- Criatividade 8.maio.2025
15 anos do primeiro Titanium Lions brasileiro: como “Xixi no Banho” fez história
"Não precisamos nos levar tão a sério": diretor de criação da campanha revela bastidores da ideia que impactou a publicidade ambiental e garantiu o prêmio inédito para o Brasil
Em 2009, uma ideia infantil e aparentemente boba se transformou em um dos maiores cases da publicidade nacional. Em vez de discursos tediosos sobre sustentabilidade, a Fundação SOS Mata Atlântica e a (hoje extinta) agência F/Nazca Saatchi & Saatchi apostaram em algo cotidiano – e um tanto controverso – para conscientizar sobre o desperdício de água: fazer xixi durante o banho.
Por que isso importa: A campanha “Xixi no Banho” não só conquistou o primeiro Titanium para o Brasil em Cannes Lions 2010, como provou que é possível falar de meio ambiente com criatividade, autenticidade e sem parecer sermão. Quinze anos depois, o case continua relevante em um cenário publicitário onde todos buscam viralização a qualquer custo, mas poucos conseguem gerar impacto real e engajamento orgânico.
Da simples ideia a fenômeno global
“Todo mundo já fez xixi no banho escondido em algum momento achando que estava fazendo algo errado.”
A F/Nazca partiu de um briefing direto, mas bastante aberto: mobilizar moradores de grandes centros urbanos para a causa ambiental. A solução encontrada, em vez do tradicional “não faça isso” ou “não faça aquilo” foi incentivar algo que muitos já fazem e sequer pararam pra pensar: urinar durante o banho poderia economizar até 4.380 litros de água potável por pessoa por ano.
“Fomos eliminando hábitos. Até que, em um determinado momento, começamos a pensar em hábitos que as pessoas têm nos banheiros de suas casas. Por que não deixar de fazer xixi na privada e aproveitar o banho para isso? Percebemos que todo mundo aceita perfeitamente isso quando uma criança faz. Se é higiênico, por que não convencer todo mundo a aderir? Aí nasceu o Xixi no banho”, revela Eduardo Lima, diretor de criação da campanha, em conversa com o B9.
Edu, como é conhecido no mercado, é um dos criativos mais premiados da publicidade brasileira. Por 21 anos, atuou como Diretor Geral de Criação na F/Nazca, onde ajudou a construir campanhas memoráveis para marcas como Skol, Brahma, Nike e Leica. Foi com esta última que conquistou o único Grand Prix de Film da história da publicidade brasileira em Cannes, com o filme “100”, em comemoração ao centenário da marca de câmeras. Hoje, após passagem pela F/Nazca e Wieden+Kennedy São Paulo, Eduardo atua como ECD na AlmapBBDO.
Para tornar o tema mais palatável, a agência apostou em recursos estratégicos que ajudaram a blindar a mensagem. Edu explica:
“A gente se blindou de algumas formas para a mensagem ser bem aceita. Primeiro, criamos um simpático mascote para a campanha: um sapinho. A gente imaginava que ele chamaria a atenção das crianças e sabia que as crianças têm um poder de persuasão muito grande com os adultos quando algo as agrada”.
“O nosso filme hero (acima) foi uma convocação feita por crianças, trazendo a pureza delas para a pureza da ação. Com bom humor, mostramos vários ícones da cultura pop mundial fazendo xixi no banho. De uma forma quase ingênua usamos os Beatles, o Michael Jordan, o Stephen Hawking, o Hitchcock, a Carmem Miranda, o Frankestein, o Gandhi, o King Kong”, acrescenta o diretor.
O toque do acaso: “Sabíamos que tínhamos uma campanha pop nas mãos. Mas explodiu completamente quando, do nada, a Gisele Bündchen declarou que fazia xixi no banho”, lembra Eduardo.
Conquistando Cannes como azarão
O Brasil conquistou Titanium apenas três vezes desde que a categoria foi criada em Cannes Lions
Sem investimento direto em mídia, a campanha gerou retorno estimado em US$ 20,6 milhões em exposição espontânea e, mais importante, estimou-se que 18,5 bilhões de litros de água foram poupados em um ano no Brasil.
No ano seguinte, em 2010, “Xixi no Banho” conquistou o Leão de Prata na categoria Titanium Lions, a mais prestigiada de Cannes. Foi a primeira vez que um case brasileiro sequer chegou ao shortlist nesta categoria, que surgiu anos antes por conta de uma frustração criativa.
Em 2002, Dan Wieden, lendário cofundador da Wieden+Kennedy, abordou os organizadores do festival propondo uma nova categoria após perceber que os inovadores filmes da BMW criados pela Fallon não se encaixavam muito bem nos critérios existentes. Nascia assim, em 2003, o Titanium Lions, destinado a premiar “ideias revolucionárias que fazem a indústria parar em seus trilhos e reconsiderar o caminho a seguir”. Em 2022, após o falecimento de Wieden, a categoria foi renomeada para “Dan Wieden Titanium Lions” em homenagem ao seu criador, e continua sendo o prêmio mais cobiçado de Cannes Lions.
