões sobre a condição humana, do que a gente tem e como a gente lida com o fato de que a gente é frágil, a gente é transitório e como a gente lida com as nossas falhas, nossas limitações e com as nossas decepções.

Silvia: Acho que é importante a gente pensar, né, no outro, como sendo alguém que no momento tá dentro de um túnel, num túnel bem escuro. E no momento que eu posso me colocar ao lado dele, eu posso junto, mesmo que ele esteja tropeçando pela escuridão desse túnel e caminhando até no momento que a gente veja a luz, né, e que ele consiga ir sozinho. Então no momento que eu consigo ampará-lo, tá junto, escutando, tá ouvindo um pouco mais dessa dor, isso pode facilitar aquele caminhar que naquele momento tá muito difícil.

Ju: Vamos então para o Farol Aceso.

[ sobe a música ]
[ desce a música porque está acabando e sobe outra]

Ju: Então vamo lá, Fê, o quê que você indica?
Fe Duarte: Eu gostaria de indicar um filme, não tenho certeza se tem disponível em alguma dessas plataformas aí, tipo Netflix, mas o nome do filme é Verônica Decide Morrer. Eu sei que tem o livro e peço desculpas, não li o livro, só vi o filme. Mas a sinopse, por cima, é de uma moça chamada Verônica que decide [Ju: decide morrer.] morrer. Logo depois de fazer a tentativa, ela acaba descobrindo no hospital que ela tem uma doença terminal. Bastante interessante a discussão, eu acho que vale a pena, recomendo a todos.

Ju: Silvia…

Silvia: Simplesmente Alice. Que fala de uma mulher extremamente produtiva intelectualmente que descobre que tem Alzheimer e todo o questionamento que ela passa o tempo inteiro planejando que num determinado momento da vida ela vai cometer um suicídio. Então é bem interessante o desfecho final e… Todas as cenas.

Ju: É, eu assisti esse filme e mexeu MUITO comigo, e eu acho que é um filme que não termina quando você para de ver, né?

Silvia: Não, não..

Ju: Ele te acompanha bastante.

Silvia: O CVV vai ter dois eventos agora, amanhã nós vamos ter um evento lá no Teatro Municipal, a gente faz uma caminhada noturna pelo centro histórico de São Paulo. É muito legal, eu fui em todas até agora e vamo tá indo nessa também. Por quê? Porque a gente vai nos pontos turísticos de São Paulo, primeiro à noite, que você pode andar com pessoal que sempre faz, tem segurança, é bem tranquilo. E lá a gente passa por esses pontos onde aconteceu muitos suicídios em São Paulo. Então Viaduto do Chá, e tem um historiador que vai contando um pouco a história e a gente vai podendo falar um pouco sobre a questão do suicídio. Então nós vamos ter isso amanhã. E no domingo de manhã das 10:00 ao meio dia na Paulista, nós vamo também tá fazendo com vários voluntários, vamo tá divulgando um pouco mais do trabalho do CVV para que as pessoas conheçam um pouco mais desse trabalho.

Ju: Eu quero fazer uma indicação muito especial pros mamileiros, no dia 20 de setembro a Kombi do Chef, que eu já falei aqui várias vezes, que é o food truck do meu irmão, inaugura o seu primeiro restaurante físico, fixo. Ele vai chamar de Consulado Gaúcho, fica na rua Antônio de Macedo Soares,1377. E eu queria muito convocar os mamileiros pra me encontrarem lá na inauguração. Então, vamo combinar da gente ir juntos no almoço? Ou juntos no jantar? Enfim, eu vou postar nas nossas redes que horas eu vou tá lá, e eu espero muito ver vocês, é um momento muito especial pro meu irmão, é um momento muito especial pra família. Foi super difícil ele conseguir isso, é uma super conquista e eu quero muito apoiar ele e eu espero que vocês estejam lá e apoiem ele junto comigo. Então quem vai tá lá,vou tá eu, vai tá meu irmão, vai tá a Lolo, vão tá os meus filhos, então eu espero que vocês me encontrem lá e que a gente possa celebrar esse momento super especial. Fica o convite então, dia 20 de setembro, que a gente se encontre no Consulado Gaúcho.

[sobe trilha]
Frio,frio,frio
frio,frio,frio
Ao réptil, ao réptil que me tirou de outro mundo
Friiio….

