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Em cerimônia de imigrantes, Oscar mostra estar atrelado às mesmas convenções

Vitória de “A Forma da Água” e Guillermo del Toro serviram de cortina de fumaça à lógica conservadora e contraditória da Academia, mas ainda há alguma esperança no horizonte

por Pedro Strazza

Diz-se muito que a História se repete, e no caso do Oscar e da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas esta afirmação talvez esteja sendo levada ao pé da letra até demais. Quando no ano passado, em meio ao caos da confusão dos envelopes, “Moonlight – Sob a Luz do Luar” foi sagrado Melhor Filme pelas mãos de Warren Beatty e Faye Dunaway, o paralelo entre os vencedores da noite e a distante cerimônia de 1968 da premiação pulou aos olhos do público de forma irresistível. O ano do “Bonnie e Clyde – Uma Rajada de Balas” da dupla apresentadora, afinal, também havia passado por um ajuste de última hora (a entrega das estatuetas foi adiada em alguns dias por conta da morte de Martin Luther King) e acabaria consagrando um filme muito íntimo da luta contra o racismo de surpresa no processo – o “No Calor da Noite” de Norman Jewison, uma das primeiras produções do cinema mainstream estadunidense a contestar a tão utilizada figura do “negro gentil” de Hollywood.

Esta comparação entre “eras” do prêmio também soava animadora porque 1968 foi um ano decisivo para o Oscar. Como bem relata Mark Harris em seu livro “Cenas de uma Revolução – O Nascimento da Nova Hollywood”, foi à partir deste ano que a Academia passou a encarar com bons olhos as produções de uma então jovem Hollywood e a abandonar (aos poucos) as grandes obras cinematográficas das classes mais tradicionais de sua indústria. Os anos 70 até hoje são considerados por muitos uma das grandes épocas da premiação por ter consagrado nomes como Francis Ford Coppola, William Friedkin e Michael Cimino, e a vinda do tocante filme de Barry Jenkins como este novo messias da produção independente na Academia parecia sinalizar novos tempos férteis no Dolby Theatre.

O que talvez ninguém esperava, porém, é o quão empenhado o Oscar estaria nesta missão de repetir o passado, pois enquanto a edição deste ano de fato continuou esta linha de raciocínio estabelecida em 2017 ela também manteve de certa forma o padrão da premiação seguinte à da comparação. Tal qual 2018, o fatídico 1969 foi à sua maneira um ano sobre os marginalizados segundo a visão da indústria, tendo celebrado uma produção dirigida por um celebrado cineasta que flertava com o filme de gênero e o passado. Se “Moonlight” foi o “No Calor da Noite” geracional deste começo dos anos 2000, o “A Forma da Água” de Guillermo del Toro chega para ser o novo “Oliver!” de Carol Reed.

Guillermo del Toro com suas duas estatuetas

Mas antes de chegar ao fim é necessário repassar antes o resto da noite, que embora tenha sido mais ou menos previsível ainda não deixou de ter uma identidade própria muito distinta. Com uma leva de votantes novos muito grande depois das medidas de diversificação e sendo a primeira edição realizada sob a direção do recém-empossado presidente da Academia John Bailey, era esperado deste Oscar uma série de grandes reviravoltas em uma parcela significativa de categorias, mas a premiação começou e acabou em campos bem conhecidos. Inaugurada com um cinejornal fake sobre o tapete vermelho e narrado pelo apresentador da noite, a nonagésima edição de entrega das famosas estatuetas prosseguiria sob o peso da idade, reiterando em diferentes ocasiões a força de sua História nos acenos a vencedores de edições passadas ou no clipe dos grandes filmes da indústria das décadas passadas (alguns que curiosamente não passaram pelo prêmio, como é o caso de “O Iluminado”). Tendo entregue o melhor monólogo de abertura da cerimônia em anos e introduzido um bolão envolvendo um jet ski para o menor discurso da noite – uma piada que voltaria deliciosa ao longo das horas – o anfitrião da noite Jimmy Kimmel abriria o palco para Viola Davis anunciar Sam Rockwell como primeiro ganhador esperado da apresentação, vencendo na categoria de Melhor Ator Coadjuvante por seu trabalho em “Três Anúncios Para um Crime”.

