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“Moonlight” é um impressionante e inovador estudo de personagem

Acompanhando a relação do protagonista com sua identidade em três momentos da vida, filme constrói poderoso retrato sobre sexualidade, racismo e exclusão social

por Virgílio Souza

Em uma das cenas mais especiais de “Moonlight: Sob a Luz do Luar”, Chiron e Kevin conversam sentados na areia da praia. Falam sobre as raras ocasiões em que a brisa que ali sopra constante chega até Liberty City, o bairro de maioria negra onde vivem, e faz com que os moradores parem suas vidas apenas para apreciá-la. Tudo fica tão silencioso que é possível ouvir o próprio coração bater, diz um deles. É tão bom que faz você querer chorar, o outro responde. Eles são seres diferentes e, embora se expressem de maneiras diferentes, fazem referência ao mesmo fenômeno. As coisas se transformam e seus sentimentos ganham corpo quando descobrem esse ponto em comum, mesmo que o encontro dure um instante ou carregue mais peso do que seus ombros ainda jovens podem suportar.

Momentos como esse existem aos montes no mais recente filme de Barry Jenkins (de “Medicine for Melancholy”). Algumas vezes as palavras parecem faltar, em outras soam insuficientes — como se tentassem, mas não dessem conta das emoções. A câmera acompanha com atenção o que cada um dos personagens tem a dizer e a forma como reagem um ao outro, mas o que pontua os finais das frases são seus olhares, que a direção enfatiza ao prolongar os planos nos rostos dos atores até que seja impossível reparar em outra coisa.

Barry Jenkins dirige os garotos Alex R. Hibbert e Jaden Piner

O que chama mais atenção na estrutura do longa é a divisão em três capítulos que acompanham a infância, a adolescência e a vida adulta do protagonista, muito em função da rigidez dos cortes entre os segmentos e do uso de atores de aparência bastante distinta, o que reforça esse abismo. São as decisões tomadas ao encarar as cenas individualmente e a partir delas construir um mosaico de situações, no entanto, que garantem que seu impacto no espectador seja tão duradouro quanto na vida do rapaz. Em ampla medida, o que suporta o longa é a força desses pequenos momentos, a maneira como seus reflexos se espalham por uma narrativa igualmente fragmentada.

Trabalhando a partir da obra autobiográfica nunca publicada de Tarell Alvin McCraney (“In Moonlight Black Boys Look Blue”, um híbrido de peça de teatro e roteiro de cinema), Jenkins organiza tudo em torno de acontecimentos definidores no amadurecimento de Chiron. Seu texto combina duas características básicas: os traços específicos da cultura local, como determinadas conjugações de verbos e expressões que surgem aqui e ali, e aspirações poéticas bem claras, sobretudo nas imagens que tenta evocar também por meio dos diálogos. A junção desses elementos constrói um ritmo fluido, uma atmosfera ao mesmo tempo essencialmente urbana e aparentemente deslocada da realidade.

Ao encarar as cenas individualmente para construir um mosaico de situações, “Moonlight” garante que o impacto no espectador seja tão duradouro quanto na vida do protagonista

O estilo se faz presente de maneira firme no roteiro, carregado de trechos descritivos e interessados no aspecto psicológico dos personagens. Ao desenvolver a cena da praia citada anteriormente, o cineasta deixa explícito: quando os garotos se olham e se tocam, é preciso que o façam “com sentimento”. “Essas são águas nunca navegadas para eles, a culminação de convites que eles têm enviado desde que se conheceram”, é como descreve, de maneira pouco usual, o desfecho desse momento. Tamanha preocupação com aspectos íntimos da personalidade de suas criaturas desde o princípio do processo transparece quando o material chega à tela, fazendo transbordar emoções que soam autênticas mesmo partindo de vozes que não a dos autores.

A lógica faz sentido ainda quando se pensa na relação de Jenkins com o elenco. Talvez o exemplo mais claro seja o de Mahershala Ali, intérprete do traficante Juan, que acolhe Chiron no início do longa. A abordagem naturalista de sua atuação, comum no trabalho de direção de atores de Jenkins, evita formar caricaturas involuntárias e nos insere naqueles espaços. Mais importante do que isso: ele é tão potente em cena, sua presença tão marcante, que nos sentimos órfãos feito o garoto quando ele vai embora. Teresa (Janelle Monáe) oferece o conforto negado pela mãe, Paula (Naomie Harris), mas a figura paterna torna a se ausentar, e o protagonista precisa encontrar sua identidade por conta própria — é fascinante acompanhar a transformação do menino franzino na única imagem de masculinidade conhecida por ele, provavelmente o aspecto do filme mais próximo de uma ideia cíclica.

É fascinante acompanhar a transformação do menino franzino na única imagem de masculinidade conhecida por ele

A beleza do universo em que o rapaz vive — suas cores saturadas, os corpos valorizados pela luz do sol — contrasta com o modo como ele é tratado. A trilha sonora de Nicholas Brittel, “fatiada e distorcida”, segue uma lógica parecida e busca a desorientação. A relação de Chiron com o mundo externo só acaba pautada pela harmonia em circunstâncias extraordinárias. A serenidade toma conta de seu olhar quando, ainda criança, ele é tomado no colo pelo novo amigo, ou quando encontra conforto nos braços de sua primeira paixão. A turbulência que existe dentro dele nunca vai embora, porém.

Autores de gabarito já exploraram dinâmicas parecidas. No imaginário de “Moonlight”, são comuns referências visuais como os diretores de fotografia Darius Khondji e Christopher Doyle — esse último, sobretudo na parceria com Wong Kar-Wai, que rendeu “Felizes Juntos”, premiado no Festival de Cannes vinte anos atrás que lida com temáticas semelhantes e que tem uma versão de Caetano Veloso em comum com o título de Jenkins. É importante notar esses elementos do trabalho do diretor para compreender os limites conscientes de sua proposta. Muitas comparações permanecem na superfície, fixadas nas semelhanças mais gritantes entre as obras, sem se preocupar em identificar que o interesse central comum são os indivíduos e suas identidades sufocadas pelo ambiente ao redor.

O que se vê aqui é um estudo de personagem. Mesmo que seu retrato sobre a marginalização da juventude negra e homossexual seja inovador, potente e alcance voos mais altos, se destacando do miolo da trama, o objeto do olhar jamais deixa de ser esse jovem negro homossexual, a formação de sua individualidade. Assim, o sucesso dessa empreitada reside em não utilizar o que há de mais íntimo apenas como etapa intermediária, necessária para chegar a uma espécie de verdade universal. As duas coisas se relacionam mutuamente, uma alimentando a outra. Se o título do filme diz respeito ao brilho dos homens negros sob o luar, o barulho das ondas que surge a cada transição nos lembra de que o que importa, acima de tudo, é como a variação das marés embala a evolução de Chiron — de Little a Black.

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