Mostra São Paulo: “Guerra Fria” pinta retrato curioso, mas limitado da Polônia da ocupação soviética • B9
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Mostra São Paulo: “Guerra Fria” pinta retrato curioso, mas limitado da Polônia da ocupação soviética

Aposta da Amazon no Oscar, novo filme de Pawel Pawlikowski confunde esvaziamento identitário com vazio narrativo para tratar de romance de décadas entre casal de poloneses desiludidos

por Pedro Strazza

Quando lançou “Ida” no distante ano de 2013, Pawel Pawlikowski talvez não imaginasse o efeito estrondoso que o filme faria à sua carreira. De um desconhecido diretor com passado em documentários para a televisão e um suspense estrelado por Ethan Hawke, o cineasta polonês alcançou os holofotes de Hollywood e do mundo com a história de uma noviça que é obrigada a revisitar o seu passado antes de se tornar freira, vencendo premiações importantes como o Oscar e o BAFTA no meio do caminho.

É uma mudança de status muito bruta e que em parte ajuda a explicar os resultados obtidos agora pelo diretor em “Guerra Fria”, seu primeiro projeto após o reconhecimento dentro dos círculos mais populares do cenário cinematográfico e uma obra que parece já vir muito preparada para percorrer um percurso distinto dentro do circuito anual de festivais e premiações, seja por sua vitória do prêmio de direção no último Festival de Cannes ou pelo fato de ter sido escolhida pela Amazon

(e a Polônia, que o elegeu representante nacional na corrida pela estatueta de Filme Estrangeiro) como principal aposta para uma indicação ao próximo Oscar. Inspirando-se livremente na trajetória dos pais do cineasta, o longa refaz aqui muitas das características que consagraram Pawlikowski em seu filme anterior, mas agora com um tom um pouco mais palatável para alcançar um público maior e variado.

O diretor Pawel Pawlikowski no set

A história, no caso, é sobre um romance entre a cantora Zula (Joanna Kulig) e o maestro Wiktor (Tomasz Kot), que se conhecem e se apaixonam durante a organização de uma grande apresentação de músicas e danças tradicionais polonesas autorizadas pelo governo soviético nos anos 40. É a partir deste encontro no processo de seleção dos dançarinos e cantores que os dois passam a viver nas próximas duas décadas um relacionamento marcado por afastamentos e aproximações gerados em parte pela relação conturbada que cada um possui com o regime stalinista: quando um deles se desencanta com o atual estado das coisas, o outro não o acompanha, e é justo este descompasso que interessa ao filme.

Até por conta das semelhanças estéticas, a proposta de “Guerra Fria” não deixa de servir de continuidade a alguns dos temas de “Ida”, que também trabalhava com esta crise identitária por trás dos anos de ocupação da Polônia pelo estado soviético. Enquanto repete junto do diretor de fotografia Lukasz Zal os planos de maior teto de seu filme anterior, Pawlikowski também busca emular de novo esta sensação de esvaziamento de seus personagens, oriunda da ausência de unidade nacional durante estes anos de domínio. O que muda mesmo é o meio por onde este sentimento de incompletude vai ser construído, com a fé católica da obra anterior sendo substituída pelo cenário musical e os cantos poloneses executados pelo grupo e deturpados progressivamente pelo governo autoritário.

A proposta de “Guerra Fria” não deixa de servir de continuidade a alguns dos temas de “Ida”

São os números musicais escritos por Wiktor e interpretados por Zula, vale acrescentar, que proporcionam os melhores momentos da produção, pois são à partir deles que o diretor consegue expressar melhor e com alguma potência este desgosto subjacente dos protagonistas. Se as apresentações organizadas pelo maestro e executadas pela cantora a princípio mostram serem dotadas de algum sentimento identitário mais forte, ao longo do filme elas vão sendo esvaziadas propositalmente desta força emocional pelo diretor para refletir este grau de deturpação conferida pelos órgãos de censura e o próprio deslocamento emocional dos dois personagens quando estão longe de sua terra natal – toda a sequência do exílio de Zula em Paris, dentro disso, traz esta segunda condição à tona com um pouco mais de intensidade, até pelo peso moral do desfecho da passagem.

Não é porque segue caminhos temáticos similares ao de “Ida” que “Guerra Fria” necessariamente alcance o mesmo status, porém; a bem da verdade, os resultados obtidos por Pawlikowski aqui não poderiam estar mais próximos de um pastiche de seu trabalho anterior, diluídos a uma experiência “mastigada” a grandes audiências e que nunca chega às mesmas particularidades. Cada passo da jornada de seus protagonistas é imbuído de um mesmo tom genérico de lamentações que, dentro da estrutura “bate e volta” da narrativa, parece estar repetida à exaustão pelo filme. É uma sensação que se anuncia à partir do momento no qual o espectador compreende os principais pontos da proposta do longa, um exercício não muito complexo de ser resolvido dado a simplicidade cíclica do comentário sobre o perfil deslocado dos personagens nos múltiplos cenários.

Cada passo dado pelos protagonistas é imbuído de um mesmo tom de lamentações que é repetido à exaustão

Esta tendência da produção a ficar fazendo círculos narrativos não seria algo tão problemático a princípio por conta das condições históricas que ele busca se envolver, mas este procedimento acaba exposto pelas próprias abreviações conferidas por Pawlikowski na montagem. Apesar de bem vinda, a duração reduzida (o longa tem pouco mais de 80 minutos) força o diretor a recorrer com mais urgência a elipses para focar nos momentos centrais da história e sublimar da trama os intervalos de respiro entre os acontecimentos, uma decisão que na teoria parece ideal para resolver problemas de arrasto, mas na prática revela um reducionismo nocivo a quaisquer estruturas emocionais perseguidas pela obra. É como assistir um épico hollywoodiano de mais de três horas de filme com o fast forward ligado, com situações de menor dramaticidade excluídas, restos de cenas de impacto espalhados por todo lado e perdendo-se uma conexão importante com os personagens, seus desenvolvimentos e, logo, todos os temas que circundam suas trajetórias.

Não chega a ser uma surpresa, então, que o desfecho de “Guerra Fria” soe (com o perdão do trocadilho) tão frio em seus propósitos, mesmo estes sendo o de escancarar um sentimento de desilusão dos protagonistas perante à ausência de uma terra natal para chamar de sua. Embora mire a análise do esvaziamento identitário de uma sociedade enquanto nação, o longa de Pawlikowski paradoxalmente acaba atingindo um vazio de temas dentro do próprio fluxo narrativo, uma ação cujas contradições – ainda que carreguem nos ruídos sua cota de pontos de interesse – só impõe à produção um limite criativo bastante claro.

nota do crítico

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