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“Ad Astra” é a consolidação da odisseia espacial contemporânea

Estreia de James Gray na ficção-científica equilibra vocação atual do cinema americano por narrativas interiores com a propensão aos grandes temas do gênero

por Pedro Strazza

Enquanto valor emocional, o pessimismo já há um bom tempo não é novidade dentro do gênero da ficção-científica, ainda mais no cinema que pelo menos desde os anos 50 já encontra por meio de subgêneros como o da invasão alienígena uma forma de encarar o futuro da humanidade despido de quaisquer amarras sociais. Do ponto de vista dos anos 10, porém, o que intriga nesta relação é como ela parece ter se aprofundado na última década, num estreitamento que se detecta não apenas no fortalecimento das distopias na televisão (o “efeito Black Mirror”, se permite a cunhagem do termo) mas no ramo da exploração espacial, esta subcategoria que não deixa de ser o auge do gênero em questão de orçamento e magnitude.

São os filhos perdidos de “2001” e “Solaris”, afinal, que parecem ter abraçado com maior intensidade este sentimento de desencanto que paira pelas sociedades do mundo, em especial nos últimos anos onde a sobriedade se tornou vigente. Mais curioso é perceber como para um subgênero tão expansivo esta assimilação se deu pelas vias da interiorização, o que gera uma contravenção no formato de grandes temas geralmente buscados neste tipo de história. Pelo menos nas telonas as odisseias espaciais contemporâneas, acima de tudo, partem de um desejo por respostas emocionais aos nossos dilemas presentes ao invés de se indagar sobre o futuro – em outras palavras, é muito menos sobre “para onde vamos?” e sim “o que vamos fazer?”.

É neste cenário que surge “Ad Astra”, filme que, para além destas relações, desperta interesse justo pelo primeiro contato do gênero com James Gray, um diretor o qual até este momento da carreira operou fora da ambientação moderna apenas nos conformes do passado histórico, nos “Era Uma Vez em Nova York” e “Z: A Cidade Perdida” que antecedem este novo trabalho. As ambientações radicalmente diferentes, vale dizer, não escondem o fato de que estes três longas reunidos representam um esforço de Gray por uma formatação mais epopeica de cinema sem perder de vista o intimismo de relações os quais norteiam seu cinema, uma coalizão capaz de torná-lo candidato ideal para consolidar enfim este modelo atual de representação da busca do homem pela conquista do espaço.

Não que o filme em si nasça sob intuito tão pretensioso, mas suas ambições de fato estão na altura dos grandes temas que Gray já havia explorado nos últimos dois projetos – além de também encontrarem um orçamento à altura para se materializar na telona. Tanto que dentro da filmografia do diretor a afinidade imediata maior de “Ad Astra” parece ser com o “Z”, cuja premissa de escapismo pela exploração das expedições de Percival Fawcett se iguala à jornada do também oficial Roy McBride (Brad Pitt) para atravessar o sistema Solar e encontrar o pai herói perdido (Tommy Lee Jones). De certa forma, são duas histórias de fuga que se confundem com as missões oficiais atribuídas aos protagonistas, cujo desgaste com os laços sociais transparece desde o início como um dilema a ser enfrentado.

No caso específico da odisseia espacial, esta intermediação entre indivíduo e mundo é escancarada ainda mais ao ponto da textura, numa configuração que pode sugerir uma incursão de Gray pelos conformes do cinema de Terrence Mallick mas na verdade se dá pelas vias da adaptação do diretor ao gênero “inóspito” que explora (uma questão que Marcelo Hessel explora com maior propriedade em seu texto sobre o filme). Roy é desde o começo um personagem cuja desconexão com o mundo move suas aflições emocionais, mas na história este isolamento surge não apenas como drama maior mas também é uma aptidão para desempenhar funções oficiais – o controle é quase uma medalha de honra, sacramentando o protagonista como “lenda” entre os oficiais por nunca aumentar o ritmo cardíaco para além de certo nível – algo que em si abre espaço para a atmosfera de pessimismo presente ao longo de toda a narrativa.

