- Criatividade 16.set.2025
20 anos de Balls: como a Sony encheu São Francisco de bolinhas e fez história na publicidade
Do craft ao viral espontâneo, o comercial que redefiniu a Sony Bravia ainda provoca debates duas décadas depois
Enquanto o mundo descobria o YouTube e a publicidade se entusiasmava com hotsites e banners em Flash, a Sony decidiu lançar sua nova linha de TVs Bravia com uma proposta ousada: mostrar a pureza das cores sem tecniquês chato e de um jeito que ninguém esqueceria. A resposta foi um espetáculo tão simples quanto radical: 250 mil bolinhas coloridas descendo as ladeiras de São Francisco.
O comercial, batizado de Balls, transformou a assiantura “Colour like no other” (cores como nenhuma outra) em imagem pura. Em vez de despejar números e siglas marketeiras, a Sony entregou poesia visual. O filme rapidamente se tornou símbolo de craft publicitário e viralizou quando a era das redes sociais ainda engatinhava. Ganhou manchetes na imprensa mainstream, foi dissecado em blogs de tecnologia e se consolidou como um dos comerciais mais icônicos do século 21.
Em 2020, ganhou nova vida com um remaster em 4K feito pelo colorista Mat Van Rhoon, a partir de um disco de demonstração que a Sony havia distribuído para lojas na época. O resultado mostra que a força visual continua intacta — mesmo duas décadas depois. Antes de continuarmos, vale rever:
Um comercial analógico na virada digital
250 mil bolinhas quicando a mais de 100 km/h pelas ladeiras de São Francisco
O ano de 2005 era de transição. Como talvez tenha sido todos os outros dali em diante. Mas isso é assunto pra depois. Fato é que a comunicação flertava com virais digitais e campanhas interativas em Flash. Ganhar site do dia no The FWA era a coqueluche da web e o recém-nascido YouTube não aceitava vídeos com mais de 100MB e só exibia 240p (!) de resolução.
O Burger King tinha lançado o Subservient Chicken um ano antes, a Dove se preparava para estrear Evolution, e Cannes Lions ainda testava as bases e critérios do recente Titanium Lion, criado para premiar ideias que não se encaixavam nas categorias tradicionais. Muitos decretavam a morte do comercial de 30 segundos — “a TV está com os dias contados”, como se dizia nas palestras e painéis da época.
Dentro da própria Sony, o clima também era de pressão. A divisão de eletrônicos sofria com a ascensão meteórica do iPod e precisava de um golpe de imagem para mostrar vitalidade. Foi nesse cenário que David Patton, recém-saído da bem-sucedida área de PlayStation, convocou a agência Fallon, de Londres, e o jovem criativo argentino Juan Cabral. A ambição era reposicionar a Sony como marca de entretenimento, não apenas de hardware.
Em vez de entrar na corrida digital, a Fallon apostou no óbvio que já parecia obsoleto: um comercial clássico de 90 segundos, filmado com realismo obsessivo, exibido na TV e desenhado para emocionar mais do que explicar. Como resumiu Cabral, em entrevista ao Marketing Week:
“A ideia era transcender a publicidade sem vergonha alguma. Balls não se comporta como um anúncio. É uma visão radical.”
O comercial estreou em novembro de 2005 no intervalo de Manchester United x Chelsea, na Sky Sports. Mas foi online que virou fenômeno. Os blogs — sim, blogs como o B9 eram a mídia queridinha — não falavam de outra coisa. BBC, CNN, NY Times, etc, todo mundo cobriu. Virou o ‘você viu o vídeo das bolinhas?’ antes do ‘você viu no TikTok?’. No ano seguinte, “Balls” foi estudado em Cannes Lions como referência de craft, mesmo sem levar o Grand Prix (ficou com Leão de Ouro na categoria Film). Virou fenômeno cultural, rendeu paródias (de frutas cítricas a tênis) e até uma lenda de que a Sony incluía uma bolinha em algumas caixas de TV Bravia.
O making of que virou parte da campanha
A decisão criativa tinha como base o mantra: nada de CGI. Nicolai Fuglsig, um ex-fotojornalista dinamarquês que havia feito carreira cobrindo guerras antes de migrar para a direção, liderou a equipe que soltou 250 mil bolinhas de verdade pelas ruas de São Francisco. A logística envolvia caminhões com canhões improvisados lançando 25 mil bolas por vez, atingindo velocidades de até 100 km/h.
O barulho foi descrito pelo diretor como “uma tempestade de granizo”. Barulho, inclusive, que projetou Fuglsig no mercado global, abrindo portas para campanhas de grandes marcas como Guinness, Adidas e Nike, até chegar a Hollywood em 2018 com o longa 12 Heróis, estrelado por Chris Hemsworth.
Segundo o engenheiro Barry Conner, que criou o sistema de lançamento, a produção precisou de cálculos de física, testes em estúdios e até adaptações de última hora para que as bolinhas não se desfizessem no impacto. Ainda assim, carros amassados, janelas estilhaçadas e fachadas danificadas deixaram uma conta de mais de US$ 74 mil em reparos, segundo relatado pelo SFGate.
O episódio virou lenda urbana. Vizinhos guardaram bolinhas como lembrança e até hoje, dizem, algumas ainda aparecem em calhas e ralos de São Francisco. A cena do sapo, uma das mais icônicas, também foi real: o animal foi mantido em um cano até que o filho do produtor de locação liberasse algumas bolinhas no momento certo para sincronizar sua fuga diante da câmera.