[desce trilha]

Ju: Então agora, não temos um programa ainda! Porque temos que fazer a… O início do programa, que a gente cortou, não fez lá no começo e o Fê vai me ajudar pra não ficar num monólogo interminável, o Fê vai me ajudar, e a gente vai começar falando Beijo Para. Beijo pra quem, Fê?

Fe Duarte: Érica Bandeira, de Juazeiro do Norte.

Ju: Pra Tati, que escreveu dizendo que escuta Mamilos com o pai, é muito amor.

Fe Duarte: Pra Toulouse, na França.

Ju: Pra Jundiaí, em São Paulo.

Fe Duarte: E pra Ribeirão Pires!

Ju: Muito bem, fale com o Mamilos! Os Melhores Ouvintes ajudaram DEMAIS pra gente fazer essa pauta sobre suicídio. Indicando links, documentários, filmes, livros, especialistas para gente entrevistar… Se você também quer ajudar, segue a gente no Facebook e no Twitter. A gente sempre avisa nas redes qual vai ser a pauta do programa. Vai lá procura a gente. Mamilospod no Twitter e Mamilos no Facebook. Segue. Compartilha. Comenta. E fica ligado pra contribuir com a pauta.

Fe Duarte: Lembrando sempre que O Mamilos é feito por uma equipe de voluntários no Som do Mamilos – Caio Corraini, nas Redes sociais – MC e Guilherme Yano e no Apoio à pauta – Taty Araujo. Transcrição dos programas – Lu Machado.

Ju: E vamo pro merchand, a gente tem um merchand super importante. O Observatório de Imprensa tá com uma campanha no Kick Starter para bancar os custos de produção do site, hospedagem e administração. Desde 96, o Observatório da Imprensa é o único veículo jornalístico focado na crítica da mídia brasileira. Ao longo dos últimos 20 anos, os artigos têm sido oferecidos gratuitamente ao público. A gente fala muito no Mamilos do papel fundamental do jornalismo na democracia – é o papel de investigar, averiguar, filtrar e trazer as informações pra gente. Porque só existe escolha com conhecimento. Veículos como Nexo, Aos Fatos e Observatório têm um papel fundamental nisso. Eu já fiz minha doação, eu vou postar o comprovante nas redes sociais do Mamilos, e eu convido todos vocês a fazerem o mesmo. A campanha aceita qualquer valor a partir de R$10. Bora lá que melhor do que criticar a mídia enviesada é apoiar projetos bacanas.

Fe Duarte: Mamileiros de Curitiba, vocês têm a oportunidade única de encontrar o grande embaixador da ciência ao vivo. Siim! O incomparavelmente polêmico Pirula estará em Curitiba no dia 24 de setembro no teatro Bom Jesus, no formato TED Talk. Pirula em A Ciência Só Está Certa Quando Concorda Comigo. Ele vai atacar uma das maiores hipocrisias da sociedade, pessoas que negam conhecimento científico quando isso não é do seu interesse, ou vai contra as suas convicções pessoais, porém usam essa mesma ciência como argumento definitivo quando estão tentando provar uma opinião própria. Bora lá, inscrevam-se no link que vai tá na pauta.

[ sobe a música]

Pra te receber…
[termina a música, sobe um outra e vai diminuindo conforme a Ju começa a falar ]

Ju: E vamo pro Fala Que Eu Discuto. Teve muuuito comentário da semana passada. A gente vai escolher só três, porque esse programa já tá longo. Começa lá, Fe.

Fe Duarte: Jorge Luiz Freire escreveu:“Me chamo Jorge Luiz Freire, tenho 21 anos, sou de Fortaleza, Ceará, e atualmente moro e faço faculdade de Odontologia em Patos, Paraíba. Após ouvir o episódio 46 (BNDES, Papinhas e Amizade) eu fiquei muito interessado sobre a questão do estudo dos malefícios que a alimentação à base das papinhas industrializadas podem trazer para a saúde bucal das crianças. Graças a esse interesse, eu fui atrás de uma professora de Odontopediatria com várias ideias na cabeça e transformamos algumas delas em um projeto de pesquisa da faculdade, no qual eu estou cada vez mais engajado e apaixonado. Hoje recebi a notícia de que o primeiro filho daquele episódio 46 vai nascer pra mim em novembro: um artigo de minha autoria foi aceito no Congresso Internacional de Odontologia da Bahia. Graças a vocês eu me interessei pela área da pesquisa, elaborei o meu primeiro artigo e agora vou fazer a minha primeira apresentação em um congresso. Muito obrigado de coração, continuem fazendo esse trabalho lindo que vocês fazem com o Mamilos, vocês não sabem o quanto vocês são importantes pra mim, um grande cheiro!” Pô!

