Cannes Lions 2025: Apple defende criatividade humana como “superpoder” contra era dos algoritmos
Em abertura do festival, Tor Myhren apresenta cases que mostram por que a marca acredita que pessoas são melhores que máquinas em criar conexões

Numa era em que algoritmos tomam cada vez mais decisões criativas, a Apple decidiu nadar contra a corrente. Em apresentação que abriu o Cannes Lions 2025, Tor Myhren, VP de Marketing Communications da marca e Creative Marketer of the Year, defendeu uma tese provocativa: o toque humano é nosso superpoder – e a salvação da criatividade publicitária.
“Uma lágrima para um algoritmo é apenas água, sal e carbono. Para um olho humano, pode ser de partir o coração”, disse Myhren, estabelecendo o tom para 45 minutos de argumentação pró-humanidade através de cases recentes da Apple.
Por que importa: Enquanto o mercado acelera a adoção de IA generativa, a empresa mais valiosa do mundo aposta que criatividade humana continuará sendo o diferencial para construir conexões genuínas com marcas. Sem esquecer, claro, que a marca vem sendo pressionada no setor de IA.
AirPods que mudaram a vida do pai (e de milhões)
O case mais pessoal da apresentação envolveu o próprio pai de Myhren. Aos 88 anos, ele esqueceu seus aparelhos auditivos de US$ 5 mil durante uma visita à Califórnia. A solução? Usar os AirPods do filho como substituto — algo possível graças a uma nova funcionalidade que transforma os fones em aparelhos auditivos de grau clínico.
“Coloquei ele no meu closet para fazer o teste de audição no iPhone. Oito minutos depois, ele saiu usando meus AirPods configurados para sua perda auditiva específica”, contou o executivo. “Duas semanas depois, liguei perguntando se ainda estava usando. Ele disse: ‘Funcionam tão bem quanto meus aparelhos de 5 mil dólares, mas parecem muito mais cool’.”
Os números impressionam:
- 1,5 bilhão de pessoas podem ser beneficiadas globalmente
- 51 milhões de visualizações só no YouTube para o filme da campanha
- Maior volume de buscas por “aparelhos auditivos” na história do Google na semana seguinte ao lançamento
“Um algoritmo jamais diria que investir 4 anos de P&D para transformar AirPods em aparelhos auditivos aumentaria vendas. Nem que um comercial começando com 40 segundos de som abafado se tornaria nosso comercial de fim de ano mais assistido”, provocou Myhren.
Safari e os pássaros voyeurs que ninguém esquece
Para promover privacidade no Safari, a Apple criou uma das campanhas mais perturbadoras do ano: câmeras em formato de pássaros mecânicos que espionam pessoas em momentos íntimos. O conceito é simples e assustador — mostrar fisicamente como outros browsers rastreiam cada movimento online.
“Esses bird-bots precisavam parecer reais, se mover de forma crível e transmitir que estavam putos querendo seus dados”, explicou o VP. Cada criatura foi construída e operada manualmente, reforçando o argumento central: craft importa, e detalhes extremos são “muito humanos e muito Apple”.
Vídeo Imersivo: o futuro que só humanos conseguem criar
Com o Vision Pro, a Apple está explorando uma nova fronteira narrativa: vídeos imersivos em 180 graus que colocam espectadores dentro da história.
“VR sempre prometeu levar você a lugares impossíveis, mas depois de alguns minutos dá náusea. Com Vision Pro, a fidelidade visual permite algo mais íntimo.”
Experimentos em andamento:
- “Submerged”: filme submarino que virou demo de Hollywood
- Show do The Weeknd em vídeo imersivo (“melhor que primeira fila”)
- Super Bowl em 180 graus
- Westminster Dog Show (sim, “cães imersivos”)
- Filme de terror que pode ser “assustador demais para lançar”
Tor só não citou o fato da empresa ter reduzido significativamente a produção do dispositivo, depois de uma queda nas vendas após o entusiasmo inicial.
Severance invade LinkedIn e Grand Central
Para promover a segunda temporada de Ruptura — série sobre separar o eu-trabalho do eu-pessoal — a Apple criou a página corporativa da Lumon Industries (empresa fictícia da trama) no LinkedIn, com vídeos de treinamento e avaliações de performance.
O ápice? Transformar parte da Grand Central Station em filial da Lumon, com atores reais trabalhando por horas enquanto passageiros confusos observavam.
“Ativações ganham atenção porque são reais e físicas num mundo virtual. Você anseia por interação, toque, som, cheiro.”
“Shot on iPhone”: 10 anos celebrando criadores
A campanha que começou com fotos de usuários em outdoors hoje tem 34 milhões de seguidores no Instagram. A evolução incluiu:
- Curtas premiados em Cannes
- Clipes de Selena Gomez e Lady Gaga
- “Extermínio: A Evolução”, novo filme de Danny Boyle, inteiramente filmado com 20 iPhones
“A ideia sempre foi ter pessoas criativas ao redor do mundo usando esta ferramenta para contar suas histórias. E deu certo — Danny Boyle decidiu filmar em iPhone, não foi nossa sugestão.”
Canção para devs vira viral improvável
No WWDC 2025, a Apple transformou reviews reais de apps em letra de música. Frases como “Changed my life” e “Now I’m even jogging” viraram homenagem melódica aos desenvolvedores — provando que até feedback de App Store pode virar arte com toque humano.
“Não esqueçam que humanos é que mandam”
Myhren encerrou citando as famosas palavras de Steve Jobs sobre transmitir apreciação pela espécie humana através do ato de criar com cuidado e amor. Sua mensagem final foi clara:
“IA não vai matar a publicidade. Mas também não vai salvá-la. Temos que nos salvar, acreditando no que sempre tornou esta indústria especial: criatividade humana.”
“Usem seu senso de humor, seu gosto incrível, sua nuance sutil, sua originalidade. Usem seu cérebro e seu coração. Saiam e criem algo maravilhoso.”
A provocação final: Numa indústria “meio surrada e assustada”, onde profissionais temem acordar sem emprego amanhã, Myhren oferece otimismo ancorado em convicção: as melhores ideias ainda precisam de mentes humanas para fazer outros humanos sentirem algo genuíno.
Se em 2023 defendia que agências são eternas por trazerem perspectiva externa, em 2025 defende que humanos são eternos por trazerem algo que nenhuma máquina pode replicar. E se uma coisa ficou clara em Cannes, é que a Apple está apostando alto nessa tese — com produtos, campanhas e 28 anos de parceria com as mesmas agências (Media Arts Lab e OMG) para provar o ponto.

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