O futuro de “Ad Astra”, vale acrescentar, é todo construído em cima da fuga como princípio do abandono, da ausência de soluções reais aos problemas. Enquanto a Terra nunca é mostrada para além dos quartos onde o drama se realiza, conforme a missão de Roy avança em direção a Netuno a sobriedade se dilui perante o sentimento de desencanto mais sólido e ressaltado pelo desgaste físico da missão. Desde a Lua e sua conquista comercializada (o comentário mais evidente sobre consumismo do filme) até os ambientes internos higienizados das instalações militares de Marte, a narrativa é toda internalizada e focada no arco emocional do personagem de Pitt, mas Gray compreende a ideia de que este isolamento acontece como catalisador de toda a crise daquele universo e que ele portanto há de sofrer as consequências, e nada sintetiza a ausência de deslumbre como fator apocalíptico da narrativa que o comentário feito pelo personagem de Donald Sutherland ao observar a Terra da Lua em determinado momento – ao invés de um poético “pálido ponto azul”, vem o apontamento frio e materialista da bola de gude.

A história de fuga se confunde com a missão do protagonista, cujo desgaste com os laços sociais se ensaia do início como dilema a ser enfrentado

Até este ponto, Gray não deixa de correr aqui os mesmos caminhos de produções conterrâneas do gênero como “Interestelar”, “Gravidade” e mesmo o “Primeiro Homem” (que apesar de não pertencer à ficção-científica, ainda se alinha a estes projetos por buscar prover o mesmo olhar interior à narrativa da História da exploração espacial), estando portanto vulnerável aos mesmos problemas de falta de sintonia de suas questões com as vias emocionais sofridos de formas distintas por cada um destes. É um risco que o longa conscientemente passa em alguns momentos, até porque sua dinâmica internalizante confunde-se com a narrativa epopeica posta em movimento e isso tende a enfraquecer tudo aquilo que gira ao redor do protagonista, mas não lhe diz respeito na relação paterna. Isso não chega a valer para as passagens de morte – até porque a fotografia de Hoyte van Hoyteman não deixa de registrar os “enterros” pela via poética, chegando a sobrepor corpos ao Sol – mas coadjuvantes como os de Sutherland, Ruth Negga e Liv Tyler terminam a história servindo como elementos de cena ao invés de personagens e isso acentua o grau de inadequação que qualquer arco dramático fora do principal tenha dentro do roteiro.

O que separa “Ad Astra” de quaisquer crises estruturais e de propósito, porém, é que a produção segue o modo de operação do cinema de Gray, cuja afiliação aos gêneros não ocorre para gerar um ponto de partida mas é o meio sob o qual suas histórias acontecem, algo que por sua vez segura a narrativa de se perder nas divagações emocionais pura e simplesmente. É algo a se notar em especial na narração, cujo formato de diário de bordo não poderia estar mais ligada a algumas das raízes literárias da ficção-científica, mas também nas passagens externas e mesmo físicas da história, que não hesita em abraçar o bizarro como forma de oferecer algum tipo de desafio à viagem de Roy fora do âmbito do teste corporal, seja em piratas espaciais ou nas cenas dentro da nave não identificada.

A produção segue o modo de operação do cinema de Gray, cuja afiliação aos gêneros é o meio sob o qual suas histórias acontecem

Esta ligação mais “presente” da narrativa com o gênero também é importante para os propósitos do longa porque no fundo sua conexão com a fantasia vai além da premissa e está por trás de todos os passos da história, conforme a odisseia de Roy para resgatar o pai soluciona seus problemas emocionais mas também para encontrar um novo paradigma ao espectador e sua relação com o mundo. É neste momento que “Ad Astra” enfim se separa de “Z” para trilhar caminho próprio, pois se a “fuga” de Percival lá era no fim a única forma de se soltar das limitações daquela sociedade e encontrar a paz interior (bem aos moldes da aventura de exploração), aqui o personagem de Pitt se reencontra na via oposta, quando acha propósito dentro do mundo ao qual pertence.

A beleza desta equação é que ela não apenas soluciona dilemas de pertencimento que a sociedade bem ou mal vive nos tempos atuais e os quais se espera espelhar no protagonista, mas de certa forma retoma à própria essência do gênero ao proporcionar algum equilíbrio espiritual ao desbalanço de pessimismo com o futuro. Aos olhos de Gray, ao se confundir as noções de indivíduo, sociedade e cinema em torno de uma narrativa igual, seus pontos de crise também se misturam ao ponto de se tornar um só, uma medida capaz não apenas de universalizar o sofrimento mas também sua harmonia subsequente – e que outro tipo de história seria capaz de proporcionar tamanho sentimento senão a odisseia espacial?

nota do crítico

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