Ju: É mole? Eu nunca escrevi um artigo, e já tem gente escrevendo artigo inspirado por mim! [ risos ]

Fe Duarte: Caaara. Que mensagem linda essa, hein. Valeu, Jorge!

Ju: O Lucas Bolzani também escreveu pra gente falando que produziu uma pesquisa baseada no Mamilos episódio 10, da boa morte, e diz que talvez esse artigo inclusive libere ele de fazer TCC no final do curso. O Mamilos é um adianto de vida acadêmico! [ risos ]

Fe Duarte: Você viu só, gente! Todo mundo crescendo.

Ju: Vou ler um e-mail da Patty Peron: “Desde que o chorume das eleições de 2014 começou eu venho dando unfriend e unfollow em todo mundo com discurso racista-xenófobo-homofóbico-machista e agora minha timeline parece um maravilhoso mundo comunista-exército-vermelho-gayzista com arco-íris e unicórnios, e enquanto isso ajuda na minha sanidade – de não ter que ficar lendo que bandido bom é bandido morto – me tira da realidade do mundo. Ter uma pessoa com opiniões tão contrárias é importante, porque primeiro nós precisamos saber o que, entre aspas, eles pensam, e segundo que nesses tempos de polaridade tão grande eu acho legal exercitar minha tolerância com o amiguinho. O mundo tá super intolerante, eu reclamo disso sempre, mas o que eu sou se eu não deixo o outro falar? (por mais que eu discorde de absolutamente tudo).” A Patty tá fazendo um comentário sobre a participação do Joel, que causou muuuita polêmica e frenesi.

(Bloco 11) 1:41’00” – 1:47’59”

Fe Duarte: O Matheus de Campos escreveu assim: “ Quando vocês convidam o Joel acontece um problema recorrente, aconteceu por exemplo no programa de Meritocracia e aconteceu neste programa, é que toda a mesa tem de certa forma um viés de esquerda (não estou dizendo que todos ali eram esquerdistas, comunistas, etc. Entenda-se lá o que estou querendo dizer) e ele é o único que está ali defendendo aquela ideia contrária. Isso me gera a percepção de quase um sufocamento em cima dele. Eu sei porque já aconteceu de eu ser o esquerda solitário no almoço da família tentando argumentar do porquê estavam sendo injustos com o governo petista. Não importa quão bem preparada uma pessoa seja, é muito difícil estar entre pessoas que pensam diferente e conseguir se manter firme na argumentação e na retórica. No programa OBVIAMENTE não aconteceu de ninguém alterar a voz ou faltar com respeito com o Joel, não é disso que se trata, mas eu percebi que em alguns momentos ele foi pressionado e não conseguiu expressar 100% suas opiniões. A sugestão aqui é óbvia. Quando forem trazer alguém mais de direita para fazer o contraponto, pois sim, o programa de vocês não é imparcial e na minha opinião nem deveria ser, tragam ao menos duas pessoas para defendê-lo.”