Mas se alguém ainda acreditava que este seria o primeiro de uma série de vitórias para o filme de Martin McDonaugh, ele com certeza ficou a ver navios. Com a exceção da categoria de Melhor Atriz, que contemplou Frances McDormand com sua segunda estatueta, a polêmica produção assistiria ao lado de outros indicados a uma verdadeira parada de campeões representantes a seu jeito das minorias latinas, que juntas somariam sete das 24 estatuetas distribuídas ao longo da noite. Se “A Forma da Água”, o maior ganhador da noite, levaria quatro troféus (Filme, Direção, Design de Produção e Trilha Sonora), ele seria acompanhado do duplo triunfo de “Viva – A Vida é uma Festa” (em Animação e Canção Original) e da consagração do chileno “Uma Mulher Fantástica” na categoria de Melhor Filme Estrangeiro – e além de trazer a América Latina, o longa de Sebastián Lelio também seria responsável por proporcionar a primeira apresentadora transgênero da História da cerimônia, que colocou a protagonista da obra Daniela Vega para introduzir a canção indicada “Mistery of Love”.

Daniela Vega, a primeira apresentadora transgênero da História do Oscar

Neste campo das primeiras vezes, a Academia também confirmou alguns favoritos que há tempos esperavam por sua vez de levantar a estatueta. Se em Melhor Roteiro Adaptado James Ivory recebeu a primeira estatueta da carreira por seu trabalho em “Me Chame Pelo Seu Nome” e com 89 anos se tornou o recipiente mais velho do prêmio, o lendário diretor de fotografia Roger Deakins enfim levou o Oscar da categoria por “Blade Runner 2049” após outras treze tentativas frustradas. Só não se formou uma trinca de justiças históricas porque Agnès Varda, a “mãe” da nouvelle vague e favoritíssima ao prêmio de Documentário por seu “Visages Villages”, acabou sendo esnobada pela Academia, que optou por conferir o troféu ao “Icarus” de Bryan Fogel – que sob certo olhar trata das pessoas “de fora” nos Estados Unidos ao centrar suas atenções em um cientista russo que participou do gigantesco esquema de doping esportivo da Rússia e agora está exilado na América.

Foi uma verdadeira parada de campeões das minorias latinas, que juntos somariam 7 das 24 estatuetas distribuídas

Mas os protagonistas maiores da noite eram mesmo os latinos. De Rita Moreno apresentando com o mesmo vestido usado em sua primeira passagem pela cerimônia à performance colorida da canção “Remember Me” de “Viva”, a Academia previu e acertou em cheio o soerguimento do tema nesta edição, deixando que o assunto maior da diversidade permeasse sua 90° edição. O ápice veio na consagração de del Toro na categoria de direção, que no discurso de agradecimento começou com a frase que foi síntese de toda a cerimônia: “Eu sou um imigrante”.

Seria uma afirmação de apoio linda se fosse verdade, mas a real é que a Academia ainda se mostra afundada nas mesmas hipocrisias sistemáticas de sempre e que só se ampliaram nesta guinada política dada nos últimos anos. Um exemplo forte destas contradições surge bastante evidente já na própria cerimônia, que ao mesmo tempo que celebrava a diversidade e os imigrantes decidiu prestar homenagem ao exército estadunidense e ao cinema de guerra trazendo um veterano da guerra do Vietnã orgulhoso de ter servido ao seu país em sua maior derrota militarista, num dos momentos mais embaraçosos da noite.