“De fato, Xixi no Banho foi o primeiro Titanium Lions que o Brasil abocanhou. Fomos pioneiros! Bela lembrança. Acho que o sucesso dela vem do fato de ser uma campanha autêntica, sincera e divertida. A técnica de animação ajudou muito a tornar o tema palatável. Tocamos no assunto de forma leve e colocamos nela elementos identificáveis em qualquer lugar do mundo, independentemente da cultura. O público percebeu a legitimidade e abraçou a causa, todo mundo entendeu o que estávamos propondo”, orgulha-se Eduardo.
Em sua trajetória publicitária em Cannes, o Brasil conquistou o Titanium Lions apenas outras duas vezes depois de “Xixi no Banho”: em 2013, com “Retratos da Real Beleza” da Ogilvy Brasil para Dove, que também levou o Grand Prix da categoria, e em 2023, com “Bring Home the Bud”, colaboração internacional entre Wieden+Kennedy São Paulo, Wieden+Kennedy Nova York e Africa Creative para a Budweiser.
Por que deu tão certo?
O êxito de “Xixi no Banho” pode ser explicado por diversos fatores, como ressalta Eduardo Lima:
“A verdade, é que todo mundo já fez xixi no banho escondido em algum momento achando que estava fazendo algo errado. O famoso ‘quem nunca?!’. Bom saber que esse ato economiza a água da descarga. E não é pouca quando somada: uma descarga gasta 12 litros de água potável, num ano são 4.380 litros. Xixi no Banho foi e é uma campanha absolutamente democrática: todo mundo que faz xixi foi convidado a participar.”
Além da universalidade do tema, a abordagem leve em vez de culpabilizar o público, a ação acessível proposta e a métrica clara de economia de água contribuíram para o sucesso da campanha.
O que mudou em 15 anos?
Eduardo Lima observa mudanças significativas no cenário publicitário desde então:
“O que mudou no cenário foi o humor. O ódio nas redes sociais por tudo e todos. A má vontade com ideias diferentes do padrão. As pedras que são atiradas para qualquer lado, a busca pelo novo alvo de linchamento. Hoje em dia, qualquer coisa que possa despertar um comentário negativo gera pânico.”
“É difícil generalizar porque você acaba sendo injusto, mas não lembro de nenhuma campanha ambiental recente levada com bom humor que tenha atingido esse sucesso do Xixi no Banho. O medo do backlash é maior do que tudo. Atualmente está na moda sacadinhas. As pessoas estão bebendo das mesmas referências, então fica tudo meio igual, seguindo um mesmo formato.”, analisa Edu Lima.
Para além do xixi: críticas e legado
“Não precisamos nos levar tão a sério o tempo inteiro.”
Apesar do sucesso, “Xixi no Banho” também recebeu críticas. Estudiosos argumentam que a campanha colocava toda a responsabilidade ambiental no indivíduo, sem questionar o papel das grandes indústrias e do poder público no desperdício de água.
Outra observação é que, apesar de ter sido criada para a SOS Mata Atlântica, a relação direta entre economia de água e preservação da floresta não ficou tão evidente na comunicação.
O legado: 15 anos depois, “Xixi no Banho” continua sendo referência quando se fala em campanhas ambientais que geram impacto real. Eduardo Lima acredita que seu maior ensinamento é simples: “Acho que Xixi no Banho deixa o ensinamento de que não precisamos nos levar tão a sério o tempo inteiro. Ou só é permitido transitar pelo humor quando o assunto é um meme?”
Em um cenário onde campanhas ambientais muitas vezes parecem distantes da realidade das pessoas, “Xixi no Banho” mostrou que soluções simples – se comunicadas de forma criativa – podem gerar engajamento genuíno. Seu maior legado talvez seja lembrar que, mesmo diante de temas sérios como a crise ambiental, uma pitada de irreverência pode ser o ingrediente que falta para transformar consciência em ação.
CRÉDITOS
Agência – F/Nazca S&S
Direção de criação – Fábio Fernandes e Eduardo Lima
Criação – Eduardo Lima e João Linneu
RTV – Regiani Pettinelli
Produtora de Som – Tesis
Produtor de Som – Silvio Piesco
Cliente – Fundação SOS Mata Atlântica
Direção – Fernando Sanches
Produção – Prodigo Films
Direção de Arte – Vanessa Lobo e Felipe Jornada
Animação 2d (personagens) – Bianca Beneduci e Massao Assaga
Composição – Massao Assaga e Fernando Sanches
3d – Felipe Jornada e Alexandre Jum
Assistente de direção e finalização – Juliana Cabral
Concepts dos Personagens – Bianca Beneduci
Concepts dos Banheiros – Felipe Jornada, Vanessa Lobo, Rodrigo Leão e Joy Passarelli
Montagem – Fernando Sanches e Alexandre Boechat
Coordenação de Pós Produção – Ale Coes e Ciça Piazza
Assistentes de finalização – Leandro e Paulão
Atendimento – Renata Corrêa e Doralice Sander
Produção executiva – Francesco Civita
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