O making of viralizou quase tanto quanto o comercial. Para a Fallon, era ouro: mostrar o “caos organizado” reforçava a autenticidade da campanha e alimentava a internet com conteúdo quando os blogs e fóruns ainda eram o epicentro da conversa.
A trilha sonora que fez tudo rolar
Se as bolinhas eram o corpo de Balls, a música foi a alma. A versão acústica de Heartbeats, de José González, deu o tom melancólico e encantado da peça. O detalhe é que González inicialmente não queria liberar a faixa. Só mudou de ideia quando assistiu às primeiras imagens brutas da filmagem — e o casamento entre som e imagem pareceu inevitável.
A música ganhou vida própria. Foi relançada, entrou nas paradas britânicas e se tornou um hit global. Durante seus shows, González chegou a usar trechos do comercial como projeção visual. Em retrospecto, é certo que Heartbeats não só embalou o filme: ajudou a transformar Balls em ícone cultural.
Muito antes da creator economy
Em vez de tentar controlar o vazamento, a Sony decidiu abastecer a conversa
Já ficou claro que mais do que um comercial de TV, Balls foi um dos primeiros cases a explorar o potencial da internet e da recém-formada blogosfera, certo? A Fallon e a agência de mídia OMD perceberam que o público central não era o de massa, mas sim os “digital influencers” — formadores de opinião apaixonados por tecnologia e os primeiros a comentar novidades em fóruns e blogs. Note: influenciadores digitais ainda estava muito longe de ser um conceito disseminado.
Segundo case da IPA Effectiveness Awards, o turning point veio quando moradores de São Francisco começaram a postar vídeos amadores da gravação. Em vez de tentar controlar o vazamento, a Sony decidiu abastecer a conversa: lançou um site, oferecendo making of, wallpapers e trechos oficiais em formatos fáceis de compartilhar.
Essa transparência se mostrou um diferencial. Em um período marcado por fiascos de “astroturfing” — como um blog fake do McDonald’s ou a campanha Cillit Bang — a Sony apostou na autenticidade. O resultado:
- Mais de 2 milhões de visitas ao site da campanha em três meses;
- Pelo menos 7,1 milhões de views online em YouTube, Google Video, iFilm e Flickr;
- Investimento digital de apenas € 70 mil.
- O site chegou ao topo dos resultados orgânicos do Google, Yahoo e MSN;
- Tornou-se o segundo site mais referenciado sobre a marca no mundo, com blogs como Gizmodo puxando o tráfego.
O impacto na Sony
Bravia virou sinônimo de qualidade e ganhou vida própria dentro da Sony
Para a Sony, Balls foi mais do que um sucesso criativo: foi um divisor estratégico e resultado foi imediato. O comercial reposicionou a Bravia como “a TV da cor perfeita” num mercado obcecado por contraste e resolução. As vendas dispararam na Europa, e a Sony voltou a liderar em LCD. Mais importante: a linha Bravia virou sinônimo de qualidade, um ativo emocional que a marca não tinha há anos, desde a invenção do PlayStation.
Hoje, falar em cor já soa commodity, mas a estratégia de vender experiência em vez de feature ainda é uma lição relevante, apesar de frequentemente negligenciada pelas marcas.
Depois do sucesso, a Sony dobrou a aposta e investiu em sequências: com Paint (2006), em que prédios de Glasgow explodiam canhões de tinta, e Play-Doh (2007), que espalhava coelhos de massinha gigantes por Nova York.
Ambos tinham mais orçamento e pirotecnia, mas não repetiram o impacto cultural. Balls funcionou porque a ideia era universal e poética. Sem contar o timing. O resto parecia exercício de escala. Bonito, mas sem novidade. A marca tentou novamente em 2013 com uma erupção de pétalas. Mas aqui já era apenas CGI e ninguém se importou.
Duas décadas depois
Em 2005, a indústria publicitária já olhava para o CGI como o futuro inevitável. Filmes cada vez mais digitais prometiam economizar custos e eliminar riscos. A decisão de Nicolai Fuglsig e da Fallon de filmar tudo com bolinhas reais parecia, para muitos, um anacronismo caro.
Mas foi justamente essa escolha que deu a Balls seu caráter icônico e inesquecível. O público acreditou no que via. Não havia “desconfiança digital” como a que vivemos hoje: era caos físico, imprevisível e tangível. Laurence Green, da Fallon, resumiu o espírito da produção: “Vá lá e faça o maldito negócio de verdade.”
Duas décadas depois, essa decisão criativa soa ainda mais relevante. Em um cenário saturado de efeitos digitais, faux OOH, e, mais recentemente, de imagens geradas por inteligência artificial, Balls reaparece como uma lembrança poderosa de que o craft importa. Mais do que vender TVs, o filme defendia um jeito de fazer publicidade que apostava na materialidade — no risco, no acaso e na beleza do mundo real.
Na série Clássicos que Mudaram o Jogo, revisitamos campanhas que ultrapassaram a categoria “anúncio” e ajudaram a redefinir como a publicidade conversa com o mundo. São peças que marcaram época e ainda provocam debates sobre criatividade, tecnologia e cultura.

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