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Eu, Produto

Eu posso ser o produto mas sou mais caro que um punhado de likes

por Daniel Sollero

Aquela clássica frase de “Se você não sabe o que é o produto, o produto é você” sempre me pareceu uma excelente frase de efeito. Usada a exaustão alguns anos atrás, ela realmente consolidou para mim no final do ano.

Encontrei com uma grande amiga e estávamos, como sempre, trocando bandas, “já ouviu isso? e isso?”. Sempre comparamos os resultados daqueles testes de perfil musical que volta e meia aparecem por aí e sempre rimos um monte. Enfim, ela resolveu me mostrar o resultado da “Máquina do Tempo” do Spotify e quando fui comparar, nós caímos no mesmo cluster. Para o Spotify, o fato de sermos do Rio, gostarmos de Rock, termos a mesma idade é suficiente para cairmos na mesma categoria e termos a mesma playlist. E quando falo a mesma playlist, quero dizer exatamente isso. Mesmas bandas. Mesmas músicas. E isso foi frustrante.

Comecei a questionar todas as outras sugestões feitas “especialmente para mim” por algoritmos. Eu não era mais eu. Eu era apenas mais um. Claro, isso deveria ser o nosso modus operandi padrão mas todo mundo se acha único. E notar que não somos exatamente isso é frustrante. Pronto. Agora que o mi-mi-mi de não sou único passou, chego ao próximo passo do raciocínio e de mi-mi-mi.

Agora que estamos vendo mais anúncios que nunca em redes sociais e que todo mundo com meia aspiração a creator/web-celeb/vlogger/fotografo/etc também pode anunciar seus canais, esses clusters que nos colocam ficam cada vez mais aparentes e incomodam cada vez mais. Ou você acha que os anúncios que aparecem a cada 4 fotos no Instagram são realmente apenas para você?

Nós, agora mais do que nunca, somos o produto da maior parte das redes sociais. Todos os anúncios que nos empurram goela abaixo para podermos “nos conectar com nossos amigos” tem um preço. E esse é o preço: ser target para anúncios de quem quer que seja e tenha dinheiro para isso. Você já clicou no “porque estou vendo esse anúncio?” no Facebook? Ali tem umas dicas de segmentação. Pessoas que moram em São Paulo. Pessoas que curtem tecnologia. Pessoas de 18 anos ou mais que moram ou estiveram recentemente no Brasil. Ou seja, dependendo da (in)experiência do anunciante ou das segmentações permitidas pelas plataformas, você SEMPRE vai receber anúncios nada relevantes.

E aí entramos no segundo mi-mi-mi. Quando você diz que esse anúncio não é relevante, você também está alimentando a máquina com mais dados que vão fazer com que você continue como produto. Os sites que você visita com seus pixels e cookies que transformam os seus hábitos online em mais informações para fazer um ajuste fino ainda maior de quem você é e de que assuntos você pode receber anúncios com alguma relevância (mesmo que isso não funcione na prática).

Outro dia, o Cris Dias postou uma pergunta super adequada:

Quando foi a última vez que você recebeu um email de uma pessoa no seu email pessoal?”

A pergunta não era exatamente assim mas tinha esse sentido. Hoje, no nosso email pessoal, nós só recebemos newsletters, ofertas de produtos que compramos, ofertas de produtos que pensamos em comprar, notificações de alguma rede social e Spam. Mas se pararmos para pensar, boa parte disso quase se qualifica como Spam. Nós não recebemos mais emails de pessoas. Apenas de empresas. No trabalho a coisa é diferente porque efetivamente nós precisamos trocar mensagens com pessoas para que os projetos andem.

Claro, não precisa ser por email mas a maior parte das pessoas ainda usa email.

Aí você para e pensa que na internet (como na vida real), você é interrompido na maior parte das vezes por marcas. A internet se tornou o mundo real. A Lei Cidade Limpa (que em São Paulo tirou os Outdoors das ruas) na internet seria o que? Um Ad-blocker? Talvez. Mas a única coisa que me incomoda nessa história toda é que a gente já está vendo isso como comum. Como parte do jogo. Como sempre foi assim. Mas não. Nem sempre foi assim. Sempre lidamos com propaganda. É exatamente o que houve com a TV a Cabo. No começo era vendida como você paga, tem mais opções de canais, a imagem é melhor e não tem propaganda. Bem, sabemos que isso não é bem verdade atualmente. Mesmo quando não tem publicidade, tem calhau. Muito calhau.

Agora, se consideramos o “Cumbucagate”, ainda há o que falamos também sendo monitorado. E todos nós temos um exemplo estranho sobre esse assunto. Sendo verdade ou não que o áudio é usado para segmentação de anúncios, é estranho.

Então chego à conclusão de que não temos para onde fugir, que se quisermos viver em sociedade, temos que aceitar esse tipo de coisa. Muita gente tenta minimizar isso mas é tanta coisa que fica complicado usar o DuckDuckGo, o plugin KillTheNewsFeed, adblock, Telegram e ignorar principais players de mercado ou hábitos comuns.

A ideia das redes sociais sempre foi conectar as pessoas com um interesse comum. Mas o que vejo hoje é que essa função está cada vez mais distante. Claro que temos grupos no Facebook, WhatsApp, Telegram que mantém essa característica de redes sociais viva mas se para ver as coisas que meus amigos publicam, eu tenho que ver anúncios de pseudo-creator/web-celeb/vlogger/fotografo/etc ou algumas recomendações esdrúxulas feitas por algoritmos programados para nos filtrar cada vez mais, talvez essa conta esteja alta demais. Eu posso ser o produto mas sou mais caro que um punhado de likes.

Não. Eu não vou sair das redes sociais. Esse não é um textão que acaba desse jeito. Ainda gosto de interagir com meus amigos. Ainda gosto de ver os filhos dos meus amigos aprendendo a andar de bicicleta. Mas pelo amor de deus, não me pergunte se eu vi aquela foto que você postou. Mesmo que eu ainda acompanhasse o newsfeed desse jeito, as vezes o algoritmo simplesmente acha que eu não devo ver isso. Mas não é você(ou eu, nesse caso), é o algoritmo.

Esse é apenas um textão sobre quando percebi que eu, efetivamente, me tornei um produto para as plataformas de redes sociais. E o pior é exatamente isso. Eu (assim como todos vocês) não me tornei O produto. Eu me tornei mais um produto. E isso doeu. E nesse mercado, não há a volatilidade das criptomoedas de que as vezes você ganha e as vezes você perde. Há apenas uma equação:a cada interação você vale mais para as plataformas de redes sociais.

E aquela regra fundamental que funciona tanto para cassinos quanto para bancos se mantém também na internet: A casa nunca perde.

/Photo by Kaique Rocha from Pexels

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