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“Uma Dobra no Tempo” falta em imaginação o que tem de boas intenções

Saída de filmes políticos, Ava DuVernay procura transmitir mensagem de empoderamento aos menores, mas acaba vítima das próprias dificuldades com o gênero infantil

por Pedro Strazza

Dado a leva recente de produções infanto-juvenis lançadas pela Disney, a proposta de “Uma Dobra no Tempo” chega de início como um respiro muito bem-vindo. Distante da aparente síndrome de remakes em live-action de suas tradicionais animações e das adaptações cinematográficas de atrações de seus parques realizadas pelo estúdio nos últimos tempos, a versão para as telonas do livro escrito por Madeleine L’Engle também traz como diferencial a presença de Ava DuVernay na direção, uma cineasta negra e do sexo feminino que junto de Mira Nair (que há dois anos lançou “Rainha de Katwe”) promove alguma diversidade no hall criativo majoritariamente branco e masculino das produções da empresa.

O mais interessante da presença de DuVernay na produção, porém, está menos no esforço de um estúdio em diversificar as frentes criativas de seus produtos que na possibilidade de ver uma diretora prestigiada do cenário contemporâneo embarcar pela primeira vez na fantasia. Elogiada por seus trabalhos nos oscarizados “Selma: Uma Luta Pela Igualdade” e o documentário “A 13° Emenda”, a cineasta construiu nos últimos anos uma boa reputação por conta do forte e bem desenvolvido teor político de seus trabalhos mais recentes, cuja maior força reside exatamente no sólido discurso da realizadora sobre as questões raciais nos Estados Unidos.

Este modo de operação baseado em afirmações politizadas e bem embasadas em teoria só poderia fazer bem às produções contemporâneas da Disney, que embora mantenham-se em um arco crescente de evolução na criatividade visual (com uma ou outra bola fora ocasional, como é o caso do novo “A Bela e a Fera”) carregam na contrapartida uma ausência geral de identidade individual própria, uma noção que só acentua o caráter industrial de sua confecção. De certa forma, ainda que as propostas e resultados sejam muito diferentes, DuVernay chega a “Uma Dobra no Tempo” com um propósito um tanto similar ao de Ryan Coogler com “Pantera Negra”, que também foi contratado pelo Marvel Studios sob o mesmo intuito de trazer aos longas super-heroicos da empresa um mínimo senso de particularidade social – além de, no caso de ambos os projetos, incorporar a figura do negro a estes mundos fantásticos que povoam o imaginário coletivo do mainstream.

DuVernay (ao centro) no set

Mas enquanto que para Coogler esta oportunidade se traduziu em um verdadeiro esforço de tecelagem para conciliar referências históricas dos quadrinhos do herói de Wakanda com um pastiche cultural visual do continente africano de encher os olhos, a DuVernay esta primeira incursão pelas grandes produções de Hollywood serve mais como um teste para os limites de seu cinema. Longe do teor estritamente político e histórico que alavancou sua carreira em “Selma” e “A 13° Emenda”, a diretora lida aqui com o gênero infantil do qual nunca foi muito íntima – antes dos holofotes serem atraídos à sua figura, ela arriscava em dramas adultos pequenos como “I Will Follow” e “Middle of Nowhere”. Para a cineasta, “Uma Dobra no Tempo” não deixa de ser uma grande experimentação com sua narrativa fundamentada no discurso, uma que precisa aprender desta vez como funcionar longe de seu habitat natural, do gestual de afirmações politizadas que reverberam diretamente em questões contemporâneas. Trata-se, a bem da verdade, de uma troca da frontalidade oferecida pela História pela alegoria da fantasia, uma mudança que a princípio DuVernay parece conseguir lidar.

Na história, a jovem Meg (Storm Reid) leva um cotidiano difícil junto da família depois que seu pai (Chris Pine) some misteriosamente. Deslocada entre os alunos e nos estudos, a garota ainda não conseguiu encontrar o rumo na vida quatro anos depois do desaparecimento de seu genitor, mas na ocasião do aniversário do sumiço ela descobre junto do irmão prodígio Charles Wallace (Deric McCabe) que ele na verdade está preso em uma outra dimensão, vítima de uma força maligna que busca dominar o universo. Auxiliada pelas senhoras Quem (Mindy Kaling), OQueÉ (Reese Witherspoon) e Qual (Oprah Winfrey) – três poderosas entidades do bem – e junta do amigo Calvin (Levi Miller) e do irmão pequeno, Meg parte em uma jornada por diferentes realidades para encontrar o seu querido familiar perdido.