É no olhar mais acurado sobre a lista de vencedores, porém, que se percebe com maior clareza os problemas por trás do discurso político da premiação. Em tempos de #MeToo e o combate firme da indústria a seus predadores sexuais, a grande premiação de Hollywood colocou a própria metodologia em crise ao celebrar nomes ligados a agressões à mulher e mantendo a sua pauta de estatuetas do dia em ordem, um ato capaz de contradizer todas as suas medidas feitas durante esta edição para ligar a diversidade ao posicionamento contra os abusadores. Se McDormand fez um discurso forte sobre o tema em seu agradecimento pela estatueta de atriz e a cerimônia deu espaço de fala a algumas das vítimas de Harvey Weinstein (incluindo aí Salma Hayek), o Oscar escapou concedendo prêmios a Kobe Bryant e Gary Oldman, homens respectivamente acusados no passado de estuprar e agredir mulheres – o caso do jogador aposentado da NBA é ainda pior, dado que de acordo com reportagens ele foi um dos vencedores mais aplaudidos pela imprensa no backstage da apresentação.

Além disso, esta 90° Oscar também premiou um número relativamente baixo de mulheres, coroando apenas seis vencedoras durante suas mais de três horas de duração.

Mas o mais fascinante de se observar neste jogo contraditório executado pela Academia é a própria distribuição das estatuetas, que além do “triunfo latino” não deixou de demonstrar mais uma vez uma admiração desconcertante pelas mesmas narrativas de sempre. Nas categorias de atuação, por exemplo, predominaram as lógicas de consagração dos “grandes nomes” em detrimento do debate sobre a melhor atuação – e Oldman e Allison Janney talvez sejam os maiores representantes desta tendência -, ao passo que produções de vertente britânica mostraram novamente serem referência para a indústria, somando sete vitórias nesta edição com “Três Anúncios Para um Crime”, “Dunkirk” e “O Destino de Uma Nação”. O próprio triunfo de “A Forma da Água” alimenta um pensamento ultrapassado: mesmo sendo uma fantasia e uma obra com pé no horror, é outro filme que glorifica o passado e o cinema, contemplando a luta dos oprimidos com um mesmo olhar pasteurizado e confortável de outros campeões.

Jordan Peele recebe o Oscar de Melhor Roteiro Original

O que é possível concluir à partir disto? O Oscar estaria realizando uma mera manutenção de seus velhos valores? Talvez, mas com certo otimismo é possível identificar esta mesmice ideológica como mero passo tímido e temeroso perante o inevitável ritmo de mudanças dentro da Academia. Há de se valorizar, por exemplo, a presença marcante de Vega no palco ou a vitória de Jordan Peele e “Corra!” na categoria de Roteiro Original – que pela primeira vez em toda a sua História foi concedido a um negro -, fatos pequenos que escapam desta lógica de homem branco abrindo os braços às minorias e aos marginalizados apenas por questão de moda. A lista de indicados é outro ponto a ser valorizado, sinalizando a passos pequenos que cineastas dispostos a olhar estes grupos tem espaço na Academia – caso de Peele, Greta Gerwig (cujo “Lady Bird” saiu da noite de mãos abanando) e, quem sabe, Sean Baker.

Se “Moonlight” foi o “No Calor da Noite” geracional dos anos 2010, “A Forma da Água” chega para ser o novo “Oliver!”

O futuro é incerto, mas se o Oscar está tão determinado a emular o passado uma leve investigação histórica talvez revele parte destes próximos caminhos. Como “A Forma da Água”, o “Oliver!” de Reed se consagrou ao colocar a opressão presente em “Oliver Twist” em pauta, em um ano onde grandes celebridades de Hollywood como Katherine Hepburn e Barbra Streisand foram contempladas e as obras europeias de viés tradicional “O Leão no Inverno” e “Romeu e Julieta” foram celebradas. Era um recuo conservador disfarçado de discurso liberal, de fato, mas que já voltaria a desaparecer – agora de vez – em 1970 com a vitória do “Perdidos na Noite” de John Schlesinger na categoria de Melhor Filme, um filme protagonizado por Jon Voight e Dustin Hoffman e voltado às classes pobres e aos sonhos despedaçados da cidade de Nova York.

Resta saber então se este é mesmo o caminho a ser tomado pela “nova” Academia e, se sim, quem são estes novos perdidos na noite da premiação.

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