Em “A Grande Jogada”, Aaron Sorkin confunde drama com informação • B9
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Imagem: Jessica Chastain and Idris Elba in MOLLY’S GAME

Em “A Grande Jogada”, Aaron Sorkin confunde drama com informação

Estreia do celebrado roteirista na direção, filme reconta história de organizadora de pôquer das estrelas em trama inchada pelos fatos

por Pedro Strazza

Nas entrevistas feitas durante a divulgação de “A Grande Jogada”, o roteirista Aaron Sorkin diz que decidiu fazer do filme sua estreia na direção porque ele não conseguia explicar aos outros sua visão sobre a obra. Emergido em Hollywood por seus roteiros políticos (entre eles a série “The West Wing”) e consagrado depois na indústria pelos textos verborrágicos de produções como “A Rede Social” e “O Homem Que Mudou o Jogo”, o cineasta afirma que a princípio se mostrava reticente de assumir a cadeira principal de comando da produção, mas acabou por aceitar o cargo ao perceber que tinha dificuldades latentes de contar a produtores e outros membros da equipe qual era o tipo de filme que ele queria fazer à partir da história de uma organizadora de noites de pôquer de luxo aposentada.

Esta “visão” abstrata ao qual Sorkin se refere nesta concepção do longa é muito íntima também à trama escolhida por ele para este debute, pois suas características são levemente diferentes dos tipos de história que ele geralmente trabalha. Se em outras cinebiografias o roteirista sempre teve ampla liberdade para apontar nomes e fazer delas grandes retratos geracionais ou humanísticos, em “A Grande Jogada” o cineasta encontra-se em um terreno mais arenoso ao ter de lidar com memórias que incluem nomes centrais censurados e fatos deveras subjetivos. Ainda que seja um objeto de estudo tão fascinante e desafiador quanto os anteriores, a vida da empresária Molly Bloom tem um perfil muito distinto da de outras figuras exploradas por Sorkin, como Mark Zuckerberg, Steve Jobs e Billy Beane; sua história – como a produção busca várias vezes apontar – é tão misteriosa e pouco objetiva quanto as identidades e os gestuais dos jogadores que frequentavam suas jogatinas exclusivas.

Aaron Sorkin e Jessica Chastain no set

Este processo de adaptação é difícil e o cineasta já lida com problemas desde as suas fundações. O livro de memórias no qual a produção se baseia, “Molly’s Game: From Hollywood’s Elite to Wall Street’s Billionaire Boys Club, My High-Stakes Adventure in the World of Underground Poker”, foi escrito por Bloom na época do julgamento de seus crimes e acaba um pouco limitado pelo número de informações que a autora queria ou não liberar ao conhecimento público para não se incriminar, uma medida que Sorkin aproveita aqui para situar todo o eixo dramatúrgico do roteiro. Esta dinâmica entre revelação e omissão da informação é traduzida pelo roteirista na relação que a protagonista (vivida por Jessica Chastain) tem com o advogado de defesa Charlie Jaffey (Idris Elba), cujas contestações frequentes à narrativa criada por sua cliente para o processo criminal trazem à tona este perfil capcioso da personagem.

Mas se esta concepção parece em teoria alinhada aos meandros dos dramas de tribunal comuns, o longa logo há de se reafirmar como outro produto tradicional da escrita de Sorkin. O cineasta busca carregar de sua carreira como roteirista para dentro de sua direção esta ambição constante por contextualizações complexas, apostando na trajetória tortuosa da protagonista sob a mesma lógica ambivalente e pautada entre o fracasso e o sucesso que vem permeando os seus últimos roteiros. Sorkin pode não estar almejando questões maiores de “A Grande Jogada”, mas mesmo nesta chave “desambiciosa” ele preserva uma espécie de grande narrativa do sonho americano em chave contemporânea, situado agora no cenário do empreendedorismo selvagem.