“Uma Dobra no Tempo” não deixa de ser uma grande experimento de DuVernay com sua narrativa pautada no discurso

Embora despida de qualquer referencial político direto, DuVernay mostra-se capaz de dobrar o conto de L’Engle às suas próprias necessidades, concebendo em cima do material original e junto dos roteiristas Jennifer Lee e Jeff Stockwell uma jornada de empoderamento genuína voltada a jovens meninas negras. Além de Reid desempenhar o papel principal, o longa também conta e sabe se utilizar da presença de Oprah como a Sra. Qual, que lidera o elenco repleto de diversidade sob a enormidade (às vezes literal) do peso de sua figura enquanto empresária e apresentadora televisiva na vida real e que atua em grande parte do tempo como uma mentora maior de Meg em seu arco de aprendizado sobre valores como auto-confiança e determinação.

Esta temática de crescimento interior e reafirmação do eu logicamente há de se estabelecer como mensagem maior de “Uma Dobra no Tempo”, uma que se encontra reforçada pelo direcionamento dado pelo filme a um público mais específico. Entre as várias medidas tomadas para adaptar e expandir o texto de L’Engle nas telonas, a que mais se destaca é sem dúvida a relacionada às opressões vividas por Meg em seu cotidiano, que deixam de ser relacionadas a instituições pouco delineadas e a membros familiares (os outros dois irmãos “normais” do livro desaparecem no longa) para serem explicitadas por indivíduos do colégio, seja no antagonismo nutrido pela colega de classe Veronica (Rowan Blanchard) ou nas conversas entre professores entreouvidas por Charles Wallace.

São decisões como estas que no fundo refletem a escolha da narrativa por um direcionamento à juventude feminina negra, buscando uma identificação entre espectador e obra que não chega a ser exclusivista mas preserva uma decisão muito clara e saudável do longa de procurar um público diferente como principal – uma ação que por si só já é bastante encantadora.

Mas se por um lado “Uma Dobra no Tempo” possui este conjunto admirável de intenções, o discurso de empoderamento construído com muito cuidado por DuVernay acaba muito restrito por outras decisões narrativas. O livro de L’Engle, ainda que parta de uma premissa extremamente criativa em sua fantasia trajada de ficção-científica, é executado sob uma dinâmica didática muito simples, sendo guiada por uma necessidade constante de exposição dos conceitos da trama do qual Lee e Stockwell não conseguem se desvencilhar no roteiro por conta da abstração em torno dos valores e elementos apresentados. É com frequência que o longa se vê preso a cenas de muita discussão, tomadas por quantidades exorbitantes de explicações sobre o que está acontecendo que fazem com que o ritmo da história se perca em debates que pouco acrescentam a experiência visual prometida pela viagem interdimensional da premissa.

O discurso de empoderamento é construído com muito cuidado por DuVernay, mas acaba restrito pela narrativa

O que faz rachar ao meio a boa vontade da produção, porém, é a dificuldade visível de sua diretora em materializar grande parte dos mundos imaginativos propostos pela obra literária. Há um pouco de culpa de L’Engle no processo (seu estilo conciso e muito direto de escrita já representa em si um grande desafio para qualquer adaptação), mas o longa demonstra muitas vezes estar passando por dificuldades claras com a materialização visual de todos os mundos, reduzindo-os a cenários pouco imaginativos – o verdejante cenário montanhoso da Nova Zelândia, por exemplo, se converte na história em um planeta Uriel cujos únicos atrativos são flores que caminham e rochedos flutuantes. Isto quando o filme não prefere o caminho da completa abstração e esvazia de sentido a proposta do seu discurso a ponto de torná-lo em mensagem de auto-ajuda, a exemplo do clímax que busca representar o ato final de aprendizado de Meg em um jogo de luzes que banaliza qualquer ponto emocional buscado pela obra.

Em entrevistas e declarações dadas durante a divulgação do filme, DuVernay explicou diversas vezes que fez “Uma Dobra no Tempo” com a mentalidade de sua criança interior de 11 e 12 anos, buscando tratar de alguma maneira com os menores sobre a turbulência dos tempos atuais. Ainda que estas boas intenções se verifiquem no resultado final, é possível ver ao mesmo tempo como a diretora mostra-se um tanto perdida sem algum controle maior do roteiro, que pela primeira vez em sua carreira como cineasta não contou com seu envolvimento. E se o cinema de DuVernay existe e sobrevive primeiramente no discurso, é apenas natural a conclusão de que sua potência também dependa diretamente do texto.

nota do crítico

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