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Em busca de correções na história, “Maria Madalena” prega para convertidos

Filme dirigido por Garth Davis procura despir sua protagonista das interpretações equivocadas que tem na Bíblia, mas não se desvencilha das narrativas tradicionais

por Pedro Strazza

Existe um quê de reformulação calculada bem evidente na premissa de “Maria Madalena”, filme que reconta a história de Jesus Cristo pela perspectiva de sua principal discípula do sexo feminino. Por um lado, a produção comandada por Garth Davis se propõe a trazer um novo olhar sob a personagem, tirando-a de seu enquadramento tradicional como prostituta redimida aos olhos do filho de Deus para passar a encará-la como a seguidora de valor idêntico a qualquer um de seus apóstolos que ela era. Por outro, é inegável que esta abordagem também tenha origem no soerguimento das questões de gênero como tema central da sociedade, de um esforço (muito admirável) de tentar purgar os machismos cotidianos dos mecanismos e imaginário sociais.

São estes dois traços característicos que hão de se manifestar com força e que mais tarde irão colidir entre si no longa, que a princípio segue a cartilha contemporânea de refazer os contos bíblicos na telona sob nova e moderna roupagem. Entre tentar emular o misticismo do passado e realizar o retrato realista – as duas maiores correntes do gênero nos dias de hoje, exemplificadas em obras como “Noé” e “Últimos Dias no Deserto” – Davis e suas roteiristas Helen Edmundson e Philippa Goslett preferem o último, abraçando o cenário árido do Sul italiano para reproduzir as condições do cenário habitados por seus personagens nos anos de Cristo.

Esta decisão acarreta, claro, numa narrativa pautada pelo lado sensorial, onde a fotografia de Greig Frasier usa várias vezes da paisagem quase desértica para contrastá-la a planos próximos dos rostos do elenco em diferentes condições. É uma metodologia que busca uma aproximação do público com a obra e suas peças pelo tátil, afastando da produção os valores de um épico aos moldes tradicionais e colocando-a em um cenário realístico.

Este contraste entre paisagem e plano detalhe já havia sido experimentado antes por Davis e Frasier em “Lion – Uma Jornada Para Casa” (estreia do diretor na posição), mas se lá esta dinâmica era usada para refletir a jornada do protagonista pela mãe, em câmeras aéreas voltadas ao chão que se intercalavam com uma narrativa mais próxima do melodrama, o que está em jogo desta vez é traduzir as provações de Maria (Rooney Mara) ao espectador, seja dentro de sua família – que deseja que ela se case e cumpra suas tarefas “enquanto mulher” – ou depois com Jesus (Joaquin Phoenix), onde ela enfrenta alguma resistência por parte dos apóstolos liderados por Pedro (Chiwetel Ejiofor).

Dado este cenário, fica claro que o objetivo maior de “Maria Madalena” aqui é o da desmistificação de sua personagem, convertido posteriormente em uma retomada de valores que é simbólica tanto aos meandros da Bíblia quanto aos tempos atuais. Interpretada ao longo do tempo como prostituta salva pelas mãos de Cristo, a protagonista no filme é colocada de volta em sua posição mais sacra, contemplada ao seu modo como uma figura de resistência de seus tempos e muito mais presente nos eventos que cercam a passagem de Jesus e as discussões sobre os reais significados de sua salvação. Maria é tornada numa espécie de “santa” das causas femininas pela ousadia que tem de aprender ofícios masculinos (como a leitura dos escritos religiosos) e a realização de tarefas como ajudar grávidas a parirem seus filhos ou batizar mulheres, que tem muito medo dos homens a ponto de não conseguirem se submeter ao ritual conduzido por eles. Isso sem contar a visão mais íntima (em teoria oriunda da “perspectiva feminina”) sobre o “reino dos céus” pregado por seu salvador, um ponto crucial ao diretor e sua produção.

Fica claro que o objetivo maior de “Maria Madalena” aqui é o da desmistificação de sua personagem

É um esforço de ressignificação de figuras que tem lá seu valor como atualização e justiçamento, mas conforme o longa progride fica evidente a sensação de que Davis e sua equipe estão apenas “pregando para convertidos” ao invés de realmente expandindo a discussão sobre religiosidade e fé. Se Maria começa como dona da própria história, a narrativa aos poucos abandona o olhar sobre a protagonista para passar a enxergar a história de Cristo pela perspectiva dela, tomando-a como testemunha mais fiel dos fatos por ter sido a discípula que acompanhou Jesus em sua crucificação até o final e que o viu pela primeira vez após a ressurreição.

O movimento em teoria é feito para criar familiaridade com a narrativa mais tradicional e familiar ao espectador, mas ele ao mesmo tempo racha em dois a tentativa de conciliação que o longa empreende entre a religião que prega e o público ao qual conta sua história. Da mesma forma que Maria é relegada ao segundo plano, o filme também é forçado a testemunhar fatos já consumados por uma perspectiva clichê, entregue a filmagem de eventos exaustivamente explorados em tantas outras produções por um viés não muito inédito – o olhar de personagens secundários sobre os acontecimentos bíblicos é uma noção tão antiga no cinema quanto o “Ben-Hur” de William Wyler.

Da mesma forma que relega Maria ao 2° plano, o filme acaba testemunhando fatos por uma perspectiva clichê

Resta a “Maria Madalena” então a tarefa ingrata de construir dramas que acontecem fora do contexto bíblico enquanto simultaneamente “não ousa demais” com os escritos sagrados. O filme de Davis ensaia arriscar mais nas bordas ao inverter uma ou outra relação – no caso os apóstolos Pedro e Judas (Tahar Rahim), o primeiro tratado como uma origem das más interpretações religiosas e o segundo inocentado em parte de seu crime por ter a ingenuidade de alguém que acreditava numa salvação material – mas no seu centro ele não se diferencia dos clichês de outros produtos bíblicos bancados por estúdios, chegando às mesmas conclusões de sempre sobre o reino dos céus e o pecado humano. Mesmo no direcionamento das atuações isto fica exposto, a exemplo do Jesus de Phoenix que é formado na habitual figura de atração simpática genuína e que se perturba com uma capitalização da fé, um gesto manjado e só ressaltado na cena em que o ator enfim sai de sua postura zen para se revoltar… com a existência de um mercado no templo de Deus.

O único trunfo maior que o diretor poderia ter em mãos nestas horas para sair da rotina seria sua protagonista, mas até nisto o excesso de calculismo parece interferir. Embora Mara saiba muito bem como adequar o seu papel de Maria ao tipo de performance que lhe é atribuída – isto é, uma atuação criada na interiorização e no olhar apreensivo – a protagonista não poderia estar mais submetida às narrativas engessadas de produções bíblicas clássicas, restrita e condenada de novo a observar Jesus enquanto ele se prepara para carregar os pecados da humanidade nas costas. Sua única jornada possível aqui é a de “se preparar para perdê-lo”, como bem anuncia o filme em determinado momento.

nota do crítico

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