Sorkin busca carregar de sua carreira como roteirista para dentro de seu trabalho de direção a ambição constante por contextualizações complexas

Além desta ambientação, há no filme também outro detalhe inédito a este raciocínio e que diz muito sobre o tipo de retrato que o diretor busca fazer de sua protagonista. Como o prólogo bem atenta na descrição das circunstâncias extraordinárias pela qual a carreira da personagem como esquiadora olímpica foi encerrada abruptamente (feita com a hiper-atividade tradicional do texto de Sorkin), Bloom parece condenada do início a uma espécie de maldição não verbalizada e que a condena a estar vulnerável a aleatoriedades mesmo quando no máximo controle de seu destino. São eventos muitas vezes negativos – como um apostador levado à ruína por uma anomalia da mesa – mas ora ou outra eles hão de pender à favor da empresária, a exemplo da situação da tentativa de compra forçada de seu negócio ou mesmo do clímax no julgamento.

É claro que este enquadramento do acaso como força maior parte do esforço do filme em fazer dos meandros do pôquer – o chamariz principal da história – um dos alicerces do roteiro, mas é justo à partir daí que sua estrutura colapsa. Como todo roteirista prestigiado da indústria, Sorkin gosta de trabalhar sua escrita sob controle muito rígido, mas em “A Grande Jogada” esta necessidade de pautar todas as batidas emocionais no texto aproximam o filme de um teor informativo que é deveras exaustivo. Mesmo não se propondo a ser um drama de tribunal, o longa procura trazer deste gênero o clássico jogo de subjetividades aos fatos, mas sua necessidade de se prender a eles torna toda o drama um tanto repetitivo e auto-explicativo. O ápice acontece no reencontro de Bloom com o pai (Kevin Costner, cada vez mais especializado nestes tipos paternos problemáticos), um psicólogo que só aparece na história para explicar didaticamente à filha o que são daddy issues.

O roteirista gosta de manter sua escrita rígida, mas aqui esta necessidade se traduz em pautar todas as batidas emocionais do filme no texto

Existe uma megalomania muito evidente da parte de Sorkin embutida aí, mas a verdade é que “A Grande Jogada” está mais próximo do caso do roteirista tomado pelo volume e as necessidades do roteiro que do exercício narcísico de direção. Se o diretor não escapa da estética rasteira de produção televisiva de luxo para manter o ritmo frenético do filme constante (apoiando-se somente em trucagens de montagem e lógicas de cena ditadas pelo plano-contraplano), é no  texto que o longa desaba porque seu roteirista, despido de restrições por parte de outros, impõe na obra e nas suas extensas linhas de diálogo todo tipo de informação só por achar relevante ao retrato que realiza. Sobra espaço, então, para situações e arcos de personagem irrelevantes, desde o dono de fundo monetário cuja inabilidade com o pôquer acaba sendo responsável pelo fim da vida de outro jogador e da carreira de Bloom até longas cenas de negociação realizadas apenas para dar vazão a discursos apaixonados (e meio perdidos) do advogado de defesa.

Sorkin talvez acredite piamente na afirmação de que o tamanho de seus roteiros são os grandes responsáveis por tornar suas produções memoráveis, pois esta é a única explicação plausível capaz de justificar o inchaço incomensurável desta estreia na direção. Se o grande número de informações no passado vinha bem dosado e organizado de forma a criar um retrato completo de seus protagonistas, em “A Grande Jogada” o acúmulo de fatos parece acontecer somente no intuito de fornecer algum tipo de respaldo automático aos caminhos tomados pela dramaturgia, numa resolução bastante excêntrica para substituir o drama pela documentação. É um erro curioso, ainda mais porque o roteirista mostra-se tão cego aqui a ponto de ignorar os próprios personagens que escreve e passar a buscar objetividade da subjetividade.

Mas é aquele ditado: mais nem sempre significa melhor.

nota do crítico

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