Ju: Eu quis ler esses e-mails porque a gente recebeu uma série de comentários falando do quanto a visão do Joel incomodou as pessoas, né. E eu acho interessante, assim, eu não tenho nada contra fazerem contraponto, o Mamilos tá aqui pra isso, pra que a gente faça contrapontos, inclusive eu fiz vários contrapontos durante o programa, mas que ele irrite a ponto de você não querer ouvir, tem um problema seríssimo, porque o Joel, ele tem duas coisas, ele é muito inteligente e ele é muito educado, muito ponderado, é uma pessoa muito fácil de conversar, muito gostosa de conversar. Se você tá com dificuldade de ouvir o Joel, você tem um problema, não é o Joel que tem um problema, deixa eu avisar. Então eu achei interessante colocar esse contraponto de algumas pessoas, aí foi uma minoria mesmo, mas algumas pessoas que justamente por empatizarem com a visão dele, por acharem que ele tava tentando trazer uma coisa que não tava na mesa, que a gente tava todo mundo concordando com a mesma coisa e ele tava tentando trazer uma outra visão, sentiram justamente o oposto disso, assim uma sensação de sufoco de que assim, gente, ele não conseguia falar que vocês tavam interrompendo ele o tempo inteiro. Então assim, eu fiz uma lição de casa, eu saí da conversa pensando, putz, o quê que eu não ouvi? Por quê que eu fiquei tão preocupada em falar que eu não escutei do Joel? Aí eu fiquei pensando, conversei com a Cris no dia seguinte, mandei mensagem pra ela e pro Joel falando assim: Poxa, eu fiquei pensando sobre a responsabilidade que a gente tem quando a gente quebra o pacto social de resolver as coisas sem violência e parte pra violência, por mais que não se equipare, não existe equiparação possível, entre violência de Estado e violência de indivíduo, que não seja a mesma coisa violência contra pessoas e depredação de patrimônio, é outro nível de coisa que a gente tá falando. Ainda assim acho que a gente pra construir um ponto de partida comum, acho que é importante você falar da responsabilidade que você tem quando você sai de uma conversa pra partir prum ato agressivo,né. Então mesmo que você não fale de violência, você tá falando de agressivo. E aí eu fiquei pensando, lembrando daquele filme, que eu já falei pra vocês das Sufragistas, que me fez pensar muito sobre métodos violentos de protesto, né. Porque eu fiquei pensando assim, quando você não é escutado, paulatinamente, quando você tenta falar por vários canais de várias maneiras e você não é escutado e você é silenciado e você é ignorado, você enxerga como única alternativa você mudar a tática e fazer uma comunicação mais violenta, e aí isso me levou de volta pro episódio de Síria, que eu fiquei pensando assim, se quando você tenta conversar você não é escutado e você parte pra uma agressão você dá início à espiral de violência, e a espiral de violência pode te levar prum lugar muuuito pior que o ponto inicial. Então vale a pena? E existe alternativa? Foi isso que eu fiquei pensando, então enfim, não que isso seja interessante pra vocês, especificamente, em função da ideia, mas mais pela questão da postura. Quando alguém me incomoda, quando alguém não tá reverberando as minhas ideias, é um momento de eu baixar a guarda e pensar: ‘O quê que ele tá vendo que eu não vi? O que eu posso aprender da postura dele? Como posso enriquecer minha visão a partir do que ele tá falando?’ E não simplesmente descartar tudo o que ele tá falando, porque essa pessoa me irrita.

Fê Duarte: Provavelmente é assim que a gente vai crescer enquanto sociedade, enquanto ser humano, enquanto tudo. A Samanta Miranda escreveu: “Sobre o episódio 81, eu juro que tive que ir para a casa da minha mãe, reunir a minha família (vó, tia e mãe), explicar o que é um podcast e passar toda a parte de antibióticos. Sempre tive conhecimento sobre os problemas do mau uso de medicação, porém por ser “de casa”, nunca consegui passar claramente minha opinião. Nada como uma “carteirada” para ajudar (rs).” Muito boa, Samanta! [risos] Vamos recomendar que todos os mamileiros façam isso também.

Ju: Então é isso Fê? Temos um programa?

Fê Duarte: Temos um programa!

Ju: Desfalcado, sem a nossa rainha-mor, sem o melhor sotaque mineiro da internet.

Fê Duarte: [ com o sotaque mineiro da Cris ] Vamo deixá aqui um cadinho só, um beijinho pra nossa querida Cris Bartis.

Ju: Gente, a Cris queria demais tá aqui, ela fez de tudo pra tá aqui, ela realmente foi impossibilitada por forças MUITO alheias à vontade dela, mande o carinho de vocês pra Cris.

Fe Duarte: Beijo pessoal!

Ju: Beeijo e até a próxima!

[ sobe a música]
‘Espero que isso faça bem pra você, cuidado
-Não mando recado.
Difícil, se tudo é difícil
-Não vou ficar calado
Não mando recado, humildade em alto pra você não ser enquadrado.’

[pára a música.]

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