O caso Ulianópolis, PA: prefeitura usa IA do Google para divulgar festa junina e vira estudo de caso sobre futuro da publicidade

A prefeitura de uma cidade do interior do Pará talvez tenha criado o debate do ano sobre IA na publicidade. Ulianópolis usou o Veo 3 do Google para produzir um vídeo promocional do Circuito Cultural com zero humanos reais – das pessoas vestidas de caipira à voz do narrador, tudo é artificial.

Por que importa: O caso expõe o dilema central da IA criativa: é democratização do acesso a produção audiovisual ou precarização do trabalho cultural? A resposta muda dependendo de quem você pergunta.

A produção que enganou (quase) todo mundo

O vídeo impressiona tecnicamente:

  • Visual cinematográfico com cenários juninos detalhados
  • Personagens realistas em trajes típicos
  • Narração em português sem sotaque robótico
  • Qualidade 4K com iluminação profissional

Renato Lopes Ferreira, produtor local, inclusive detalhou o processo:

  1. ChatGPT para criar o prompt detalhado
  2. Veo 3 para gerar os vídeos (80+ tentativas)
  3. Adobe Premiere/After Effects para edição final

“Fiz para conhecer a ferramenta, mas tive mais trabalho que em edições convencionais. Não faria comercialmente”, admitiu Ferreira.

A revolta dos humanos

As críticas vieram em ondas:

Profissionais da cultura:

  • “Nenhum ator, figurinista ou cinegrafista foi contratado”
  • “Se há algo que não pode ser automatizado, é a alma de uma festa popular”
  • “Ofensivo e desrespeitoso com trabalhadores da arte”

Questões éticas:

  • “Precisa deixar claro que é IA. Logo será lei”
  • “Me senti enganada ao descobrir que não era real”
  • “Cultura é feita por pessoas”

O outro lado da moeda

Também houve quem celebrasse:

  • “Sensacional! Arrebentou demais!”
  • “Serviu de inspiração para fazer um do meu condomínio”
  • “Produção profissional com custos baixos”

O elefante na sala

O Veo 3 custa entre R$ 96,99 e R$ 1.209,90 por mês. Para uma prefeitura do interior, pode ser mais barato que contratar equipe completa. Mas a que custo social?

O paradoxo: Ulianópolis promove cultura local com tecnologia que elimina artistas locais.

A ironia: Um vídeo sobre festa tradicional que não tem nada de tradicional.

O futuro: Se prefeituras começarem a usar IA para tudo, o que acontece com produtoras regionais?

A prefeitura ainda não se pronunciou oficialmente. Mas o debate já está feito – e é muito mais que um vídeo de festa junina. Se trata do tipo de futuro queremos: um onde tecnologia democratiza criação ou onde algoritmos substituem artistas?

Por enquanto, a única certeza é que o Circuito Cultural de Ulianópolis já conseguiu o que queria: muita gente falando dele.

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Publicador por
Carlos Merigo

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